9.7.10

Vão-se os dedos, ficarão alguns anéis


Este post foi escrito a convite do Delito de Opinião, onde foi hoje publicado. Aproveito para agradecer a hospitalidade e, também, para exprimir de novo o meu apreço por um espaço que visito diariamente e que é um dos locais mais apreciáveis da blogosfera, em termos de qualidade e de civismo.

Para os mais optimistas, a «crise» já passou, para outros o pior ainda virá. Tanto faz porque ela aí está, forte e dura, e os factos não permitem que ninguém consiga escondê-la.

Se, aparentemente, os gregos não venderão nem Corfu nem a Acrópole para acalmarem as empresas de rating, já Berlusconi não pestaneja e está disposto a encaixar uns belos milhões de euros por mais de nove mil «pedaços» de Itália, que serão colocados no mercado internacional. Não será (para já?) o Coliseu de Roma ou a catedral de Milão, mas muitos palácios, praias e ilhas inteiras. Ainda poderemos re-imaginar «A Morte em Veneza» na praia do Lido, mas, bem perto, na ilha de Sant'Angelo della Polvere, veremos em breve um pagode chinês e um templo budista ou um enorme palácio de um qualquer magnata do petróleo.
E quem instalará o quê no antigo palácio real de Palermo? Ou na Villa Giugla, do século XVI, em Roma?

É óbvio que estes territórios continuarão italianos e não serão anexados nem por Hu Jintao, nem pelo rei Abdullah, mas não deixa de fazer alguma impressão antever estas «dentadas» em heranças culturais europeias, porque aparecem um pouco como premonições de um qualquer fim à vista. Nós, europeus, não só encolhemos em número, como alienamos agora partes do nosso corpo e parecemos reduzidos à condição de contabilistas preocupados com deficits e contra-déficits, sem grandes rumos e com poucos horizontes.

Não que isso me incomode especialmente porque sei que sempre existiram declínios e fins das civilizações e nem sequer considero que se trate de uma desgraça para a humanidade - bem pelo contrário. Mas creio que é disso que se trata, a médio prazo, num continente que se considera ainda o centro do mundo e se recusa a reconhecer que já deixou de o ser.

Há algum tempo, aterrei em Frankfurt, vinda de Pequim, numa tarde chuvosa de um Sábado de Novembro. Na minha cabeça, estavam ainda as ruas cheias de multidões, os milhares de bicicletas e automóveis, o movimento que não parava durante vinte e quatro horas. Tive medo quando cheguei ao centro da cidade alemã: tudo era cinzento, chuviscava, não se via rigorosamente ninguém, até um gato preto fugiu alucinadamente quando encarou alguns seres humanos. A sensação que tive foi que a Europa tinha acabado durante as duas semanas em que eu estivera na Ásia e que ninguém me tinha avisado.

Pessimismo radical? Nem por sombras, apenas necessidade de perspectivar a realidade um pouco de longe. De perto, a vida continua, as férias estão à porta, os portugueses continuam a ir para Varadero, Cristiano Ronaldo é pai, o mais provável é que seja uma equipa europeia a ganhar o Mundial e o engenheiro Sócrates diz-nos que o futuro será risonho daqui a meia dúzia de dias!
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