14.7.07

Reflictam, lisboetas, reflictam

Eu voto Sá Fernandes

13.7.07

«Será a Igreja legítima herdeira destas histórias?»

Recebi hoje um mail de Nelson Anjos, que transcrevo com autorização expressa do autor. Fui eu que dei relevo a algumas passagens.

Permito-me chamar a vossa atenção para o comentário que faço na segunda parte deste post.

Joana Lopes

Acabei de ler o seu interessante livro "Entre as Brumas da Memória" e, porque antevejo o meu comentário algo extenso, não vou abusar, para o efeito, do espaço do seu blog. Desconheço também se criou algum forum específico para a sua discussão, razão porque opto pelo e-mail.

A razão imediata destas considerações e dos dois aspectos principais que aqui vou abordar prende-se com o facto de também ter participado do tempo, das experiências e das andanças que o livro descreve. E do instinto solidário que a lembrança das "mesmas" recordações sempre desperta.

“Mesmas”, entre aspas, constitui a matéria da primeira questão. Ao ler o seu texto dei comigo a ter dificuldade em me rever na experiência que relata e que, supostamente, deveria ser no mínimo semelhante à minha: também fui católico, militante da Acção Católica (JOC – Juventude Operária Católica) e também militante da LUAR. Acontece porém que, principalmente no que respeita a vivência católica, a nossa experiência e as nossas recordações estão longe de terem sido as “mesmas”. A razão é simples: ao tempo em que os factos se passavam
Portugal era Lisboa e o resto era província. E isto era de facto verdade. A intervenção dos católicos progressistas na vida social, que descreve no seu livro, não teve lugar no país: circunscreveu-se a Lisboa.

Em Tomar, pequena cidade de província onde então vivia – hoje ainda menos cidade e mais província – a realidade, como deve supor era outra. E eram de longe muito mais divulgados e tinham mais impacto na opinião e sensibilidade locais os tais “cursilhos” ou cursos de cristandade, que as encíclicas de caris social inspiradas pelo Vaticano II. Julgo que os “cursilhos” representavam a contra-resposta dos sectores mais conservadores da igreja às propostas das “Popullorum Progressio” do concílio. Uma espécie de Contra-Reforma da altura. Tratava-se de uma terapia de choque, de oito ou quinze dias, a que não havia demónio, por mais maligno que fosse, que resistisse. Ainda me lembro de ouvir a minha mãe recomendar o remédio ao meu pai, para lhe tratar o mal de ser propenso a aventuras extraconjugais: “ – Vai, e verás que vens de lá mudado!” (naquele tempo o Francesco Alberoni ainda não tinha separado o sexo do amor e a Ana Lopes ainda não tinha proclamado a dignidade do trabalho sexual ).

O cristianismo de província era profundamente apolítico e associal. E a razão pela qual dele me viria a afastar também não se deveu a razões dessa natureza. Apenas não encontrei lá Deus. Nem sequer aquele que, na asserção de Feuerbach foi criado pelos homens à sua imagem e semelhança. E quanto mais me falavam dele mais incompreensível se me tornava. Creio que foi Kierkegaard (ou Emmanuel Lévinas ?) que disse/escreveu que, para falar de Deus todas as palavras são obscenas.

Mas embora não tenha encontrado Deus, reconheço ter encontrado óptimas pessoas e um espaço onde se cultivavam francos e saudáveis afectos. O Padre Adalberto Ramos, como se diria hoje, era um tipo “bué fixe”. E o velho Pároco David Paixão deve ter sido o primeiro adulto a oferecer-me um cigarro. Teria eu os meus 14 ou 15 anos. “ - Fuma um cigarro! O tabaco abre o espírito!” – disse, estendendo-me o maço de SG-Filtro, a meio de uma das nossas intermináveis e inconclusivas discussões sobre a existência, ou não, de Deus. Creio que se por lá tivesse continuado, mais tarde ou mais cedo ter-me-ia convidado para ir com ele à rua das prostitutas.

Posto isto, e não me querendo alongar muito, creio que, para além de se circunscrever a uma elite – como muito bem refere – a experiência de que dá testemunho no seu livro foi também circunscrita em termos de abrangência territorial. O que, contudo, na minha perspectiva, de modo nenhum a deslustra.

