12.4.08

Um ano de «Brumas»

ADENDA (*)


«Je n’ai rein à dire, mais je vais le dire quand même» - escrevia-se em Maio de 68.

Digo, portanto.

* Que este blogue me «agarrou» e que, sem dar por isso, já cá ando há um ano.

* Que tem sido espaço para brincar com coisas sérias e para levar a sério algumas brincadeiras.

* Que lhe devo novos amigos, encontros e reencontros.

* Que continuará a ser a alternativa possível para soltar utopias.


Agradecimentos do «Brumas» para todos os que por aqui passam...


(*) Para os que assinalaram a efeméride nos seus blogues, um agradecimento especial: João Tunes, José Albergaria, Luís Novaes Tito, Lutz e Shyznogud,

10.4.08

«O escritório do Zé» – Um texto de Ana Cardoso Pires


A Ana, filha de José Cardoso Pires, iniciou hoje uma cadeia de mails que fomos trocando ao longo do dia. Acabou por me mandar, a meu pedido, o texto que leu ontem, na sessão de lançamento de Lavagante (edições Nelson de Matos) e da entrega de parte do espólio do escritor à Biblioteca Nacional.

Aqui fica - com grande prazer e alguma emoção.


«Há pouco, sentada no escritório do Zé, em casa da minha mãe, no meio de caixotes e pastas que ele não conheceu, recordava outros escritórios do Zé. Aqueles que ele enchia de fumo; de papéis pelo chão; de chá com limão, de água ou leite gelados; de prolongados silêncios; de ataques de mau génio. Mas sobretudo de memórias.

No escritório do Zé, raramente entravam amigos e copos de uísque. Era um espaço concentracionário, incaracterístico, independente, onde mantinha engaiolados os demónios da escrita, que se empenhava em domar ou provocar, conforme as marés.

O escritório do Zé ainda hoje existe – e ele nem o conheceu na sua localização actual e na versão estaleiro de obras. No entanto, estou certa de que o reconheceria sem hesitações: uma grande janela, por onde entram vozes anónimas em diálogos longínquos, e as estantes transbordando de livros e papéis de muitas memórias.

O escritório do Zé mudou várias vezes de espaço físico. Sempre com o mesmo desprendimento pela qualidade do mobiliário, sucessivamente recauchutado por ele próprio para se adaptar a necessidades de momento. Pormenores. Permanecia o importante: os livros e os papéis de apoio da memória.

Por isso, o que hoje nos traz aqui, a cerimónia a que assistimos, foi o lançamento da primeira pedra do novo escritório do Zé. Agora com estantes novas e aberto a quem o queira conhecer. Através dos livros e papéis da sua memória.

E como nos dias de festa, cantam as nossas almas: p’ró menino José, uma salva de palmas.»

Falsos recibos verdes - crime, dizem eles

O Público de hoje traz como título de primeira página:
«Propostas sanções criminais para o recurso a “falsos recibos verdes”»
A notícia é desenvolvida em várias páginas, integrada no propósito de o Governo reduzir o trabalho precário.

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Republico um post de 29/2/2008, apenas com dois comentários:

- Na altura própria, enviei para o correio do Presidente da Repúnblica o link para acesso a este post.
- Acabo de consultar a minha fonte e a situação mantém-se sem qualquer alteração.


Quando os exemplos vêm (muito) de cima
















«Geração em saldo», uma longa reportagem e tema de capa da Visão de ontem, fez-me pensar numa conversa muito recente com um grupo de amigos do meu filho, exemplos mais ou menos típicos da dita geração.

Precariedade? É já lei tão geral que nem a põem em causa, mesmo quando ganham relativamente bem. A «sorte» é ter um contrato, «não estar a recibos verdes». Retive um caso.

O Museu da Presidência da República foi inaugurado, com toda a pompa e dignidade, em 5 de Outubro de 2004 e precisou, naturalmente, de admitir empregados.

