23.2.10

O futuro da Europa? Mas qual Europa?




Diz Mário Soares, no DN:

«Num contexto tão complexo, a União Europeia criou um grupo de reflexão sobre o futuro da Europa, presidido por Felipe González, cujo primeiro projecto, ainda incompleto, penso, tive o privilégio de poder ler e sobre ele reflectir. Parte esse texto do princípio de que a União está obrigada, em curto prazo, a fazer uma escolha decisiva: ou é capaz de responder positivamente aos desafios globais a que está, por força das circunstâncias, submetida, tornando-se um actor mundial reconhecido e competitivo; ou entrará em inevitável marginalização e declínio. Tornar-se-á "uma pequena península insignificante e pobre do grande continente asiático"…»

E eu acrescento: criar um grupo de reflexão foi sempre a receita milagrosa quando não se sabe de todo o que fazer. Tarefa agora facilitada porque, tirando uma reunião ou outra para a fotografia, tudo se pode fazer por mails e pdf’s. O mundo mexe-se a uma velocidade estonteante, os líderes europeus põem em Bruxelas colegas medíocres que não façam nem ondas nem sombras e nomeiam uns senhores para desenharem o «futuro da Europa» nos seus gabinetes e em breves passagens pelas salas de VIP’s de aeroportos.

Faço uma sugestão: constituam-se em grupo viajante em Classe Económica, incógnito, sempre com muito tempo livre para o mundo real – reúnam-se só à tarde. Comecem por exemplo em Bangkok, passeiem pelas ruas e comam gafanhotos fritos. Dêem um passeio de tuc-tuc em Hanoi. Regateiem preços e comprem relógios a dez dólares em Pequim. Vejam os indianos em Varanase, nas margens do Ganges. Passem depois por África, podem escolher o país. Numa qualquer terreola do centro dos estados Unidos, perguntem a um transeunte o que é a Europa. Pensem em Bruxelas vagueando pelas ruas de Buenos Aires. E façam um meeting final no morro do Cap Horn porque o vento agreste varre poeiras. Entretanto, vão pensando no tal futuro da Europa.

14 comments:

xatoo disse...

Ver o ciclo "as Cidades" na Gulbenkian (creio que é amanhã outro workshop)onde a "brigada vanguardista da cultura neoliberal" ataca: segundo os promotores trata-se de "uma investigação e criação de modernismo urbano na Europa, na América Latina e em África" – o que se encaixa perfeitamente no esquema neocolonial imaginado e perseguido pela social-democracia de Mario Soares n`”O Triângulo Ocidental”, quer dizer, onde existirem sociedades de falantes portugueses e espanhóis haverá a tentativa de dirigir e orientar essas comunidades no sentido de lhes extorquirem mais valias

Joana Lopes disse...

Ui, xatoo, admiro-lhe a paciência: nessas sessões ninguém me apanhou!

Manuel Vilarinho Pires disse...

A Europa não tem remédio.

Foi construída por governos (ou sábios) como uma Europa dos governos (ou dos sábios) e não como uma Europa dos cidadãos.

No plano económico, sempre deu uma no cravo (concorrência, economia de mercado) e outra na ferradura (subsídios, proteccionismos), e não pode deixar de ser assim porque os governos apontam sempre o martelo à ferradura.
Cria menos riqueza que a América, que aponta melhor ao cravo.

No plano da soberania, nunca há-de ser a soma das partes, mas o mero denominador comum entre dezenas de parcelas.
Se para disparar a bomba (em sentido figurado ou em sentido real) a América precisa de um decisor, a Europa precisa de dezenas.
Quando se conseguirem colocar de acordo, o alvo já lá não estará (nem a bomba...).

No plano político, o poder está todo no Conselho (de governos), o Parlamento não existe, e a Comissão é meramente a função pública que faz as normas para os legumes e os brinquedos de crianças, entre outras tarefas igualmente importantes.
O triunvirato que governa a Comissão está perfeitamente à altura das suas responsabilidades, porque não são nenhumas.

A Europa poderia ser diferente se fosse construída como uma Europa de cidadãos.
Mas como são os governos e os "sábios" a colocar os tijolos na sua construção, isso está fora de questão.
Não tem mesmo remédio.

PS: E no entanto, para quem, como nós, vem de uma ditadura, a integração na Europa que, apesar disto tudo, é democrática, é "fantástica" (superlativo tonto que está na moda mas que aqui decidi usar sem malícia).

Joana Lopes disse...

Estou pelo menos tão pessimista como tu, Manel. E se dei estes «conselhos» para que se veja a Europa de fora é porque, sempre que viajo, mais negro vejo o futuro de tudo isto.

Manuel Vilarinho Pires disse...

Bom dia Joana.

Acabo de tomar conhecimento de um site muito interessante e útil aonde podes reforçar o teu pessimismo, a base de dados do Portugal contemporâneo, ou Pordata (www.pordata.pt).
Aí acabo de verificar que a taxa de natalidade em Portugal evoluiu de 22,1 em 1968 para 9,8 em 2008.
Em 40 anos passamos de um valor suficiente para manter o nível da população se a esperança de vida fosse de apenas 45 anos para outro que exigiria que se vivessem 102 anos...
E nos teus destinos de classe económica, como é?
Se calhar, podiamos acrescentar àqueles problemas da economia, da soberania e da política na Europa, o problema do (da falta de) sexo na Europa.

