6.1.10

Professores, os nossos super-heróis?
















Segundo Isabel Alçada, 83% dos professores foram classificados com Bom no último ano lectivo e menos de 0,5% com Regular ou Insuficiente. Deduzo portanto (sem certeza) que cerca de 16,5% tiveram Muito Bom ou Excelente.

Ao mesmo tempo, a FENPROF continua a exigir «que todos os professores com avaliação de Bom cheguem ao topo da carreira».

Portanto, estes representantes dos professores pretendem que 99,5% dos seus representados cheguem ao referido topo. Não sei em que universo vivem, mas os seus céus estão certamente para além do admirável mundo novo de Huxley.

Não entro na discussão sobre o modo como a avaliação tem sido ou vai ser feita – trata-se de uma outra questão que, tanto quanto percebo, não está neste momento em cima da mesa.

Mas começo por estranhar uma terminologia que tende a generalizar-se. Numa classificação com cinco níveis, é enganador que o terceiro se chame «Bom» – deita poeira para os olhos. Recordemos que, entre nós, já existiu Muito Bom, Bom, Suficiente, Medíocre e Mau. Aquilo que hoje é designado por Bom não é mais do que o velho Suficiente que, numa escala de 0 a 20, ia de 10 a 13. O que significa que a FENPROF está a exigir que quem cumpre pouco mais do que os mínimos para não «chumbar» – porque é disso que se trata – deve ser altamente premiado. (Em vez de Suficiente, diga-se «Cumpriu», «Satisfez» ou algo de equivalente – tanto faz.)

Há depois a famosa questão das quotas ou da não-aceitação das mesmas, que me escandaliza e até me irrita. Na sua essência, as quotas não são mera burocracia, mas devem corresponder aos resultados tal como é natural que sejam desejados e conseguidos, num universo de humanos e não de extra-terrestres. Tendo evidentemente em conta populações de dimensões razoáveis, e mesmo considerando variantes segundo o tipo de actividade, não há normalidade possível nas percentagens que a ministra revela. Pode haver diferenças, mas não distorções como as que aparentemente existem.

Pertencem os nossos professores a uma classe de génios, de iluminados ou de super-heróis que escapam a todas as estatísticas? Está-se mesmo a ver que sim, pelos resultados!

Eu sei que tenho uma sensibilidade especial para estas questões porque vivi num universo com estas regras, incómodas mas indispensáveis, quando por cá ainda nem se conhecia a respectiva terminologia a não ser em meia dúzia de multinacionais, entre as quais aquela em que trabalhei durante vinte e cinco anos – quando o dr. Mário Nogueira já andava provavelmente por este mundo, mas certamente sem idade para ter bigode.

P.S. – Este post resultou, em parte, de um diálogo por mail com dois ex-colegas da IBM, um dos quais especialista nestas matérias. É que há coisas para nós tão evidentes que até mete raiva…

35 comments:

Unknown disse...

Pois, comparar as escolas a empresas é de uma inteligência inimaginável, só ao alcance de excelsos iluminados que conhecem por dentro e por fora o que são de facto as escolas. Os professores, esses, estão de certeza todos equivocados. De certeza...

Joana Lopes disse...

Também fui professora, para sua informação. Não sei se alguma vez trabalhou numa empresa.

Não se trata de confundir empresas com escolas, mas de não entender por que razão os professores se consideram diferentes de todo o resto da humanidade.
Há modelos diferentes para instituições diferentes, é tudo.

Unknown disse...

Acho tão ridículo que 83% das avaliações dos professores sejam de BOM, que nem pensei em intervir.
Mas, confrontado com a realidade que tal facto não assusta, não preocupa, pelo contrário, que alguém acha normal, então proponho que o Ministério da Educação revele, para cada classificação, a percentagem das avaliações correspondentes.
Que todos tenham acesso a um retrato VERDADEIRO das avaliações.
Se tal acontecer, teremos seguramente a possibilidade de perceber onde os Professores do Ensino Público se situam. Depois, há que perceber como se comparam com os do Privado, com os de outros Países, com outras profissões, etc.
Que se abra a caixa... de pandora ou de outra qualquer. Mas que se fale verdade. Que se debata este assunto. Com clareza.
83% são BONS? E 16,5% serão Muito Bons ou Excelentes???... FANTÁSTICO! Inimaginável... para os meus conhecimentos deste tema.

