6.3.10

Levantai hoje de novo?


Se gostei, como já escrevi, do que Manuel Alegre disse no Maputo sobre a língua portuguesa como factor que nos une às nossas antigas colónias, já o mesmo não se passa acerca de algumas manifestações a que assisti durante a recente visita de Sócrates a Moçambique. Estou a pensar, concretamente, no espectáculo de moçambicanos que, aparentemente com espontaneidade, cantavam o Heróis do Mar ao primeiro-ministro. Fiquei gelada. Não porque o facto em si seja especialmente importante, mas pareceu-me sintomático da complexidade das relações colonizado / colonizador.

Alguém conseguirá imaginar argelinos a entoarem a Marselhesa pelas ruas de Argel, numa qualquer visita de Sarkozy? Dir-me-ão talvez que a diferença abona a nosso favor. Não tenho a certeza: teremos deixado por lá a brandura dos nossos costumes e alguma sunserviência, o que não valorizo positivamente.

Mas é provável que a esquisita seja eu. Também fico transida quando oiço bater palmas em enterros.

P.S. - Eu, colona que nasci como portuguesa de segunda em Moçambique, não sei cantar o hino moçambicano. Mas aqui fica porque sempre o achei lindíssimo.

7 comments:

Jakk disse...

Creio que os franceses foram piores colonizadores que nós... mais pela imposição nunca pela integração. Numa semana que começou a 8 de Maio de 1945, reuniram em 3 wilayas (distritos) 45000 argelinos e fuzilaram-nos a todos. Lipeza étnica ainda frescos da libertação do jugo Nazi! E esta, hein???

Manuel Vilarinho Pires disse...

Se calhar há na alma dos portugueses alguma solidariedade que nos torna simpáticos aos olhos de outros com quem nos fomos cruzando no passado?
Aquela mesma que transformou a independência de Timor na causa que uniu mais todos os portugueses nas últimas décadas, que durante semanas sofreram a ver telejornais como se fossem familiares ou amigos a sofrer aquela violência, sem pensar se haveria um dinheirinho do petróleo de Timor que sobrasse para nós?
Se for assim, talvez o cantar do hino não seja um sinal de subserviência, mas de simpatia?

PS1: Todos? Não! Houve 2 que se manifestaram contra a corrente de solidariedade vigente, o Durão Barroso (talvez por invejazinha de nunca ter conseguido nada do Ali Alatas) e o Alberto João (talvez com medo que se fosse ali gastar dinheiro que depois não havia para lhe dar a ele).

PS2: Estou certo que o Dos Santos nunca permitiria que se cantasse "A Portuguesa" numa circunstância semelhante...

Joana Lopes disse...

Claro que a Guerra na Argélia foi terrível, Jakk, mas nós colonizámos durante séculos e também matámos.

Manel,
A nossa solidariedade «oficial» com os PALOP chama-se negócio (e por isso é maior com Angola, claro). E era de uma visita oficial que se tratava. E eram populares que cantavam, não uma parada militar.
Timor foi uma história diferente.

Jorge Conceição disse...

Não é comparável, nem o âmbito deste acontecimento tem qualquer paralelismo, mas há alguns anos assisti a uma pequena multidão de largas centenas de portugueses a entoarem a plenos pulmões a Marselhesa - em Lisboa no Largo do Município - por ocasião dum 14 de Julho!

(É verdade que a data o justificava: tratava-se do 2º centenário da Revolução Francesa... Acho que hoje isso já não seria possível, pois deixàmos de ter referências francesas na nossa cultura).

Manuel Vilarinho Pires disse...

Bom dia, Joana
No fundo, acho que estamos a dizer a mesma coisa.
A nossa relação com os PALOP tem uma vertente institucional onde vigora o maior cinismo (e de caminho se branqueiam fortunas colossais), e uma vertente humana onde parece existir uma afectividade profunda que resistiu aos excessos de algum colonialismo e das guerras de libertação, e que atinge mesmo aqueles que, como eu, nunca foram a nehum PALOP.
E esta última parece não se indignar mesmo nada por se prestar a cantar o hino dos outros, e desta vez parece ter prevalecido sobre a primeira, tanto mais que ocorreu num país da Commonwealth.
Como nós não teríamos tido a mais pequena hesitação em cantar o hino de Timor, se o conhecêssemos, naqueles dias terríveis de 1999 em que pudemos constatar que afinal o povo português (quase todo...) até é razoavelmente decente.
Mas não o cantaríamos ao Dos Santos, às suas filhas ou aos seus generais que, aliás, não se prestariam a ouvi-lo, porque não é isso que os traz cá.
Tudo colocado na balança, e mesmo aceitando que possa ter havido algum aproveitamento institucional da afectividade do povo moçambicano naquele cântico, eu vejo nele mais razões para nos sentirmos bem com a vida do que para nos lamentarmos.

Jorge,
Já tenho escrito aqui que não sou grande admirador da França nem dos franceses, e não lhes cantaria certamente o hino.
Mas é difícil ver, ainda que repetidamente, o "Casablanca" sem sentir uma certa emoção, ou mesmo comoção, ao ver cantar aquela Marselhesa.
Digamos que, em certa medida, não é apenas o hino, dos franceses, mas uma bela canção de liberdade, de todos os que apreciam a liberdade.

Joana Lopes disse...

Manel,
Eu não disse, nem creio pelo que vi, que se tratasse de um aproveitamento institucional - até me pareceu espontâneo e fui isso que me fez impressão.

Quanto à Marselhesa: eu, francofilíssima, gosto muito. Nos 200 anos que o Jorge refere, vivia na Bélgica e segui todas as lindíssimas comemorações.
Mas Casablanaca... é a guerra, a resistência, etc., etc. Mais do que a França.

septuagenário disse...

Gosto à brava de ouvir cantar o hino moçambicano...em português.

E isso basta.