24.8.07

FUR, Agosto de 1975


Agosto foi um mês vertiginoso do chamado Verão Quente de 75. Quem o viveu não o terá ainda esquecido, qualquer que fosse a barricada por onde então andava.

Muito, muito resumidamente, para chegar à FUR.

No dia 8, toma posse V Governo Provisório – o último a ser presidido por Vasco Gonçalves – sem a participação de ministros do PS ou do PSD. Iria durar apenas até 19 de Setembro.

Na véspera, tinha sido divulgado o Documento dos Nove, elaborado por Melo Antunes. Como se sabe, foi o ponto de partida para a solução que viria a sair vitoriosa no 25 de Novembro.

Alguns dias depois, mais precisamente em 13 de Agosto, é publicado um outro texto, com orientação diametralmente oposta – o Documento do COPCON – resultado da colaboração entre uma parte do MFA e militantes da extrema-esquerda (nomeadamente da UDP, do MES e do PRP/BR).

No dia 18, Vasco Gonçalves profere, em Almada, um longo e arrebatadíssimo discurso (de cerca de hora e meia, se a memória não me trai), transmitido em directo pela televisão e pela rádio, que soa já a canto de cisne de um processo insustentável. São os dias do «Força, força, companheiro Vasco!», já um tanto desesperados.

Realizam-se várias reuniões entre grupos de militares afectos a um e a outro dos dois documentos. Em 20 de Agosto, constatam que não é possível um entendimento e rompem as negociações.

Nesse mesmo dia, há uma manifestação da extrema-esquerda de apoio ao COPCON, «com a presença discreta do PCP», segundo relatam os jornais da época.

Entretanto é criada, oficialmente no dia 25 de Agosto, a FUR (Frente de Unidade Revolucionária), claramente afecta ao COPCON. Aderem: FSP, LCI, LUAR, MDP/CDE, MES, PCP, PRP/BR e 1º de Maio.

A presença de o 1º de Maio foi mito efémera. Quanto ao PCP, participa numa manifestação da FUR em Belém, no dia 27, e terá saído no dia seguinte. Mas encontrei elementos contraditórios sobre estas datas e sobre motivos concretos para a saída (talvez algum leitor possa ajudar). Uma coisa é certa: o PCP já não convoca o comício da FUR, que viria a realizar-se em 12 de Setembro (ver foto), nem assina o Programa Político que transcrevo pelo seu valor histórico – e porque funcionou, ele também, como um outro canto de cisne, no prenúncio do 25 de Novembro. Julgo que o conteúdo o mostra claramente e dispensa comentários.

«FUR
Por uma
FRENTE de UNIDADE REVOLUCIONÁRIA

1 – A organização da sua autodefesa, em particular, através dos órgãos de Poder Popular, face aos ataques armados da reacção capitalista.
2 – A luta pelo total saneamento dos fascistas e dos sociais-democratas golpistas das Forças Armadas.
3 – A luta pela total liberdade de reunião e organização dos soldados e marinheiros única forma das ADU's serem realmente representativas, democráticas e revolucionárias.
4 – A luta pela repressão exemplar sobre os fascistas e contra-revolucionários de toda a espécie, caciques locais e clero reaccionário, responsáveis pela onda de violência anti-comunista que se vem desenvolvendo em muitas zonas do país.
5 – A luta pela criação de Tribunais Populares capazes de exercerem sobre os contra-revolucionários a justiça de classe dos explorados e oprimidos.
6 – A luta contra o poder dos grupos económicos ainda existentes, pela nacionalização sem indemnizações e sob o controle dos trabalhadores das grandes empresas industriais e agrícolas, dos bancos e companhias estrangeiras no caminho para apropriação colectiva dos meios de produção.
7 – A luta pela generalização do controle operário sobre a produção e pelo controle organizado do povo trabalhador sobre toda a economia.
8 – A luta pelo aprofundamento e generalização da reforma agrária que satisfaça as necessidades e aspirações dos trabalhadores rurais e dos pequenos e médios camponeses organizados nos seus órgãos de Poder Popular, nomeadamente os Conselhos de Aldeia.
9 – A luta contra a carestia de vida que atinge o povo trabalhador da cidade e do campo beneficiando em particular os intermediários e os parasitas.
10 - A luta contra a carestia de vida que atinge o povo trabalhador da cidade e do campo beneficiando em particular os intermediários parasitas.
11 – A luta pela independência nacional face ao imperialismo e a qualquer bloco político-militar, baseada na aliança com os países anti-imperialistas e na solidariedade militante com os trabalhadores de todo o mundo. Isso exige desde logo a saída de Portugal da NATO e o fim do pacto Ibérico.
12 – A luta pela aliança revolucionária dos trabalhadores portugueses com o povo angolano, representado pelo seu único movimento de libertação, o MPLA.
13 – A exigência da dissolução da Assembleia Constituinte e a denúncia do seu carácter burguês.
14 – A luta pela constituição de um Governo de Unidade Revolucionária.- A organização da sua autodefesa, em particular, através dos órgãos de Poder Popular, face aos ataques armados da reacção capitalista.»