Joana Lopes disse...

Como sabes, Eduardo, partilho contigo(já tinha partilhado...) a estupefação.

Pedro Silva disse...

E 100.000 pessoas na rua não lhe dizem nada? São todas burras?

Joana Lopes disse...

100.000 pessoas dizem-me muito e não chamei burro a ninguém.
Houve certamente muitos erros por parte do governo e nunca me ouviram defender o processo.
Mas isso não invalida tudo o que disse no meu texto.

Pedro Silva disse...

É muito fácil fizer que´é contra o governo mas quando dá jeito lambe-lhe as botas. Também anda á procura de um tacho como as suas amigas do Jugular?

Joana Lopes disse...

Não me lembro de alguma vez ter visto o seu nome, mas depreendo que me «segue» bem - talvez no Twitter?

Quanto a lamber as botas ao governo ou a procurar tachos, nem lhe respondo.

Quanto à referência que faz às «minhas amigas» do Jugular: sim, tenho por lá umas tantas e com muito gosto. Não concordo com elas em alguns assuntos, mas intransigência e fundamentalismo não são o meu forte - há coisas mais importantes na vida.

Maria Tavares disse...

Tantos radicalismos para acabar a elogiar o grande capitalismo americano! Viva o comunismo!

Joana Lopes disse...

Ainda aí vai, Maria Tavares?

O que tem o que eu digo a ver com isso?

Mas mais vale ir directa ao assunto: a ter de escolher, prefiro, sim, o capitalismo de Obama ao comunismo da Coreia do N. Embora espere, tenha a certeza, de que outra coisa virá que ocupará o lugar de um e de outro. Talvez os meus netos já possam ver algo de mais interessante do que aquilo que agora temos.

Vitor M. Trigo disse...

Comentando alguns comentários:

1. Estranho como pontos de vista divergentes originam tentativas de ofensas pessoais (sobre Peter 06.01);
2. É obvio que 100.000 pessoas têm um peso diferente de 1.000. Mas, sinceramente, alguém acredita que essas 100.000 pessoas eram todas professores? Se sim, fico satisfeito por o País poder contar com a sua contribuição coordenada para as grandes tarefas que urgem na melhoria da Educação (sobre Pedro Silva 07.01);
3.Há tempos li uma frase dum professor Brasileiro, cujo nome não me recordo, que dizia o seguinte: "Uma cois é uma coisa, outra coisa é outra coisa". Que grande sabedoria! Lamento é que se conteste "uma coisa" com "outra coisa". Não será melhor criticar construtivamente a ideia em vez de atacar o objector? (para Maria Tavares 07.01);
4. Aguardo, e desde já agradeço, as vossas críticas aos posts que acabo de colocar (são 2 que se complementam). E já agora, não querem dizer o que realmente pensam sobre estes assuntos?

Isabel disse...

Completamente de acordo. E não esquecer que em Portugal, de há muito, desde que a carreira tem uma forma semelhante à actual, que na carreira universitária muito, mas muito poucos, chegam ao seu topo. A maior parte dos professores universitários termina a carreira como a começou, como professor auxiliar.

Joana Lopes disse...

Vítor (VMG),
Colocaste dois posts onde?

Joana Lopes disse...

Exactamente, Isabel, os «privilégios» dos professores universitários há muito que acabaram. Culpa em parte deles, talvez, que tão pouco têm aparecido a defender-se, Nem 8 nem 80.

Vitor M. Trigo disse...

Pois é, minha Cara Joana,

Estamos a comentar um assunto quente. E porque não assumir também a contribuir para alguma modesta clarificação.

Pertenço ao grupo de pessoas que acha que as grandes coisas não carecem tanto de indivíduos geniais, mas mais duma boa equipa de genuínos contributos, profundamente comprometidos com o objectivo comum.

Dito isto, a fim de que não infira do que se segue, nem a posição dum teórico distante do mundo real, nem dum prático que pensa que “manda quem pode, obedece quem deve”, aqui vão algumas reflexões que julgo importantes. .

Nesta intervenção vou-me cingir à questão Quotas de Atribuição de Classificações da Avaliação do Desempenho.