Passemos à segunda questão, que o serão já vai longo. Deverá de facto a igreja católica ser considerada a legítima herdeira deste património de história e de histórias? – Não tenho resposta taxativa e explicito resumidamente as razões da minha dúvida. Quando desertei da guerra colonial, na Guiné, fi-lo com o apoio de ex-padres; fui recrutado para a LUAR por ex-padres; participei em actividades da organização com ex-padres; estive preso com ex-padres. Alguns deles mesmo já ex-católicos ou até ex-cristãos. Como eu próprio. Ora, considerando todos estes “ex”, será que a igreja católica terá de facto alguma coisa a ver com tudo isto?

O leitor deseja-lhe continuação de boa escrita e o ex-jocista, à maneira de antigamente, deixa-lhe

Saudações jocistas (era assim, não era!?)

nelson anjos


Há vários temas neste post que mereceriam resposta ou comentário, mas vou restringir-me a um.

N.A. pergunta se a Igreja católica deve ser considerada «legítima herdeira deste património de história e de histórias». Quer se queira quer não, ela É herdeira – ela e nós. Não apaguemos nada nem ninguém das fotografias do passado. Para o bem e para o mal, nem a Igreja portuguesa nem nós seríamos hoje os mesmos sem estas etapas da década de 60, vividas em pleno fascismo e no auge das esperanças e das derrotas do Vaticano II.

Mas, entre todos os ex- que somos e os que lá estão hoje que mais se aproximam dos ideais (passe o chavão) que defendíamos, há enormes diferenças que tenho vindo a tentar compreender. Eles vivem o cristianismo de um modo muito mais «privado» (individualmente ou em pequenas comunidades). Consideram-se Igreja APESAR de muitas coisas – do papa, dos bispos, da maior parte dos dogmas em que não acreditam. Não têm grande esperança em mudanças a este nível e, sobretudo, não se empenham, activa e publicamente, para que aconteçam. Há razões culturais para isto - por exemplo, o facto de as hierarquias de toda a espécie terem hoje muito menos importância do que no passado, o que é verdade mesmo nas culturas e práticas empresariais (isto daria pano para mangas, mas não numa tarde de 6ª feira, no mês de Julho...).

E no entanto...
Dizia-me recentemente alguém que muito prezo (com menos vinte anos que eu) que sempre invejou os pais porque viveram num tempo em que admiravam profundamente o papa que tinham – João XXIII...
Por isso, talvez alguns tenham, de vez em quando, uma visão nostálgica e escatológica, na qual um papa de um futuro longínquo possa ser mulher, casada com um muçulmano e, de preferência, chinesa...

Brincadeiras à parte, nunca serei eu a atirar-lhes a primeira pedra.

12.7.07

Terrível mundo o nosso


Mais de 50 000 kg de peixes mortos, no lago de Wuhan, na China - por causa do calor e da poluição.

11.7.07

Minoria aguerrida?

Os bispos portugueses estão zangados com o Governo por razões várias.
Entre muitas outras coisas, o seu porta-voz, D. Carlos Azevedo, afirmou ontem:

«Os Bispos lamentam que, na sociedade portuguesa, uma "minoria aguerrida" se cinja a um "modelo antiquado, com provas negativas reveladas na história de Portugal, que pretende rejeitar a dimensão religiosa da sociedade". O secretário da CEP [Conferência Episcopal Portuguesa] sublinha que esta dimensão faz parte da "plenitude do ser humano", essencial para a "harmonia das pessoas" e apelou para um Estado "com consciência histórica, que não se pode deixar guiar pela influência de correntes laicistas sem futuro".» (*)


Ouvi também (na SIC N), o mesmo porta-voz dizer que há estados laicos mas que a sociedade não é laica e que, segundo um artigo da Concordata, a lei da liberdade religiosa não se aplica à Igreja católica.

Ateia e laicista como actualmente me confesso, sinto-me a léguas de tudo isto e, sinceramente, até me custa a perceber. Se algum dos católicos que visitam este bogue quiser ajudar os simples mortais a entender o que os «seus» bispos pretendem, please be my guest.

Entretanto, volto a recomendar a leitura do livro aqui referido.

-----------------------

(*) Notícia mais completa aqui.
Também a Conferência Episcopal Espanhola acusou há poucos dias o governo de ter «uma concepção laicista da vida».
APETECE-ME DIZER: «HABITUEM-SE!»

10.7.07

11 de Julho de 1969 - Uma vitória da PRAGMA

A Pragma foi uma «Cooperativa de Difusão Cultural e Acção Comunitária» fundada por um grupo de católicos em 11 de Abril de 1964. No meu livro Entre as brumas da memória..., dedico-lhe um longo capítulo, mais do que justificado pela importância que aquela organização teve na oposição ao salazarismo durante a década de 60.