A jovem concreta, de carne e osso, que conheço bem e a quem telefonei hoje para confirmar os factos, foi um deles. Esteve dois anos com contrato a prazo e passou depois a... recibos verdes. Ela e outros, numa função que é tudo menos provisória (a não ser que alguém pense vir a fechar as portas do Museu) e no trabalho mais dependente que se possa imaginar.

Continuam à espera, nem sabem exactamente de quê. No Palácio de Belém, muito perto de Cavaco Silva, protegidos pela bandeira verde que assinala a presença do presidente no seu local de trabalho – que é também o deles, de 2ª a 6ª feira, a tempo inteiro, há mais de três anos.

9.4.08

José Cardoso Pires

















Hoje foi dia de festa e de homenagem a José Cardoso Pires, a propósito da entrega do seu espólio à Biblioteca Nacional e do lançamento de Lavagante.

Tive a sorte (não me apetece dizer privilégio) de o conhecer. Poderia contar aqui como, pelo mais puro dos acasos, almoçámos juntos, perto do Largo do Carmo, no dia 25 de Abril de 1974; o susto que apanhávamos quando ele (que nunca se entendeu bem com automóveis) saía desta casa guiando o carro a 20 km à hora. E muitas outras histórias.

Mas deixo só um apontamento sobre um episódio passado há décadas. Na mais total das inconsciências, eu julgava então que, para um escritor como JCP, a prosa fluía espontaneamente, «ao correr da pena» no sentido estrito da expressão. Daí a minha perplexidade quando, no andar da Costa da Caparica onde se refugiava, ele ia escrevinhando coisas, aparentemente mais do que banais, que íamos dizendo numa conversa a três. Mostrou-me então longas tiras de papel onde punha palavras, pequenas frases e trocadilhos para mais tarde utilizar. Disse-me também que uma das maiores preocupações, nas sucessivas revisões que fazia dos seus textos, era tirar adjectivos. Mal eu sabia quanto esta conversa, que nunca esqueci, viria a ser-me útil muitos anos depois.

Não sei se estas vivências tiveram ou não uma influência decisiva para que JCP seja, desde há muito, o meu autor português preferido. Mas sei, sim, que me dava muito jeito que ele ainda estivesse por cá.

Maio de 68, num quiosque perto de si




8.4.08

Maio de 68 no feminino


Emancipação das mulheres? Sim, mas...

É verdade que a liberdade sexual foi reivindicada até à exaustão e que elas tomaram consciência do sexismo de que eram vítimas.

Sem dúvida que foram lançadas sementes para que viesse a surgir o MLF («Mouvement de la Libération des Femmes») e a segunda vaga de feminismo nos anos 70, sendo então que as mulheres tomaram verdadeiramente consciência de que teriam de ser elas a tratar da sua própria emancipação.

Mas, nas utopias da França de 68, esperava-se que os problemas femininos acabassem juntamente com a derrota do capitalismo.

Entretanto, os heróis – de Che a Mao – eram exclusivamente masculinos. Nas ruas, nas escolas e nas fábricas, eram os homens – e só eles – que chefiavam, que asseguravam os serviços de ordem. A distribuição de tarefas, em todos os domínios, era bem clara: eles escreviam os textos, elas passavam-nos à máquina; eles discutiam horas a fio, elas ocupavam-se das refeições. Eles aceitavam mal que elas passassem noites nas fábricas, mesmo que fossem operárias.

Melhor dizendo:

«Mon mec c’est un grand militant, il donne tout son temps à la révolution et moi je lui donne tout le mien.»

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Fonte : Yannick Ripa, La déception des «filles de Mai», in L'Histoire, nº 330, Avril 2008, pp. 47-48.

Blogosfera: será?


















O DN de hoje refere um estudo de mercado surpreendente sobre a blogosfera portuguesa.

Entre muitas outras coisas, diz-nos que «apenas um quinto da população portuguesa sabe o que é um blogue». APENAS?