1. O sucesso e o desastre são consequências do desempenho

Organizações sem objectivos não passam de círculos de interesses. Por outras palavras, quando não se conhecem e assumem metas quantificadas, não existem objectivos, quanto muito desejos. Se não se concretizarem, paciência. Melhores dias virão.

No mundo em que vivemos, planear é crucial. Quem não planeia, assume o caminho mais directo para o desastre. Isto é válido para as organizações, para as pessoas, e para as pessoas nas organizações.

Para as organizações, a escala de desempenho é muito simples – Excedeu, Cumpriu, ou Falhou. È assim que avaliamos a componente formal da organização – a estrutura e os meios físicos disponíveis.

Não podemos ser tão redutores quando pensamos na componente informal – as pessoas. Mas se as organizações não podem viver sem pessoas, e a sua diferenciação depende cada vez mais das pessoas, é óbvio que a actividade e os objectivos das pessoas têm de estar em consonância com a actividade e os objectivos da organização. Pode parecer uma “La Palissada”, mas não é; trata-se da raiz da minha visão sobre o problema, pois daqui decorre que hoje não há lugar para heróis – o que vale, e é sustentável, são as vitórias colectivas. As vitórias individuais são efémeras e, o mais das vezes, sem real substância.

Quer isto dizer que faz todo o sentido que os objectivos que cada um tem sejam: primeiro, o objectivo do grupo ou classe em que colabora; segundo, o peso e importância da sua contribuição enquanto indivíduo.

Questão em aberto: devem estabelecer-se escalas pares ou ímpares na Avaliação do Desempenho?

Pessoalmente, penso que as escalas pares oferecem vantagens, pois não favorecem “zonas de conforto” aos avaliadores. Por exemplo, uma escala de cinco pontos permite a concentração no ponto central, o 3, libertando dois pontos para “acima da média”, e outros dois para “abaixo da média”, utilizados como marginais.

Prefiro a escala de quatro pontos que obriga o avaliador a maior objectividade. A tendência será guardar o 4 para “Não Satisfez”, o 3 para “Cumpriu”, o 2 para “Cumpriu, excedendo nalgumas áreas”, e o 1 para “Excedeu consistentemente”.

No caso dos professores, tal tipo de escala poderia resolver a caricata questão do Bom, Muito Bom, e Excelente. Caramba, que complicação! Ainda por cima, é natural que a tendência seja para acumular classificações na média (que na presente versão será o Muito Bom). Não parece óbvio que, com esta mentalidade, o Razoável e o Insuficiente não sejam utilizados, e que o Muito Bom e o Excelente não correspondam à realidade?

Vou dar a minha opinião – Isto como está não clarifica, não é justo, nem equitativo, mas duvido que a força corporativa dos professores esteja disposta a perder privilégios. Sim, porque isto não estamos a falar de direitos (estes correlacionam-se com deveres), trata-se de retirar vantagens indevidas dum sistema que deve servir a Educação e não de quem se quer dela servir.

Sendo mais claro ainda – prejudica a Educação e todos os seus intervenientes

(este post tem continuação - questão 2)

Vitor M. Trigo disse...

(continuação de post anterior - questão 1)

2. Porque é que o sistema de quotas é justo?

Os gestores das organizações, lucrativas ou não, conhecem a história e as tendências dos mercados e públicos que servem. E quanto melhor conhecimento tiverem, mais probabilidades têm de vencer.

Ao planificarem custos e receitas, eles sabem que objectivos devem traçar e porquê. O mesmo racional se aplica aos gestores de RH, que são todos os managers de pessoas.

Aos managers pede-se que apresentem as suas propostas de trabalho e discutam com os seus superiores como irão alcançar os seus objectivos materiais – receitas e custos. Para os atingirem eles precisam do contributo diferenciado dos seus reportees. Estes devem conhecer o que está a ser exigido ao grupo e a cada um deles. Todos devem perceber que se espera que cada um supere aquilo que, em condições normais (de grande tranquilidade e sem verdadeiro empenho pessoal), seria o seu desempenho.

Quando todos entenderem que, naturalmente, uns irão conseguir ter êxito e outros não, o que significa cada uma das classificações possíveis, e os critérios de avaliação, muito progresso terá sido conseguido.

