7.12.08

A crise vista do quiosque

Sempre ouvi dizer que as barbearias eram fontes privilegiadas de conhecimento do mundo e das vidas, mas nem sei se ainda o são. O meu termómetro de optimismos ou de crises é o quiosque onde compro jornais e revistas - com muito movimento, numa zona bem burguesa de Lisboa. Nem sei há quantos anos tenho conversas curtas e bem humoradas com quem o gere, ex-emigrante em França que me conhece hábitos e preferências.

De há uns tempos para cá, fui notando algumas mudanças: semblante carregado, pouco tabaco à vista, semanas em que o Expresso não apareceu, atraso de revistas. Até ao desabafo: não está mesmo a conseguir aguentar o barco, já nem consegue pagar aos distribuidores.

Nos últimos seis meses, toda a gente fuma menos, as senhoras desistiram certamente de enfeitar as casas porque as revistas de decoração ficam penduradas nos escaparates, todos parecem ter deixado de se interessar por destinos exóticos, os homens perfumam-se menos e, sobretudo, a venda dos jornais diários teve uma quebra de 50%. Há uns maduros como eu que continuam a comprar «coisas estrangeiras» e só os semanários de 5ª feira a Sábado, até ver, parecem manter-se de boa saúde.

Vou dizer-lhe hoje que Sócrates acredita (?) que «As famílias portuguesas podem esperar ter um melhor rendimento disponível em 2009». Pode ser que isso o ajude a passar a tarde de Domingo - mentiras piedosas, quem as não tem...

2 comments:

Anónimo disse...

Julgo que estarás enganada. Pequeno engano. Nas barbearias, o barbeiro, sempre uma pessoa sábia, acertava os seus dizeres pelo que ouvia do cliente. E, se havia divergências, era com os clientes e os barbeiros que estivessem nas cadeiras ao lado. Um corte de cabelo dava pois direito a que as pessoas fossem glorificando o que pensavam ouvindo, mais ou menos, os améns do barbeiro.
Será que o teu jornaleiro diz aquilo que pensa que tu queres ouvir. Há sinais claros de que não será assim. Para começar é quase só com o Expresso que os jornaleiros ganham a vida. Esse não o tem. A quebra de 50% na venda dos jornais diários é medonha, mas eu não tinha conhecimento de tal quebra. O meu jornaleiro queixa-se, mas não de forma tão dolorosa.
Eu, neste momento, tenho um grande mal estar em relação à crise. Pelo que eu julgo, a crise não chegou de forma significativa à chamada economia real. Uma minoria de portugueses estará a senti-la. Mas a sua totalidade vive o pânico da crise que, para nós, não existirá ainda. Existirá e penso que de forma dramática, em 2009 e ainda mais nalguns dos anos que se vão seguir. Será isto um antídoto, será uma vacina para o desespero que virá? Não sei. Há aqui qualquer condicionamento para que tal aconteça? Com a tendência para o alarmismo que sempre existe e falando das desgraças e mais desgraças que fazem vender os mídia.
Eu julgo saber que o neoliberalismo formata os comportamentos. O crédito é um dos poderosos meios para esse fim. Julgo saber ainda que esse neoliberalismo é fazedor de subjectividades. Por julgar tal e por muito mais, entendo como que uma quase obscenidade, falar de Liberdade individual. Mas não penso que se chegue a este nível. Aqui estas projecções são mais a nível sistémico.
Estamos a ser manipulados? Estamos alucinados?
E entretanto há uma radical mudança de orientação política do governo. E lá a deixamos passar sem oposição, apenas com um escrutínio enviado para as próximas eleições. Em que até nem haverá escolha. O erário público apoia tudo e todos, com verbas astronómicas, desde que seja grande e que seja rico. E José Sócrates, diz “as famílias portuguesas vão ter melhor rendimento disponível em 2009, devido às baixas conjugadas da taxa de juro, do preço dos combustíveis e da inflação”. Aqui não há nada, dado, apoiado, ajudado. Lá terá se ser, já que há factores exógenos que concorrem para tal. Seria aceitável, talvez, se Sócrates dissesse, “uma vez verificadas aquelas condições, as famílias portuguesas vão ter um rendimento menos mau do que aquele que teriam se não se verificassem”. Há batota, há propaganda... e, de forma mais larga, há manipulação.
O neoliberalismo está em crise. Grave. Não é certo que, a ser despejado, o capitalismo siga também na água do banho. Se assim for, os tempos futuros serão dificílimos. Sê-lo-ão de qualquer maneira. Mas, para já, a constelação dos vários poderes acorre como bombeiro. Salvar o que resta e, alterando alguma coisinha, voltar ao mesmo. Os capitalistas unidos jamais serão vencidos!
Eu não vejo que seja apresentado algo de novo. E sente-se uma pesada inércia nos movimentos sociais e políticos de autêntica ruptura sistémica. E aqui o meu mal estar aumenta ainda mais..
Estamos todos a ser gozados

Joana Lopes disse...

Eu já te disse que te crio um blogue para dares largas às tuas considerações, porque me baralhas com tanta prosa a propósito de coisas simples!

Fiquemos ao nível do meu vendedor de quiosque: ele vende o Expresso, sim, só não o fez durante umas semanas porque não tinha dinheiro para pagar ao distribuidor. Se assim não fosse, estaria em situação bem pior... E garanto-te que está mal, porque eu vejo-o, não é só para me cantar aos ouvidos.