20.12.09

Derivas libertárias
















Registe-se que a hierarquia da igreja portuguesa já veio dizer que não entrará em guerra aberta com o governo nem com a Assembleia da República por causa do casamento entre pessoas do mesmo sexo. Aliás, dado o passado recente e a brandura dos nossos costumes, imagina-se mal o cardeal de Lisboa, ou mesmo o arcebispo de Braga, a convocarem multidões gigantescas como Rouco e os seus irmãos, em Madrid.

Mas isto não significa que a dita hierarquia esteja parada e a recente atribuição do Prémio Pessoa ao bispo do Porto não podia ter vindo em melhor data – disse-o e repito. Fomos hoje brindados, no Expresso, com uma longa entrevista em papel e um bónus extra online.

Que Manuel Clemente se declare contra o casamento entre pessoas do mesmo sexo por «fidelidade» aos seus superiores seria de esperar, o modo como o faz revela bem que é do seu próprio posicionamento pessoal que se trata. Diz aliás (na entrevista em papel) que, embora sendo cristão, aborda a problemática do casamento «numa perspectiva humana», que implica «a complementaridade masculino e feminino, bem como a possibilidade e a previsão da geração e da educação da prole». E com a consequente incapacidade de transmissão de alguns valores num hipotético casal homossexual, porque «a psicologia diz que a primeira consciência que temos da nossa limitação é verificarmos que o pai e a mãe não são iguais». Limitação??? Como se não houvesses, logo à nascença e ao longo de toda a vida, «limitações» e diferenças bem mais graves entre ricos e pobres, saudáveis e estropiados e por aí fora. Adiante.

Mas é no complemento da entrevista no Expresso online que se encontram as afirmações mais estranhas, que já referi ontem. Para o novo Prémio Pessoa, legalizar o casamento de homossexuais é «tornar formal este campo contra natural». Pergunta também até onde se pode impor o reconhecimento público de uma «preferência ocasional», de um «desejo esporádico ou episódico».

É isso a homossexualidade para Manuel Clemente: algo contra-natura, um acidente de percurso – só falta dizer «que se pode tratar»! Registe-se.

Quanto ao resto da entrevista, nem vale a pena comentar a mentalidade revelada numa série de banalidades em que, por exemplo, se condena a «deriva libertária» em que as sociedades ocidentais vivem desde o fim da II Guerra Mundial...

Ler para crer – e para «agradecer», uma vez mais, ao júri do Prémio Pessoa.


P.S. – Este texto saiu muito mais brando do que eu esperava. É que ontem, pelas três da manhã, estava indignada. Agora, já nem isso.

2 comments:

Miguel Cardina disse...

Acho tudo muito bem, Joana, menos a foto a ilustrar. Como sabes, a Nazaré sempre foi laica, de esquerda e dá filhos ao mundo que nunca sentiram necessidade de ser baptizados. :-)

Joana Lopes disse...

Por isso mesmo, Miguel: a nazarena nem fecha a boca de espantada que está!