As quotas devem reflectir o que atrás foi dito – quando os gestores planificam recursos – humanos e materiais – balanceiam, de forma consistente, as probabilidades de sucesso e de falha. E eles sabem quantificá-las, para as poderem corrigir, quando aparecerem sinais de desvio.

E é disso que estou a falar, apliquem o mesmo tipo de racional ao grupo que dirigem. Partilhem esta informação com ele, em público, não em privado, e como dizem os americanos “Plan Your Work, Work Your Plan”. O grupo perceberá, posso assegurá-lo por experiência própria, aceitará, e retribuirá. Se tal não acontecer, das duas uma: (1) ou o grupo não existe, será um mero ajuntamento de pessoas; (2) O manager não soube cumprir o seu papel de líder e comunicador. Em ambos os casos, este manager está em sarilhos, arrastará as suas pessoas com ele, e a seguir a própria organização.

Será que o Ministério da Educação conseguirá fazer passar uma mensagem deste tipo? Penso que será muito difícil, mas não impossível. Não sugiro que se ignorem os sindicatos, longe disso, mas há que criar um canal de informação da classe que seja alternativo às mensagens de carácter eminentemente político.

Profissionais com classificação 3, numa escala de 5, terem acesso ao topo da carreira. De que planeta estamos a falar? Júpiter ou Saturno?

Nota: Esclareço que fui sindicalizado durante trinta e seis anos no Sind. Do Comércio – CGTP.

É provável que volte a estes dois itens mais depressa do que estou a pensar, pois é possível que estas posições possam gerar alguma polémica.

Por agora, fico por aqui.

Voltarei a outros itens dentro do tema, como p.e., a questão das implicações do que ficou exposto na Gestão de Carreiras e nos Salários.

io disse...

Eu que já fui professora (durante 5anos lectivos), que já trabalhei 20anos como profissional liberal (com a inerente avaliação da clientela) e que trabalho há dois numa empresa (com sistema anual de avaliação pelas chefias), concordo inteiramente consigo, Joana.
Não sei - não me perguntem, pois -qual deverá ser o modelo de avaliação para o ensino, mas que ele tem de existir, sem dúvida e que, sobretudo, há que distinguir o trigo do joio.

Unknown disse...

"estranho como pontos de vista divergentes originam tentativas de ofensas pessoais" - interessante este comentário. Não entendo o "pessoal" já que não referi nomes e muito menos entendo as "ofensas". Parece-me que alguém se poderá ter sentido ofendido, talvez. Se tal aconteceu, peço desculpa.
quanto à "excelente" contribuição de VMT, corroborada pelo autor, talvez devessem rever os vossos referenciais de conceito de avaliação. Classificar é uma "coisa", avaliar é "outra coisa". classificar é porventura o exercício mental mais obsceno de que me lembro. Para que servem as notas? Qual a diferença entre um 19 ou um 20 na escola? Ou, já agora, porque não qual a diferença entre muito bom e Bom? Talvez com uma pequena pesquisa sobre a "escola da Ponte" consiga perceber como se avalia sem classificar, quer com 4, quer com 5 notas, quer com 20 estrelas brilhantes ou notas de música.

Joana Lopes disse...

Peter,
Esta sua frase «classificar é porventura o exercício mental mais obsceno de que me lembro» significa exactamente o quê? Tente um pequeno exercício: retirar tudo quando é classificação do mundo que o rodeia. Acha que é possível, desejável? Olhe que não!...

Anónimo disse...

A IBM não faliu?

Talvez "sobre-avaliasse" as funcionárias...

Vitor M. Trigo disse...

Para o "anónimo" de 7 Jan 23:40:

1. Caro (a) "anónimo" - "anónimo é nome próprio ou apelido?

2. Não, a IBM não faliu. longe, muito longe disso, como pode verificar. Dada sua preocupação aqui vão algumas informações que lhe podem interessar:

http://www.ibm.com/pt/pt/
Aqui acederá à página de Portugal.

http://www.ibm.com/investor/2q09/press.phtml
Aqui poderá consultar, p.e., os resultados do Segundo Trimestre de 2009(em economias competitivas o desempenho avalia-se ao trimestre)

http://www.ibm.com/us/en/
Por aqui entrará no domínio US, ou seja, a nível de Corporation. Encontrará, navegando claro, um mundo de informação que talvez não imagine...

