5.6.10

Se não é facilitismo, é marketing


Nem entro nos detalhes da discussão sobre a possibilidade de alunos que acabaram / não acabaram, com sucesso / sem sucesso, o 8º ano poderem / não deverem fazer exames do 9º. Há tantas notícias, complementares e contraditórias, sobre o assunto, que é inútil sequer resumi-las e, ainda mais, contestá-las.

Mas ouvi ontem uma entrevista feita à ministra Isabel Alçada e retive dois aspectos que me parece importante sublinhar.

Primeiro, disse que será uma percentagem reduzidíssima de alunos, praticamente residual, que, hipoteticamente, poderá vir a tirar partido da nova medida. Estamos portanto no mundo do «mesmo que seja só um, valerá a pena»? Mas em nome de quê, e com que fim, se nem se estará a trabalhar para estatísticas? Window dressing, pura e simplesmente.

Segundo e mais importante, Isabel Alçada referiu-se várias vezes aos países em que não há «repetência», ou seja, na nossa linguagem corrente, em que não se chumba. O que não explicou é que se trata de uma cultura totalmente inexistente em Portugal e, na minha opinião, praticamente impossível de concretizar com seriedade, ou seja, com outro objectivo que não o de ficarmos melhor posicionados nos gráficos.

Concretizo com um exemplo: o meu filho fez uma parte do secundário numa escola internacional em Bruxelas, onde, segundo creio, não se praticava a tal repetência. Mas, em qualquer teste, ainda que o mesmo fosse bem classificado globalmente, até com nota elevada, uma resposta errada era «trabalhada» em conjunto pelo professor e pelo aluno. Por exemplo, se se tratasse de um problema de Matemática, não só se explicava a razão do erro, como se fornecia três ou quatro exercícios semelhantes a serem resolvidos, até se ter a certeza que a dificuldade encontrada no teste estava, de facto, ultrapassada.

É isto que se espera fazer, à pressão, nas condições existentes e com a motivação reinante no meio dos nossos professores? Acredite quem quiser.
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«Deixará a sua pele com a cor evocadora das belezas orientais»


E alguém se lembra do cheiro???
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Enquanto se falará (quase) só de futebol


«Papeles Perdidos», o excelente blogue de Babelia (El País), acompanhará o Mundial com a publicação de textos de escritores de países da Península Ibérica e da América, que se qualificaram para a fase final do campeonato, que tem início na África do Sul na próxima 6ª feira.

Neste «jogo literário-futebolísitico», Portugal será representado por valter hugo mãe (excelente escolha). Toda a informação aqui.

Ler também: Espejos de Sudáfrica e outros textos no Babelia de hoje
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4.6.10

Entretanto, na China – 4 de Junho e não só


Pouco se escreverá hoje sobre Tiananmen porque nos habituámos a assinalar apenas «aniversários redondos». Mas exactamente há 21 anos, em 4 de Junho de 1989, os tanques entraram na enorme praça de Pequim para esmagar violentamente os protestos estudantis. O resto da história é bem conhecido.

Se mais de duas décadas parece muito tempo, segundo a Amnistia Internacional, a simples evocação desta data ainda dá hoje direito a prisão. E nos meios de comunicação, Tiananmen é palavra tabu. Qualquer pesquisa na internet relacionada com a data de hoje faz cair a ligação, seja qual for a palavra-chave utilizada: 6.4, 4.6, 4689 ou mesmo 63+1.

Mas a China tem sido notícia, nos últimos dias, por outras razões, também trágicas: os suicídios de empregados da fábrica Foxconn (onze desde o início do ano), de onde saem prontos a ser usados belos e eficacíssimos iPhone’s.

Foi anunciado ontem um aumento de 30% nos salários, que passarão assim de 107 a 140 euros mensais, o que é certamente uma excelente notícia mas que não resolverá tudo, e estou certa que nem o essencial do que está em causa, quando se lê, por exemplo, que «o engenheiro de 27 anos que faleceu em sua casa na semana passada estava a trabalhar no turno nocturno há mais de um mês e havia dias em que chegava a fazer 24 horas seguidas».

