9.12.07

Doris Lessing – O Sonho e o Nobel


Acabei de ler O Sonho mais Doce (*) no dia em que Doris Lessing deveria ter ido a Estocolmo para proferir o seu discurso de aceitação do Nobel da Literatura, o que não aconteceu por motivos de saúde. Mas deixou-nos um belíssimo texto que alguém leu por ela (**).

Falou de livros, do sonho de saber nos países pobres, da falta de interesse da juventude no mundo dos ricos.

Falou sobretudo de África, do Zimbabwe que ela tão bem conhece – a Zimlia de O Sonho mais Doce, onde nos faz mergulhar, em termos ficcionais, no que neste discurso explica frontalmente.

Em Estocolmo, recordou uma «aldeia onde a população não comia há três dias, mas onde se falava de livros e dos meios para conseguir obtê-los». Um autor negro, seu amigo, que «aprendeu a ler sozinho, nas etiquetas dos frascos de compota e das latas de conservas de frutos». Uma localidade perdida no mapa, onde dois jovens resolveram escrever romances na língua nativa (tonga). Um jovem de dezoito anos que, ao receber uma caixa com livros oferecidos por um americano, os embrulhou cuidadosamente num plástico – com receio de que se estragassem e sabendo que dificilmente poderia voltar a receber outros.

Lamentou que nós, os «ricos», sejamos «blasés», apesar da televisão, da internet e de tudo o resto, «empanturrados de comida, com armários cheios de roupa e abafados pelo supérfluo». «Campeões da ironia e do cinismo».

Significativamente, intitulou o seu discurso: «Como não ganhar um prémio Nobel»«a escrita e os escritores não saem de casas onde não há livros».

Uma grande senhora, um grande livro, um belo discurso – um grito de revolta e um olhar magoado sobre uma África diferente da que nos tem entrado pela casa dentro nos últimos dias.

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(*) Doris Lessing, O Sonho mais Doce, Editorial Presença, Lisboa, 2007, 2ª ed. 434 p.

(**) Na íntegra: em inglês, aqui; em francês, aqui.

2 comments:

Anónimo disse...

Dela li a Boa Terrorista! Gostei, fala e não só do mundo dos pequeno-ó - burgueses, à procura de liberdade.. Foi pena não ter ido à academia, mas foi bom o que disse ao mundo sobre Àfica, pelo poste que acabo de ler ...
No caso dos nóbeis pela Paz, o comité dá sempre um tiro ao lado, está cheio de sangue nas mãos , essa paz, dos prémios olhe-se para trás.
Que ainda dure a Lessing., que continue a desmontar, e sobretudo o mito das boas-mães etc, precisamos de a ler, eu preciso , nós também em tempos de Nossa Senhora de Fátima, e de muitas Marias!

Joana Lopes disse...

Obrigada pelo seu comentário. É, de facto, uma grande escritora.