16.12.10

WikiLeaks, a árvore e a floresta


Não sei se há um antes e um depois de WikiLeaks, mas estamos certamente perante um fenómeno de uma grande complexidade, com impacto ainda longe de poder ser avaliado. São muitas as facetas de tudo o que está em jogo e é neste momento absolutamente evidente que cada um sublinha mais os aspectos negativos, ou os positivos, segundo a posição do seu periscópio pessoal.

Uma das questões mais frequentemente levantadas é a fiabilidade dos conteúdos que vão sendo divulgados pelos diferentes jornais a que a WikiLeaks fornece documentos. Mais exactamente, a possibilidade de os autores dos mesmos terem inventado o que escreveram, por pura desonestidade ou por um qualquer motivo pessoal escondido, terem aviado uns mails sob o efeito de um copito a mais ao jantar ou – e este é o motivo mais frequentemente referido – fantasiarem por quererem mostrar serviço.

Haverá de tudo, sem qualquer espécie de dúvida. Mas, se for verdade que estão em causa 250.000 documentos que não foram fabricados pelo WikiLeaks, e se admitirmos que os diplomatas autores dos mesmos não são, de um modo geral, elementos de bandos irresponsáveis mais ou menos criminosos (antes pelo contrário…), há que admitir, como hipótese de trabalho, que vêm aí muitos gigabytes de informação consistente e verdadeira.

É sabido que, em todos os arquivos de actividades que impliquem qualquer forma de espionagem ou de bufaria, há quem invente factos para mostrar serviço.

Só para citar um exemplo caseiro, os arquivos da PIDE, da Torre do Tombo, demonstram-no bem. É sempre útil falar de situações concretas e exemplifico com um caso pessoal. Numa das pastas que me diz respeito, figuro na lista das pessoas que organizaram e estiveram presentes na vigília da Capela do Rato, no dia 31 de Dezembro de 1972, a qual deu origem a várias prisões e à criação de um Processo autónomo onde o meu nome também figura. Acontece que não pus lá os pés, nem estava em Portugal nesse dia. Já me vi referida em textos que elencam os participantes e, há dois ou três meses, tive de aturar um historiador zeloso que, durante mais de uma hora, insistiu em me extorquir pormenores que eu saberia certamente, é verdade, se tivesse feito parte da organização do evento, e que seriam preciosos para determinados objectivos que o obcecam. Julgo que desligou o telefone convencido de que eu estava a mentir-lhe e que tinha mesmo participado na vigília do Rato…

E daí? Porque alguns agentes e informadores da PIDE inventavam quando não sabiam ou não viam, desvaloriza-se os arquivos da Torre do Tombo como um todo? Desconfia-se que a maioria dos documentos é falsa ou, pelo contrário, que a falsidade é excepção? Os historiadores desistem de os explorar à primeira incoerência que encontram? Claro que não!

É sempre a mesma história da árvore e da floresta…
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2 comments:

Dylan disse...

Não sei muito bem onde é a fronteira da liberdade da informação mas de certeza que não será no terreno onde a Wikileaks tem actuado. A sua política de terra queimada substitui o jornalismo pelo voyeurismo da opinião pública, ao melhor estilo de se saber qual é a cor do papel higiénico que os diplomatas usam. Como se não houvesse segredo de estado nem a diplomacia não fosse um manual de boas maneiras. Reconheço o papel relevante de Julian Assange na denúncia das violações de direitos humanos mas a sua organização acaba por fazer o mesmo que tanto a sua missão divina e protagonismo reclamam: espiar.

Joana Lopes disse...

A Wikileaks não está a substituir os jornalistas, mas sim a fornecer-lhe matéria para um trabalho de investigação, que eles tão mal têm feito.