E também porque tudo isto se passa na «aldeia» de Shenzhen, com 8.000 milhões de habitantes, que cresceu 2.700% (não há aqui zeros a mais) nos últimos vinte e cinco anos. Será que dá sequer para imaginar as perturbações de ordem social, e mesmo psicológica, que um fenómeno destes inevitavelmente provoca? «Um país, dois sistemas»? Qual é o segundo?

Entretanto, o patrão da Apple, Steve Jobs, vai declarando que «A Foxconn não é nenhuma “pocilga”. Há lá restaurantes, cinemas, hospitais e piscinas. Para uma fábrica, não é nada mau.» Aparentemente, não é tudo – quando estamos a falar de 400.000 empregados que trabalham em média 12h por dia, em seis dias por semana.

(Fonte, entre outras)
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P.S. - A propósito do aniversário de Tiananmen, ler: Memorias de la represión
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Mais um - menos um


Não sei quando comecei a ler Le Monde, mas julgo que terá sido quando estive em Paris pela primeira vez, durante algumas horas, entre a Gare d’Austerliz e a do Norte, a caminho de início de estudos em Lovaina. Lembro-me de o ter guardado religiosamente na minha mala que era, rigorosamente, de cartão.

Com alguns interregnos, nunca o perdi totalmente de vista, compro-o sempre que estou em França ou nalgum aeroporto por essa Europa fora, sem nunca me ter habituado, confesso, àquela estranha realidade de ler, à hora do almoço, um jornal com a data do dia seguinte. Em casa, percorro-o na net.

Com data de ontem, o Editorial anuncia que uma nova crise financeira obriga a recapitalização, que há vários grupos financeiros interessados no negócio e que facto este implicará, necessariamente, a perda de controlo por parte de quem agora o detém.

Ora acontece que este mítico órgão de comunicação social francês existe desde 1944 e é gerido desde 1951 (há quase 60 anos, portanto) pelo grupo dos seus redactores. Agora, será o fim desse ciclo:
«Quel est l'enjeu de cette recapitalisation? A l'évidence, une page de l'histoire du quotidien va se tourner. Depuis 1951, l'indépendance du journal a procédé du contrôle de sa gérance et de sa ligne éditoriale par la rédaction. Demain, quel que soit le candidat désigné, la Société des rédacteurs du Monde et, plus largement, les sociétés de personnels perdront ce contrôle majoritaire au profit du nouvel entrant.»
Inevitável, nada de especial, ainda menos de dramático, «é a vida»? Claro que sim. Mas é mais um ícone, um símbolo da independência de jornalistas que, mal ou bem e com muitas vicissitudes, se mantiveram (com limitações, eu sei) livres da pressão dos seus «donos». E sabemos bem qual o preço a pagar nas novas circunstâncias.

Custa-me mais ver esta «página virada» do que as ameaças de todas as Telefónicas deste mundo. Mas isso é porque sou uma portuguesa desnaturada e porque cada vez percebo menos de finanças.
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Home alone


Como anunciei ali ao lado, a partir de agora deixei de ter segunda habitação. Mas sem que este facto constitua um efeito colateral de qualquer crise.
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3.6.10

Manifs new fashion

Para sensibilizar os suíços contra os perigos do nuclear, Greenpeace organizou anteontem em Zurique o espectacular flashmob que o vídeo mostra.

À medida que se levantavam do chão, os activistas iam distribuindo panfletos com as três zonas de maior risco devidamente assinaladas.



(Notícia aqui)

P.S. – Mas não somos nenhuns pategos: também temos disso por cá. No Facebook, convoca-se para um Flash Mob de Homenagem na Feira Popular de Lisboa.
«É UMA HOMENAGEM Á FEIRA POPULAR. SÓ TENS DE LEVAR ALEGRIA, UM RAMO DE FLORES, OU LENÇOS E PANOS BRANCOS, E SE QUISERES, UM CARTÃO A ACOMPANHAR COM UMA DEDICATÓRIA À FEIRA POPULAR PARA LÁ DEIXAR NO LOCAL.»
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Rosa Coutinho – o último


Para trás, tinham ficado os primeiros telefonemas da madrugada de 25, a rua desde o amanhecer, o Terreiro do Paço, o Largo do Carmo, o megafone de Francisco Sousa Tavares, os cravos nas espingardas, a inesquecível saída do tanque com Marcelo Caetano, as primeiras edições de jornais sem censura.

