6.2.10

Longa vida para o presidente Mao?




A propósito da abertura ao público de documentos sobre os anos da Revolução Cultural, Antonio Muñoz Molina escreve hoje um belo artigo no suplemento Babelia de El País.

«El Archivo Municipal de Beijing, cuenta The New York Times, acaba de hacer públicos 16 volúmenes de documentos sobre los años de la Revolución Cultural, y aunque están muy censurados dan una idea de lo que sucedía en China (…) A los niños los adiestraban para denunciar a los padres como contrarrevolucionarios. El "pensamiento de Mao" era la guía infalible para resolverlo todo, "la delincuencia juvenil, los atascos de tráfico, la química en la agricultura, la venta ilegal de pichones". En una clase de matemáticas los estudiantes tenían que cantar dos canciones revolucionarias y estudiar y discutir al menos seis citas de Mao antes de pasar a los números. Comités especiales se creaban a fin de garantizar cada año la producción de las 13.000 toneladas de plástico necesarias para las tapas de todos los millones de ejemplares del Libro Rojo que se publicaban.»

A notícia foi pretexto para Muñoz Molina relatar o entusiasmo pela figura de Mao Tse Tung, que encontrou quando chegou a Madrid como estudante, em meados dos anos 70. Com o Partido (comunista, entenda-se) demasiado antiquado para «as antenas subtis do snobismo universitário», os jovens antifranquistas curvavam-se perante o líder chinês que vivia na Cidade Proibida e que escrevia não só tratados filosóficos como pequenos poemas revolucionários. Vibravam sobretudo com o «Livro Vermelho» e repetiam com reverência que Os imperialistas são tigres de papel.

Tudo isto chegou a Portugal e eu também tenho dois livrinhos vermelhos, um em francês – «Citations du Président Mao Tsé-Tung» – e outro, um pouco maior e já em português – «Escritos Militares de Mao Tsé-Tung». Sintomaticamente, estão numa prateleira mesmo aqui atrás, bem encostados a várias edições da Bíblia. Com uma diferença: devo ter lido meia dúzia de páginas dos pensamentos de Mao e as bíblias têm um ar bem manuseado. O meu percurso só passou por Pequim há meia dúzia de anos, como turista, e é verdade, sim: a Cidade Proibida é uma verdadeira maravilha.

Nunca tive um poster do camarada Mao, as paredes dos meus quartos de juventude foram sobretudo habitadas por Martin Luther King e pelos barbudos latino-americanos, mesmo quando ainda nem sabia quem era Korda.

Juventudes diferentes, grandes marcas que, constato hoje talvez mais do que nunca, se cravam bem fundo e ficam para sempre – para o bem e para o mal, como tudo na vida.

9 comments:

Manuel Vilarinho Pires disse...

Esse pequeno excerto do artigo explica perfeitamente porque é que um miúdo que tinha 17 anos em 1974 nunca se deixou cair em amores pelo comunismo, que não tinha nada de melhor do que o fascismo naquilo que agora está na moda chamar de questões fracturantes, mas de facto se pode chamar de respeito pela liberdade individual, e outros miúdos de 18 anos se deixaram fascinar por ele e depois nem tiveram de mudar um milímetro aos seus valores, ainda que hoje em dia não sejam comunistas, por terem encontrado outros campos onde os aplicar, no governo português ou em cargos internacionais.

Jorge Conceição disse...

Posters de Martin Luther King, recortes do Paris Match e da Life com a repressão policial americana sobre os negros do Sul dos Estados Unidos e com senas Hiroshima, como a famosa fotografia daquela menina completamente nua a fugir chorando... E, depois ainda, fotos de Da Nang, o esboço do retrato de Ângela Davis (tirado da revista "Notícias" de Moçambique), cartazes dos índios TupAmaro e contra o racismo, retirados do "Courier" da UNESCO... Mas, na verdade, Mao não.

Rui Bebiano disse...

Pois eu cá tive todos os símbolos na parede também: Martin King, Angela Davis, Guevara, Giap, Ho, Bernardette Devlin. E também Dylan, Baez, Led Zeppelin, Jim Morrison. E com isso tudo fui maoísta entre 1971 e 1977...

Joana Lopes disse...

Mas tiveste também o Mao ou não?

Anónimo disse...

Ou seja mesmo quando era nova, já era careta.

Rui Bebiano disse...

Curiosamente, não me lembro de ter o chinoca na parede. Que os meus ex-camaradas não saibam, que ainda me lançam uma excomunhão retroactiva.

Vitor M. Trigo disse...

Coitado do Mao.

Tantos começaram as suas carreiras sob o seu manto e hoje, bem instalados, renegam-no.

Contudo, nas estórias destes mal-agradecidos não consigo enquadrar o episódio dos 30 dinheiros.

A propósito: parece ter saído no dia 03 um novo pasquim (O Jornal dos Corridos) comandado pelo novo bando dos quatro: MC, MMG, JMF, e JEM.

Joana Lopes disse...

Vítor,
Tensa a certeza de que essa história de «O Jornal dos Corridos» não é uma brincadeira? Vi uma capa e interpretei como tal.

Vitor M. Trigo disse...

Bom, ao princípio, eu também pensei que era uma brincadeira.

Mas como encontrei várias referências ao tema, muitos comentários 8quase todos aproveitando para vitimizar MC), e nenhum desmentido, resolvi voltar ao assunto.

Pode ser que alguém esclareça.

No fundo, no fundo, deste tipo de gente tudo se pode esperar.