:-) ou, pensando melhor, :-(

Joana Lopes disse...

Manel,
Abri ontem esse site mas não explorei.
Não será falta de sexo, mas sexo muito seguro...

Manuel Vilarinho Pires disse...

Fico mais descansado...
É que juntar à abstenção a abstinência colocaria a Europa num beco sem saída...

Miguel Serras Pereira disse...

Pois é, digamos que a Europa parece em vias de extinção à míngua de uma das suas criações maiores, a da cidania: gémea da filosofia - entendida aqui não tanto como disciplina especializada, mas como exigência e aprendizagem do exercício de dar conta e razão, responsavelmente, do que se propõe à iniciativa dos nossos companheiros de humanidade. Filosofia não-profissional nem especializada, filosfia que é, teoria não sobre a política, mas reflexão política inseparável da acção portadora e produtora de sentido que é a política. E por isso inseparável também da cidadania democrática que institui os habitantes da cidade como autores falíveis, mas responsáveis, das leis porque se governam, e que se dão a si próprios, sabendo que o fazem.

Sem dúvida, esta criação social-histórica é europeia pelo lugar de nascimento, mas por vocação universal, cosmopolita, enquanto horizonte internacionalista de "uma terra sem amos". Só que não sabemos se a sua universalização, parcial, acidentada, muitas vezes traída, estará hoje em condições de se afirmar contra as tendências arcaicas e pós-modernas conjugadas que a cercam por toda a parte do mundo, e é muito duvidoso que, para a reanimação democrática da cidadania na Europa e da sua afirmação como potência mundial efectiva, possamos contar com solidariedades exteriores suficientes para suprirem a apatia que continuamos a demonstrar.

Assim, só a democratização interna que devolva a política aos cidadãos aqui, combatendo as razões "económicas" das oligarquias governantes e o comando destas, poderá abrir caminho àquilo que seria também uma "política de potência" ou Realpolitik eficaz - cuja condição é, portanto, não ser apenas isso.

msp

Manuel Vilarinho Pires disse...

Caro Amigo,

O seu discurso é muito denso e eu confesso que tenho grandes dificuldades a compreendê-lo todo.
Mas percebo que está preocupado com a devolução do poder aos cidadãos.
Já pensou em experimentar círculos uninominais?

Miguel Serras Pereira disse...

Caro Manuel Vilarinho Pires,

suponho que a sua ideia é passar dos actuais representantes a mandatários ou delegados efectivamente vinculados pelo mandato dos cidadãos. Nesse sentido, aprovo-a. A melhor maneira de o fazer - e de despartidarizar os mandatos, e de tornar efectiva a possibilidade de deliberação das "assembleias de eleitores", etc., etc. - talvez precise de algum debate adicional. Seria importante suscitá-lo, sim.
Saudações republicanas

msp

Manuel Vilarinho Pires disse...

Boa tarde, Miguel,

A ideia é talvez menos ambiciosa ou menos "revolucionária" do que o que eventualmente possa estar a ler nela.
É simplesmente dividir Portugal em "n" círculos eleitorais, e eleger em cada círculo um único deputado à AR, por maioria absoluta com recurso a uma segunda volta se necessário.
É o sistema da eleição da Câmara dos Comuns no Reino Unido.
Não cabe aqui discuti-lo ou demonstrá-lo, mas eliminaria a esmagadora maioria dos problemas identificados na nossa democracia, essencialmente pelo facto de cada eleitor saber exactamente quem foi o deputado que elegeu e poder avaliá-lo na próxima eleição.
O único óbice é que é impossível de implantar sem um golpe de estado...
Porque devolveria aos eleitores o poder que lhes foi capturado pelos partidos.
E os partidos grandes são contra, porque de vez em quando são governo e preferem usofruir rotativamente de uma AR dócil e dependente do governo a uma AR que tem de prestar contas claras aos eleitores.
E os partidos pequenos são contra porque correriam o sério risco de não conseguir eleger nenhum deputado nos círculos uninominais.
E os "bloggers" e comentadores online ou offline não podem fazer aprovar uma revisão constitucional.

Cumprimentos, que não me oponho nada a que sejam republicanos.

Joana Lopes disse...

Manel,Diz-me que és monárquico e já ganhei o dia!!! :-)

Manuel Vilarinho Pires disse...

Joana, o único pensamento político que eu tenho (de facto tenho três ou quatro, mas não mais) é acreditar na virtude da concorrência.
Monar

Manuel Vilarinho Pires disse...

Joana,

O único pensamento político que tenho (de facto tenho três ou quatro, mas não mais) é uma firme convicção sobre as virtudes da concorrência.
Monarquia é monopólio...

PS: ("Post" reaccionário da semana)
As novas monarquias "de facto" têm vindo a ser todas instituídas nos países chamados "entre aspas" comunistas: Angola, Cuba, Coreia do Norte...
E eu não sou de esquerda!