E depois? Serão de festejo e de alívio? Nem tanto assim: é fácil esquecer hoje a inquietação pela ignorância sobre o que se seguiria, as longas horas com os olhos colados aos televisores, a espera por um comunicado repetidamente adiado, o desconforto provocado pelo carácter genérico e ambíguo do mesmo, o ar sinistro do estúdio.



No dia seguinte, regressou-se à rua, à António Maria Cardoso, à saída dos presos em Caxias. Voltou a alegria.

Ontem, quando caiu a notícia da morte de Rosa Coutinho, só me ocorreu o seguinte: com o desaparecimento do último dos protagonistas daquela noite televisiva, virou-se uma página. Fechou-se a memória possível, fica apenas a história.

O resto? Elogios e acusações que estão a inundar a blogosfera e não só. Passam-me ao lado.
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2.6.10

Serões musicais

Ontem, no Facebook, divulguei um vídeo de Hughes de Courson, o que desencadeou uma série de ligações para vários outros. Já hoje, a Shyznogud remeteu para este que eu não conhecia.

Tal como ela e com 24h de atraso, deixo-o aqui, em jeito de comemoração do Dia da Criança – um pretexto tão válido como outro qualquer…



Mais alguns:

* Bach to Africa

* Vivaldi in Ireland

* Mozart in Egypt
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Entretanto, em Cuba


As semanas vão passando e há dramas que continuam mas que desaparecem de ecrãs e dos teclados, porque há sempre outros que legitimamente passam a ocupar a boca de cena.

É o caso da greve de fome de Guillermo Farinãs, que dura há 98 dias, e que já nos habituámos a não recordar. Acontece que o seu estado se agravou ontem e que, uma vez mais, o fim pode estar próximo. Registe-se.

Entretanto, e como foi largamente noticiado, os bispos cubanos exerceram uma forte pressão junto do governo cubano para que os «presos de consciência» fossem transferidos para prisões situadas perto dos seus locais de residência, processo que já foi iniciado. Boas notícias, portanto.

Quanto ao ziguezagueante cantor Silvio Rodríguez, deu ontem uma conferência de imprensa em Nova Iorque em que admitiu que, apesar de ter violado as leis do país, a maioria dos «presos políticos» cubanos deveria estar já em liberdade. Simultaneamente, pediu a libertação de cinco espias cubanos que cumprem pena em prisões americanas.

E voltou à sua velha teoria da eliminação do «R» em (R)evoluão: «Yo sigo creyendo en la revolución, pero en algunos aspectos ha envejecido». É necessário «que se elimine la "erre" de "Revolución" para que se vaya a la "Evolución", tanto política, dijo, como social». Fica-me sempre a dúvida de perceber se acredita, de facto, no que está a dizer ou se se trata de simples acção de marketing, não cantada.

Como adenda, vale a pena ouvir um elucidativo excerto da mesma conferência de imprensa, sobre um outro tema:


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Amos Oz sobre Israel (2/6/2010)


«For 2,000 years the Jews knew the force of force only in the form of lashes to their own backs. For several decades now we have been able to wield force ourselves. Yet this power has, again and again, intoxicated us. Again and again we imagine that we can solve every problem we encounter with force. To a man with a big hammer, says the proverb, every problem looks like a nail. (...)

The problem is that we are not alone in this land, and the Palestinians are not alone in this land. We are not alone in Jerusalem and the Palestinians are not alone in Jerusalem. Until we, Israelis and Palestinians, recognise the logical consequences of this simple fact, we will all live in a permanent state of siege – Gaza under an Israeli siege, Israel under an international and Arab siege.»