E, por exemplo, e para lhe simplificar o trabalho, experimente
http://www-935.ibm.com/services/us/gbs/bus/html/bcs_whatwethink.html?IW
aqui, em reports, seleccione, p.e.,
"EDUCATION" e "HUMAN CAPITAL MANAGEMENT".
Suspeito que irá aprender alguma coisa.

Vitor Trigo

IBMer de Maio de 1970 a Junho de 2005, orgulhoso da Companhia em que trabalhou. Uma das melhores do mundo.

Vitor M. Trigo disse...

Para Peter (7 de Janeiro de 2010 19:07).

Obrigado Peter pela oportunidade que me dá de poder esclarecer o ponto que coloca, e retirar conclusão do que diz.

Realmente, para mim (experimente o dicionário online http://www.priberam.pt/DLPO/Default.aspx) e encontrará o mesmo entendimento):

Avaliar = Determinar o Valor de.
Classificar = Atribuir Valores a.

Tão semelhantes que se confundem.

Com este enquadramento, é-me difícil entender onde quer chegar quando afirma: "classificar é porventura o exercício mental mais obsceno de que me lembro".

Posso concluir, dada a semelhança dos significados que também considera que Avaliar seja obsceno?

Se a resposta for sim, então encontro finalmente uma razão válida para suportar a ideia de que: no fundo, no fundo, quando se levanta a questão da avaliação de professores (qualquer que seja a filosofia utilizada) tem de ser repudiada... por ser obscena.

Ou seja: Avaliação? Não, obrigado!

Vitor Trigo

Joana Lopes disse...

Obrigada, Vítor, pelos teus comentários. Mas, para o caso de não teres percebido, a única coisa que o último anónimo queria, ao falar de empregadas da IBM «super-avaliadas», era chamar-me estúpida! Mas, como sabes, tenho as costas muuuuuito largas...

Vitor M. Trigo disse...

Sim, Joana, eu entendi claramente o intuito do(a) dito(a) anónimo(a).

Exactamente porque ele (ou ela) foi tão inteligente no comentário, resolvi tratá-lo(a) como fiz.

Lembrei-me duma velha anedota que se contava sobre o ex- Presidente Brasileiro Costa e Silva:

Uma vez fizeram-lhe um atentado, lançando uma GRAMÁTICA DE PORTUGUÊS para dentro da viatura presidencial.

Vitor Trigo

Unknown disse...

Caríssimo Vitor,
Porventura não fiz entender. No contexto de que falamos, avaliar fará todo o sentido. Classificar nunca. Sempre tive grandes dificuldades em perceber qual o significado de uma nota negativa ou de uma nota positiva. Em que é que isso contribui para uma aprendizagem verdadeiramente significativa? Nada.
Como professor, considero o exercício classificativo uma perda de tempo (avalio-o como tal). Já a avaliação, por onde tenho passado e pelas opiniões e delitos que tenho lido e ouvido, parece-me que muito poucos saberão o que de facto significa. E então quando nos cingimos à definição lata e horizontal daquilo que é um conceito, está tudo dito.
Já agora, para Joana Lopes, enquanto tirava o curso superior, trabalhei em várias empresas (que remédio), uma das quais famosa pela criação do hamburguer. Era classificado todos os dias pela minha genica ou quantidade de clientes atendidos.

Vitor M. Trigo disse...

Com jeito acabamos por nos entender em quase tudo, Caro Peter.

Esclareço que não sou obsecado por acordos - acho até que muitas vezes um desacordo construtivo pode conduzir a melhores resultados.

Vejo com satisfação que entendeu quase tudo o que eu queria dizer, eu tb entendi quase tudo o que você disse.

Continuo a defender que enquanto os profissionais, seja de que ramo for, lucrativo ou não, virem a sua contribuição recompensada com efeitos diferenciados na carreira e nas remunerações, qualquer que seja a metodologia empregue, esta tem de ser justa à partida e equitativa à chegada.

A equidade exige:

1. que o sistema seja universal;
2. que as métricas estejam definidas e aceites;
3. que os critérios de aplicação estejam definidos;
4. que exista confiança mútua;

e que:

4. se avalie, para poder classificar, ou , dito de outra forma - diferenciar e hierarquizar.