8 comments:

F. Penim Redondo disse...

É espantoso como hoje FUR, para além de ser o nome de um filme que conta a história da fotografa Diane Arbus, soa a marca de casacos de peles.
Por acaso as peles de animais, como adorno, também caíram em desgraça.
Acho que, neste fim de Agosto, já estou a meter os pés pelas mãos...

Anónimo disse...

Giro é ver estes "revolucionistas" da FUR, na sua grande maioria quase todos tão bem sentadinhos na gamela do poder, alguns até a curvarem espinha ao socratismo
Enfim coisas da vida temos que comer todos os dias não é ?

Joana Lopes disse...

Fernando,
Estás, de facto, a meter os pés pelas mãos - os radares estão a afectar-te.


Anónimo,
Há certamente gente dos movimentos que integraram a FUR «na gamela do poder», como diz. Mas penso que não «na sua grande maioria» - houve outros partidos mais «produtivos» nesse campo....

Lina disse...
Este comentário foi removido por um gestor do blogue.
carlos freitas nunes disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
carlos freitas nunes disse...

Era um miúdo de calções. Deliciei-me pois com outras liberdades. Hoje ao reler este e muitos outros textos da época deixe-me ressaltar a linguagem utilizada, esquizofrénica e furiosa como hoje me ressoa. Como a 25 de Abril era uma criança, espero que o Baptista-Bastos fique satisfeito, ainda hoje mantenho enormes reservas a este tipo de linguajar. Embora hoje compreenda igualmente a sua posição no tempo, mas apenas hoje, ontem era apenas um miúdo a viver a liberdade, queria lá saber o que diziam ou escreviam os mais velhos! Achava então muita piada aos murais (hoje já consigo reconhecer a sua escola estética:maoistas) do MRPP, ao surgir dos auto-colantes e das t-shirt's com os mais variados tipos de referências. Enfim o mundo abria-se-me então e os comunicados da Frente de Unidade Revolucionária queriam de novo fecha-lo (parece-me hoje) por muito boas que pudessem ser as suas intenções. Ainda bem que eram só comunicados!

Raimundo Narciso disse...

Olá Joana. Com a conversão da Zita Seabra ao catolicismo coloquei a propósito mais um post: "Sou Assim. Agora sou católica". Aqui: "http://agrandedissidencia.blogspot.com/2007/08/sou-assim-agora-sou-catlica.html.
Sobre a FUR. Pois participei na fundação com o Carlos Brito, das 21h às 5 ou 6 da mnhã, no Centro de Sociologia Militar num anexo ao Palácio das Necessidades com todos esses partidos e grupos e vários militares do MFA incluindo entre outros o cmdt Ramiro Correia que veio a falecer num acidente em Moçambique. Tinha estado durante a tarde, para tentar perceber melhor quem estava naquilo e o que queria, com um dos promotores, amigo de Otelo Saraiva de Carvalho, o Capitão Fernandes, do DGMG de Beirolas, (que nas vésperas do 25 de Novembro distribuiu espingardas G3 a civis e depois andou fugido)
Na altura o PCP participou na expectativa, considerada pouco provável, de um apoio maior ou mais alargado do MFA. A reunião da formação revelou pelas presenças e pelas intervenções que o movimento não tunha sustentabilidade nem política nem social e predominavam posições completamente aventureiras e fantasistas.

Joana Lopes disse...

Raimundo: Obrigada pelo contributo da sua informação sobre a participação do PCP.

Carlos: Percebo perfeitamente a sua reacção em relação ao PREC. Para muitos de nós que o vivemos, é diferente: com todos os erros e excessos, continuará sempre como a melhor utopia das nossas vidas.