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Entretanto, em Espanha


Foi criado um portal digital - Víctimas de la Guerra Civil y Represaliados del Franquismo -, que abrange um período que vai de 1936 a 1977 e onde figuram os dados de 750.000 vítimas da Guerra Civil, de ambos os lados.

(Fonte)
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1.6.10

Delírios


«Invadido pela preguiça e ao ver que não penso fazer nada, imagino, sem sair da cama, que me contrataram para dar conselhos ao governo catalão. Reparo que, embora os dias da semana tenham nome, as noites da semana ainda não foram baptizadas por ninguém. Decido então sugerir ao governo que comece a procurar um nome para essas noites. E digo para comigo que hoje já trabalhei o suficiente. A minha ideia poderá interessar ao governo? De certeza que, da maneira como aceitam tantas iniciativas extravagantes, pensariam que mais uma não teria importância.» (p. 79)
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Poesia ou prosa?


Não esquecer que Cavaco é doutorado em Literatura. Manuel Alegre que se cuide…

(Recordado aqui)
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Inconformismo em tempo de crise


Para quem não tenha lido a excelente crónica de Rui Tavares no Público de ontem, fica o link para o texto na íntegra e alguns excertos.

«O individualista mais empedernido não deixará de reconhecer que uma multidão com objectivos comuns consegue coisas incomuns. Se as escolhas são claras e as opções em cima da mesa são colocadas de forma honesta, tornam-se superáveis as mais difíceis crises. Os países que venceram a Grande Depressão fizeram-no assim, mobilizando a população desempregada, não desperdiçando as suas forças, dando às pessoas uma oportunidade para resolverem em simultâneo os seus problemas e os da conjuntura. Não teriam vencido a crise contra as pessoas; vencê-la com as pessoas parece mais fácil — e não parece que haja outra maneira.

Ser democrata é, hoje, talvez a atitude mais inconformada que há. O conformismo é que está hoje — se não o foi sempre — antidemocrata por natureza. O inconformismo e um plano podem ganhar as próximas eleições presidenciais (espero que Alegre não se esqueça disso, agora que tem o apoio do PS) mas, acima de tudo, podem ganhar um país. (…)

A democracia pode acabar com a crise, mas a crise está mais perto de acabar com a democracia.»

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31.5.10

If man is still alive

Quem anda pelo Facebook sabe que há ali uma verdadeira mina onde todos os dias (todas as noites, sobretudo) são desenterradas, do enorme baú que o Youtube é, as mais esquecidas velharias em termos musicais.

Foi o caso, há dois ou três dias (obrigada, José Moura) para este magnífico 2525, de 1969.



In the year of 2525
If man is still alive
If woman can survive
They may find
(...)
Now it's been 10.000 years man has cried a million tears
For what he never knew now man's dream is through
But through eternal light the twinklin' of starlight
So very far away now it's night to yesterday

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Por caminhos tortuosos


É um erro reduzir a importância das crónicas que César das Neves publica semanalmente no DN a meros pretextos para comentários jocosos, como eu própria o tenho feito muitas vezes. Porque há milhares de pessoas que as lêem e porque o autor está a ter cada vez mais tempo de antena, como foi patente este fim-de-semana, a propósito do desagrado de alguma direita com Cavaco Silva por este não ter vetado a lei do casamento entre pessoas do mesmo sexo.

O texto de hoje volta aos mesmos temas de sempre – família, aborto, divórcio, etc., etc. -, CN afirma que «o Tribunal Constitucional cede à ideologia e o Presidente lava as mãos como Pilatos», mas como uma nuance mais subtil: relaciona as problemáticas e as decisões com a fragilidade da democracia e acena com novos papões.

Refere «o totalitarismo do orgasmo» da actual «modernidade» para perguntar o que salvará a identidade nacional se a situação se alterar e amanhã «tivermos um parlamento nihilista, espírita, xenófobo ou iberista».