Acredite p.f., não estou a ser teimoso. É a unica forma que conheço de ser justo - tratar de forma diferente quem contribuiu de forma diferente.

Nota: repare que eu disse "contribuiu de forma diferente" (neste período, nestas condições).

Isto é muito importante - Estamos a avaliar desempenhos não atributos pessoais.

Admito que possam existir outras formas de chegar ao mesmo propósito - ser justo na retribuição (em sentido lat, claro).

Eu não conheço outra forma. Se você conhece alguma alternativa p.f. partilhe-a.

Obrigado,

Vitor Trigo

Maria M. disse...

Meus Caros!
Não se trata aqui de discutir os termos em que a escala de classificação se desenhou... chegaram a esta, poderiam ter chegado a outras!
Mas o problema dos 83% de Bons e das cotas (tão discutidas) é complicado de discutir assim a frio e por quem não conhece o que actualmente se passa nas escolas! Agora é fácil dizer que estes resultados estão mal! É fácil dizer que a escala está errada! É fácil apontar as culpas aos professores (mais uma vez)! Quando era óbvio, desde o início, que as coisas não poderiam correr bem! E porquê? Porque tudo foi feito em cima do joelho! À pressa! Havia na altura uma pressa absurda que apenas se compreende por necessidade de redução de custos e não pela importância (amplamente anunciada) de se implementar avaliações sérias.
Para mim era (e é) óbvia a necessidade de avaliação! Mas conhecem algum sistema de avaliação (desta envergadura) implementado sem tempo? Sem análise das situações? Sem discussão? Sem meios? Sem levar em conta aspectos reais/concretos e ainda sem levar em conta outros aspectos que nunca poderiam ficar de fora? Sem ter sido testado? Sem ter sido VALIDADO?
Não, com certeza não conhecem porque nas empresas sérias e credíveis não se implementam mudanças nem sistemas de avaliação de forma tão leviana!
Na verdade este sistema de avaliação/classificação tem erros gravíssimos (como tanto avisaram os professores) e o Ministério da Educação deveria ter levado mais a sério o seu papel e responsabilidade!
Apenas um exemplo (porque há muitos…). Actualmente as escolas, para além da avaliação interna resultante da análise da aplicação do seu Projecto Educativo, do desenvolvimento do seu Plano Anual de Actividades e dos resultados dos seus alunos, são sujeitas (desde 1996) a uma avaliação externa da responsabilidade de uma equipa de avaliadores da Inspecção Geral da Educação. Essa avaliação é pública e reporta-se a vários domínios e factores (Resultados; Prestação de Serviço Educativo; Organização e Gestão Escolar; Liderança e ainda Capacidade de Auto-regulação e melhoria de Escola/Agrupamento) para esta avaliação são consultados, num sistema de painéis, professores, auxiliares de acção educativa, alunos e representantes dos encarregados de educação, bem como um conjunto de documentos internos considerados fundamentais para o conhecimento da escola e o desenvolvimento da missão da equipa de inspectores. Desta avaliação resulta uma classificação e um conjunto de recomendações. Há portanto escolas melhor classificadas que outras! Esta situação pode dever-se essencialmente a dois tipos de factores, ou resulta do facto da escola estar inserida num meio desfavorável e socialmente "complicado" ou ainda por ter um corpo docente mais empenhado e qualificado. Pergunto: será justo que as cotas de professores Muito Bons e Excelentes não levem em conta estas situações. Devem ser iguais para todas as escolas independentemente do meio em que a escola se insere… ou dos resultados da avaliação externa? Não me parece que esta situação esteja devidamente considerada na atribuição de cotas (o que existe não é suficiente).

Joana Lopes disse...

Não duvido que tenha razão nas críticas que faz à forma como o processo decorreu, à pressa com que foi implementado, etc., etc. Vou directamente ao último ponto: o das quotas. Elas são indispensáveis ou inevitáveis, como preferir, mas a sua aplicação é difícil e tem de ser feita sempre com base na definição, tão correcta quanto possível, dos objectivos a atingir. Por exemplo, claro que um Muito Bom não é igual na Lapa ou no Bairro da Boavista porque, a montante, os OBJECTIVOS fixados tiveram de ser diferentes (ou deviam ter sido) num caso e no outro. E isto é válido tanto para a avaliação das escolas como dos professores. Outro factor importante de que já falei é a dimensão da população em causa, como sempre que se trata de estatísticas: quanto maior for essa população, mais a distribuição pode e deve aproximar-se das percentagens definidas.

