19.9.10

Milagre chinês?


… é o título de um artigo de opinião muito interessante, de João Caraça, no Público de hoje (na íntegra, no fim deste post).

Integrado numa missão do Instituto Europeu de Inovação, J. Caraça regressou recentemente da China, impressionado com o nível das universidades que visitou e a qualidade dos cientistas que conheceu.

Bem longe da imagem ainda tão generalizada da grande fábrica de produtos baratos de baixa qualidade, sem inovação tecnológica, pura reprodução em cópia das criações dos avançados ocidentais, a China espera «conseguir dominar a evolução do seu crescimento económico e ultrapassar por meio de uma competição feroz os países do Ocidente», «com o beneplácito da alta finança (...) que não mostra especial afecto pela democracia». E sabe que «quem for capaz de propor ao mundo a próxima infra-estrutura física e comunicacional (…) ganhará a corrida».

Em que modelo político-ideológico? Para J. Caraça, a China continua a não querer «caminhar para uma economia de mercado capitalista como a dos EUA» - e dai o interesse em seguir de perto este caso, na fase de transição em que se encontra o mundo -, os chineses «estão apostados numa via mista, de um capitalismo de Estado transformado, em que sectores estratégicos permanecem firmemente sob o controlo do poder central, podendo nos outros sectores da economia funcionar os mecanismos de mercado, sujeitos naturalmente ao condicionamento tutelar do Governo». Numa situação que «não é estável, sendo mesmo passível de gerar enormes conflitos internos».

Uma novela com muitos capítulos por escrever e de desfecho totalmente imprevisível.

P.S. (20/9) - Em contraponto, longos excertos de uma entrevista recente a Noam Chomsky, na China:

«China has become a factory in the Northeast Asian production system. If you look at the whole region, you will find it very dynamic. China’s export volume is enormous. But there is something we have overlooked. China’s export relies heavily on the exports of Japan, Korea and the US. These countries provide China with high-tech components and technologies. China is just doing the assembly, and labelling the final products as ‘Made in China.’ (…)

Do you think the rise of China will change the world order? Will China play the role that the US is playing now?
Chomsky: I don’t think so; neither do I hope so. Do you really hope to see a China with 800 overseas military bases, invading and overthrowing other governments, or committing terrorist acts? This is what the America is doing now. I think this will not, and cannot, happen on China. I do not wish it to happen neither. China is already changing the world. China and India together account for almost half of the world’s population. They are growing and developing. But relatively speaking, their wealth is only a small part of the world. Both countries still have long ways to go and face very serious domestic problems, which I hope will gradually be solved. It is meaningless to compare their global influences with those of rich countries. My hope is that they will exert some positive influences to the world, but this has to be watched carefully.

China should ask itself what role it wishes to take in the world. Fortunately, China is not assuming the role of an aggressor with a large military budget, etc. But China does have a role to play.(…)

Let’s make a historical comparison. Was the rise of the United States a threat to democratic Britain?



João Caraça
Milagre chinês? (Público, 19/9/2010)

As grandes inovações de 2030 (uma nova Internet, uma nova forma de energia, por exemplo) estão a ser preparadas agora.

Regressei recentemente da China, que visitei integrado numa missão do EIT (o Instituto Europeu de Inovação e Tecnologia). O modelo que concebemos para o EIT, virado para o empreendedorismo e a inovação, para a criação de novas ideias, novas soluções e avanços organizacionais, mostra-se manifestamente interessante nestes tempos de globalização e de mudança. Visitámos um conjunto de excelentes universidades de investigação na China (e em Hong Kong), onde trocámos ideias com pessoas de grande qualidade científica, entusiasmo quanto ao futuro e falando perfeito Inglês. Verificámos que as preocupações e os desafios que enfrentamos na Europa não diferem assim tanto dos que agitam os chineses - e que existe um potencial endógeno de considerável magnitude nesse enorme país. Nada de admirar, pois se trata do resultado de uma política coerente de envio dos melhores estudantes para se doutorarem nas mais conhecidas universidades americanas ao longo dos últimos 30 anos. Com condições imbatíveis de atracção dos seus mais brilhantes cientistas, que constituíram instituições em franco progresso, a China procura agora nos outros países a capacidade que possivelmente necessita para poder jogar globalmente tal como os Estados Unidos.

O modelo da China para a inovação e o empreendedorismo é o modelo americano. Mas, pragmáticos como são, os chineses não descuram o que de novo se perfila no horizonte - daí o interesse pelo EIT. Mas quer a China caminhar para uma economia de mercado capitalista como a dos EUA? Penso que não, e aqui reside o enorme interesse em acompanhar os destinos do mundo neste período de transição.

Como Karl Polanyi explica no seu notável livro A grande transformação, o controlo da economia pelos mercados dá-se quando as operações dos mercados externos passam a predominar sobre as dos mercados locais. Ou seja, quando o comércio de longa distância gera quantidades de riqueza que despertam a cobiça da alta finança. A partir deste momento, a economia e os mercados de qualquer país passam a funcionar na lógica de um sistema-mundo capitalista que evolui - como mostra Immanuel Wallerstein de forma magistral em O Sistema-Mundo Moderno - desde a sua origem no século XVI até hoje. Este sistema é muito resiliente, pois está baseado na possibilidade de acumulação ilimitada de capital, tem a capacidade de alastrar sucessivamente a novas zonas do globo e não permite impérios no seu interior. Apenas favorece a existência de nações hegemónicas, por períodos de tempo relativamente longos, não necessariamente contíguos, como foi o caso das Províncias Unidas no século XVII, do Reino Unido no século XIX e dos Estados Unidos da América desde meados do século XX. É um sistema multipolar que se adapta geograficamente aos modos de acumulação mais eficiente do capital.

É evidente que os dirigentes chineses conhecem a história tão bem como nós. Mas estão apostados numa via mista, de um capitalismo de Estado transformado, em que sectores estratégicos permanecem firmemente sob o controlo do poder central, podendo nos outros sectores da economia funcionar os mecanismos de mercado, sujeitos naturalmente ao condicionamento tutelar do Governo. A situação não é estável, sendo mesmo passível de gerar enormes conflitos internos. Certamente, calculam os dirigentes da China conseguir dominar a evolução do seu crescimento económico e ultrapassar por meio de uma competição feroz os países do Ocidente. Contam com o beneplácito da alta finança, ou com a sua miopia: a alta finança não mostra especial afecto pela democracia. Sabem igualmente que quem for capaz de propor ao mundo a próxima infra-estrutura física e comunicacional (como os ingleses com o vapor, os caminhos-de-ferro e a navegação moderna há 150 anos, bem como os americanos com o petróleo barato e a produção em massa nos anos 1930 e, nos anos 1980, com as TIC- as tecnologias da informação e da comunicação) ganhará a corrida. E têm razão.

Só que a meta apenas será atingida por volta de 2030. Mas até lá não se pense que está tudo em aberto. As grandes inovações de 2030 (uma nova Internet, uma nova forma de energia, por exemplo) estão a ser preparadas agora. É esta a grande oportunidade de inovação para o Ocidente: os dados não estão lançados - o futuro depende de quem o souber escrever. É por este motivo que ideias como a do EIT devem ser apoiadas e acompanhadas de outras igualmente inovadoras e mobilizadoras. Só há derrotas quando se aceitam. Director do Serviço de Ciência da Fundação Calouste Gulbenkian e membro do Governing Board do EIT
...
...

2 comments:

Anónimo disse...

enfim é um pouco redutora a visão

Joana Lopes disse...

redutora de... ?