Mais interessante:
«Em termos etários, a faixa mais produtora de blogues é a dos 8 aos 17 anos com 39,9%, enquanto a que mais consome é a dos 18 aos 24 anos (29,9%).»

É certo que anda por aí muita infantilidade nos conteúdos, mas 40%?
E haverá 30% de leitores com menos de 25 anos?

Andamos no mundo dos «Morangos com Açúcar» sem dar por isso?

7.4.08

Vidas privadas, escândalo público























O bispo de Ciudad Real obrigou uma organização católica a expulsar uma das suas associadas por esta se ter casado com uma pessoa do mesmo sexo – mais concretamente, uma mulher de 54 anos, que decidiu formalizar uma relação que mantinha com uma outra mulher, há mais de dezassete anos.

«Escândalo público», disse o bispo. Ou saía a associada ou era dissolvida a associação (na qual a pessoa em questão foi eleita vice-presidente, já depois de casada).

Escândalo «público»? Tanto quanto percebo, as duas cidadãs limitaram-se a ser protagonistas de um acto normal à luz da legislação em vigor no país.

Quando muito, escândalo «privado» na diocese do dito bispo – que, provavelmente, terá fechado «bondosamente» os olhos enquanto as pessoas em questão não decidiram exercer o direito de publicitar as suas vidas privadas.

Em Espanha, na Europa, em pleno século XXI.
Porquê? Quem ganha o quê?

Fonte

6.4.08

A Fé de Tony Blair


Concorde-se ou não, o discurso sobre «Fé e Globalização» proferido por Tony Blair perante 1.600 pessoas (no passado dia 3, na Catedral de Westminster) merece ser lido – porque é claro, programático e por vir de quem vem (*).

Esqueçamos por um momento (na medida do possível...) que se trata do amigo de Bush, do seu mais entusiástico apoiante na questão da guerra do Iraque, ponhamos entre parêntesis muitas outras coisas. Aceitemos o facto de estarmos a ouvir um recém-convertido ao catolicismo, que, aparentemente, tem um projecto pessoal de uma nova cruzada, versão século XXI – se não para converter, pelo menos para conviver.

Blair vai criar uma Fundação destinada a este seu projecto (fala dela no discurso) e vai leccionar a matéria na Universidade de Yale.

De uma forma muito sucinta, julgo que os três extractos que se seguem podem resumir o essencial do que está na base das suas convicções:

«A fé religiosa é algo de bom, que, longe de ser uma força reaccionária, tem um papel fundamental para moldar os valores que guiam o mundo moderno e pode, e deve, ser uma força para o progresso.»

«A fé corrige, de um modo necessário e vital, a tendência que o género humano tem para o relativismo.»

«Se a fé ocupar o lugar que lhe é devido, podemos viver com um objectivo que está para além de nós, ajudando a humanidade no caminho para a sua realização», (...) «a fé pode transformar e humanizar as forças interpessoais da globalização».


Isto vai bem mais longe, segundo me parece, do que a importância dada à convivência entre as diferentes religiões, que preconiza, por exemplo, a Alliance of Civilizations. Aqui é à própria fé - e não tanto ao diálogo - que é dado o papel decisivo, na medida em que é suposto que ela molde e transforme o homem e, como consequência, «as forças interpessoais da globalização».


Por muitas razões que tenho vindo a apontar neste blogue, por exemplo aqui e aqui, e que não vou repetir, discordo frontalmente deste tipo de aproximação e não acredito minimamente na sua eficácia.

Continuo a pensar que «pôr a religião a desempenhar o papel principal nos assuntos mundiais é como tentar apagar um fogo com gasolina» – como disse Terry Sanderson, representante de uma denominada Sociedade Nacional Secular, precisamente a propósito deste discurso de Tony Blair.

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(*) O discurso pode ser visto, na íntegra, aqui ou lido aqui.