Maria M. disse...

Meus caros (continação)
Quanto à qualidade actual dos professores apenas vos digo que, como em todas as profissões, há profissionais muito bons e outros menos bons… mas também vos digo que com as exigências actuais da profissão, (quer em termos de conhecimento científico, quer em termos de domínio de competências pedagógicas), com a falta de interesse de grande parte dos alunos, com as mudanças constantes e consequente necessidade de adaptação, com a descida do nível de exigência que, por recomendação ministerial, é feita aos alunos, com o novo estatuto do aluno… entre muitas outras coisas, muitos docentes tem abandonado o ensino. Ao longo dos últimos tempos apenas ficaram nas escolas os docentes mais motivados, mais empenhados e mais apaixonados pelo ensino… os outros foram saindo e provavelmente encontrando outras profissões que lhes permitem ganhar outro tanto sem ter que se sujeitar à forma como actualmente sociedade trata os professores. E sim, grande parte dos que ficaram são bons professores!

Joana Lopes disse...

Maria M.
Muito obrigada pelo seu novo comentário.

Admito tudo o que diz mas com reservas.
Há muito tempo que a profissão de professor em Portugal perdeu o prestígio que tradicionalmente tinha, e que ainda tem noutros países (já lá vou), em grande parte por um excelente motivo: a explosão e democratização do ensino que se seguiu ao 25 de Abril. Era inevitável que os professores passassem a ser confrontados com multidões provenientes de classes e meios sociais que, até aí, ficavam quando muito pela instrução primária.

Outros factores terão vindo agravar a situação (como o número e variedade de imigrantes), mas o que é verdade – e peço desculpa se a choco – é que uma parte considerável de professores se «instalou», desde há muito, na posição de vítima. (E não estou a pensar nos tempos recentes com todos estes problemas de avaliações, quotas, etc.)

Exemplifico com uma experiência familiar: no fim da década de 80, vivi três anos na Bélgica e o meu filho passou lá três anos lectivos – do 6º ao 8º. Quando regressou, com 14 anos, à escola particular onde tinha andado desde o infantário, sem nenhum problema daqueles que têm estado em causa nestas discussões, teve um choque brutal: sentiu na pele que, enquanto os professores da Bélgica gostavam do que faziam, em Portugal a regra geral era considerarem os alunos como potenciais «inimigos» (a expressão é dele), desconfiarem deles e estarem ali sacrificados por não poderem fazer mais nada. Uma experiência particular vale o que vale? Sem dúvida. Mas, como mãe, eu também senti que nunca teria percebido o que era um ensino «decente» se não tivesse acompanhado o que se passou com ele na Bélgica - quanto a relacionamento, forma e conteúdo.

Como em todas as profissões, há bons e maus, regra e excepções. Mas dizer que, neste momento, só ficaram nas escolas os bons… parece-me absolutamente excessivo

Maria M. disse...

Pois!
É engraçado... a minha irmã vive na Bélgica e as minhas sobrinhas estudam (e nasceram) lá!
É claro que há grandes diferenças entre o ensino na Bélgica e em Portugal... mas como deve saber não é só na forma como os professores tratam os alunos Na realidade a diferença é enormeeee!
(e também passa pela forma como os alunos e pais tratam os professores)
Quanto ao excessivo... aceito! :)Como espero que também aceite que tudo o que está mal na Educação não se fica a dever única e exclusivamente aos professores!
- é que até parece que, ultimamente e a reboque da forma como o próprio ministério tem tratado os professores, virou moda tratar mal os professores... Deitar abaixo... denegrir... Mesmo que pouco se saiba (normalmente apenas pela comunicação social e por jornalistas que nem sempre fazem o trabalho de casa) sobre o actual estado das "coisas" da Educação, das carreiras, dos normativos, dos estatutos, enfim... de tudo!

Joana Lopes disse...