A sua sede foi encerrada pela PIDE três anos mais tarde, o que não impediu que continuasse em actividade, no meio de entraves e proibições de todo o tipo.

Seguiu-se um complexo processo judicial até que, em Março de 1968, o Ministro do Interior decretou a dissolução da própria Cooperativa. Desta decisão foi interposto recurso para o Supremo Tribunal Administrativo, o qual, em 11 de Julho de 1969, veio a tomar uma posição favorável à Pragma. Assim, a Cooperativa nunca foi legalmente extinta.

É difícil realizar hoje como foi importante, em 1969, esta vitória jurídica contra o Ministério do Interior.

Porque o texto que contém o respectivo despacho é muito longo (e muito técnico), só incluí no meu livro a conclusão. Mas porque é um documento inédito (que encontrei nos ficheiros da PIDE, na Torre do Tombo), e dado o seu significado histórico, decidi publicá-lo agora, 38 mais tarde, em
Entre os textos da memória.

Câmara Municipal de Lisboa


Victoria Falls (Zâmbia)

Ainda algumas fotografias de viagem:

Em Livingstone,na Zâmbia:













Ponte que separa a Zâmbia do Zimbawe:



«Doctor Livingstone, I presume»





8.7.07

A minha maravilha


Usando também o «Brumas» como janela, entraram-me as 7 maravilhas pela casa dentro (as palmas, as vaias e o fogo de artifício).






E uma alegria: a escolha de MACHU PICCHU.
Impressionante, lindo, inesquecível.

Comum? Nem o livro, nem o autor

A obra de João Freire, Pessoa Comum no Seu Tempo...(*) já foi detalhadamente analisada na net por quem de direito, entre outros por José Pacheco Pereira e por Rui Bebiano.

São quase 600 páginas e mais de 2 000 notas de rodapé e começo por confessar que estive quase a desistir da leitura, aí pela p.70, tal era o enfado provocado pela avalanche de pormenores sobre tios, primos, amigos e casas. Se houvesse no livro alguma ponta de sentido de humor (mas não é o caso), teria chegado a pensar que o autor se estava (nos estava) a divertir. O meu fascínio por Memórias e um conselho de Rui Bebiano, que me disse para esperar pelos capítulos 4 e 5, fizeram-me continuar e não me arrependi. Mas, dentro do género, nunca li nada de tão estranho (estranha e incompreensível sendo também a capa!...).

Do autor, fiquei com a impressão de que é alguém que esteve sempre um tanto fora de quase todos os mundos em que foi vivendo – há sempre uma distância de tudo e de todos. A mesma, aliás, que se sente em relação aos seus possíveis leitores – parece mesmo não se preocupar muito em saber se virão a existir e não lhes facilita a vida com o seu estilo de escrita, o que por vezes é insólito e chega a ser interessante. Por outro lado, respira-se humildade e honestidade à prova de fogo – está-se na presença de alguém a quem se compraria facilmente um carro em segunda mão.

Da obra, que li até ao fim, mas – aqui me confesso – saltando muitas notas de rodapé, ficou-me informação interessantíssima, da qual destaco especialmente as vivências sobre o anarquismo em Portugal, antes e logo a seguir ao 25 de Abril, domínio em que era e sou especialmente ignorante. (O primeiro contacto «físico» com o dito terá sido, já lá vão décadas, numa noite de insónias em casa de César de Oliveira, no Porto, onde folheei uma coleçcão de A Batalha, arrumada numa estante por cima da minha cama.)

Além disso, reconheço que fica todo um manancial precioso para a história da sociedade portuguesa no século XX.

Quem seja, como eu, mais ou menos da geração de João Freire, e tenha vivido em Lisboa e / ou nos principais eixos luso-europeus, encontra, entre as 4 000 pessoas que o autor estima ter conhecido ao longo da vida, largas dezenas de nomes de compagnons de route e de amigos próximos (até na Marinha e no Colégio Militar), estranhando só não ter esbarrado na vida com o próprio João Freire. Mas de certo que isso não aconteceu – nunca mais o teria esquecido.

(*) João Freire, Pessoa Comum no Seu Tempo. Memórias de um Médio-Burguês de Lisboa na Segunda Metade do Século XX, Afrontamento, Porto, 2007, 596 p.