Maria M.

O seu comentário tem uma frase suicida: «e também passa pela forma como os alunos e pais tratam os professores». No triângulo professor-aluno-pais, porque de ensino se trata, quem tem as rédeas do relacionamento é o professor. Por isso, há professores que não têm problemas neste domínio, ou lidam bem com eles, e, no extremo oposto e na mesma escola, outros que só se lamentam – ou se reformam. Claro que com isto não quero dizer (não digo porque não penso) que a culpa seja exclusiva nem principalmente dos professores, mas eles têm certamente uma fatia importante na responsabilidade de se vitimizarem.

E esta saga não começou com M. de Lourdes Rodrigues nem pouco antes: tem décadas, como expliquei no meu comentário anterior a este. Há 15 ou há 20 anos, não havia avaliações, bem a burocracia de que se queixam hoje (com razão) por implementações atabalhoadas, etc., etc.

Enfim, isto um dia «há-de ir»…

Maria M. disse...

"O seu comentário tem uma frase suicida" ... Se escrevi a referida frase é porque conheço (como deve calcular) algumas situações que me permitem escrevê-la, sem hesitações. (e não é uma questão de vitimização... é uma questão de conhecimento da realidade). Felizmente não me sinto pessoalmente afectada porque sou daquelas que tem a "sorte" de conseguir lidar com este tipo de situações! Acredito no diálogo e quando as coisas são conversadas (e sobretudo devidamente esclarecidas) acabam sempre bem!
Mas garanto que, às vezes, precisamos de muita paciência! :)
Quanto ao resto... inteiramente de acordo!

Unknown disse...

Caríssimo VMT,

Já no segundo comentário deixei uma realidade bem diferente, sem classificações e dentro do nosso próprio sistema educativo - a escola da Ponte.
Chame-me romancista, mas acredito na realização pessoal como meta, até porque, como professor contratado, ganho o mesmo salário desde 2000 e não tenho quaisquer benefícios a não ser a ADSE.
contudo, continuo sempre a estudar para melhorar o meu desempenho, mesmo sabendo que vou ganhar sempre o mesmo, sem possibilidade de ter outro "estatuto remuneratório".
Permita-me só uma pequena correcção: obcecado e não "obsecado".

Vitor M. Trigo disse...

Caro Peter,
Mais uma vez obrigado pela sua intervenção de ontem.
Tenho estado sem www (não vivo na cidade…), razão pela qual só agora a vi.

Conheço muito pouco da Escola da Ponte - só o que tenho lido, acidentalmente, na imprensa e net. A ideia que tenho é que se trata dum projecto inovador e único, pelo menos em Portugal. Este estatuto, só lhe acrescenta valor, mesmo que alguns o intitulem de "antiescola".
Contudo, parece-me que está muito longe de constituir um exemplo que os diversos intervenientes no Ensino em Portugal, estejam dispostos a seguir (ou tenham condições para tal).
Mas o projecto desperta-me particular simpatia - a vida sem utopia, tem pouco sabor, mas completamente utópica arrisca-se a ser frustrante.

Não lhe chamo nada romancista. Nada tenho contra si nem contra os romancistas, bem pelo contrário.

Lamento que não venha recebendo compensação pela dedicação contínua que refere. Infelizmente, conheço bastantes pessoas em situações que descrevem como semelhantes à sua. Penso que, um Sistema de Avaliação de Desempenho, integrado, consistente, coerente, e bem aplicado pode ser uma óptima ajuda para o tratamento equitativo, dificultando as injustiças. Mas sinto necessidade de acrescentar o seguinte – estou a falar em Desempenho face a objectivos concretos, num determinado período, e em determinado contexto. Não estou a falar de avaliação de capacidades pessoais, carácter, e outros atributos individuais, que remeto para o âmbito de Gestão de Remunerações e Gestão de Carreiras. É por isso que defendo que o endereçamento destas três vertentes (Avaliação e Aconselhamento, Carreira, e Remuneração), não deve coincidir no tempo.

Quanto à troca do “c” por “s”. Nem o blogue, nem os leitores, mereciam tamanho descuido. Tenho por hábito rever o que escrevo, mas, quase de certeza, desta vez não o fiz.

A todos, as minhas desculpas.