Mais: recorre à ameaça do perigo amarelo frisando que «o sucesso chinês revela um modelo alternativo, mostrando que se pode atingir a prosperidade sem liberdade». Ou seja: avisa que o perigo somos nós, «os maus», já que «o pior ataque ao pluralismo, hoje como sempre, vem de dentro, dos abusos dos democratas». Só falta chamar-nos fascistas.

Quem pensar que este tipo de argumentos só tem eco nos taxistas, engana-se: ele anda por aí e está a causar estragos.
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A Europa e as suas dívidas

Imperdível. Tinha visto em «O Eixo do Mal», repesquei agora no Arrastão.


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Alegre: a procissão entrou agora no adro


Chegou ontem, como anunciado, o apoio do PS. Sempre fica bem que tenham sido contados dez votos contra e uma abstenção, unanimismos dariam mal aspecto «à coisa». Mas, depois de tantos receios, cem adiamentos e mil declarados alaridos, não deixa de ser estranho que tenham sido poucas as vozes negativas, numa Comissão Nacional de tão grande dimensão. Mas adiante.

Sócrates falou de decisão «baseada na ética da responsabilidade» e de apoio «em nome de uma visão progressista para o país» (*). Sublinhe-se, e volte a sublinhar-se, que a palavra «esquerda» parece ter desaparecido, provisória ou definitivamente, do vocabulário do nosso PM, quando pareceria a mais evidente a ser usada na circunstância em causa. Mas adiante, uma vez mais.

A bola está agora do lado de Manuel Alegre e as primeiras declarações que fizer, já como candidato oficial do PS e do Bloco, serão decisivas. Porque foi mais do que ruidoso o silêncio a que se remeteu nos últimos tempos, não escapando à interpretação (óbvia?) de que nada diria de «perigoso» até ter o apoio do PS. O que desagradou a muitos.

Simultaneamente, foi crescendo o número dos que teriam preferido um outro desfecho por parte do PS. Ontem, quando começou a saber-se que saíra fumo branco da reunião da Comissão Nacional, e mesmo antes das declarações de Sócrates à saída da mesma, dizia-me um militante bem disciplinado do Bloco: «Alegre acaba de perder 10% de votos». E, por exemplo no Facebook, regressaram imediatamente os apelos lancinantes para que Carvalho da Silva avance.

Por todas estas razões e por ainda mais algumas, a «esquerda», incluindo nela uma percentagem significativa dos militantes socialistas, escalpelizará cada frase e todas as palavras da próxima intervenção de Alegre. Posso estar enganada, mas julgo que, nos próximos dias, ele poderá perder - ou ganhar - muitos votos. Quem sabe, até, a possibilidade de apear ou não o inefável senhor de Boliqueime.

(*) Sobre a utilização do termo «progressista», leia-se o que escreveu Rui Bebiano. No que me diz respeito, continuo a associá-lo aos tempos longínquos em que com ele era etiquetada na minha qualidade de católica. Mas isso foi no tempo em que os animais ainda falavam.

ADENDA: Se a esquerda quiser ganhar Belém, de Miguel Cardina.
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30.5.10

O Grito do Porto?


Haverá um Partido do Norte, lá mais para o Outono, que quer eleger deputados já nas próximas eleições.

Plataforma para defesa dos interesses nortenhos, contra «o centralismo vigente em que todos trabalham para alimentar uma corte macrocéfala em Lisboa», «força pragmática, sem limitações ideológicas», que agrega, desde já, nomes conhecidos do PS, PSD e CDS. Nada contra a defesa de uma região, antes pelo contrário, excepto que me faz sempre a maior das confusões estes frentismos: para defender o Norte, o Sul, o Este ou o Oeste, é sempre de política que se trata e não vejo que seja suficiente ser-se «contra» qualquer coisa para se criar um partido. Mas admito que esteja a escapar-me algo.

Existem aparentemente algumas dificuldades de ordem prática, já que a Constituição não permite partidos regionais, mas no drama: ou serão ultrapassadas por revisões, recursos e reclamações ou muda-se o nome. «O Grito do Porto» poderá ser talvez uma boa sugestão que não deixará certamente de ocorrer a um dos mais entusiasmados promotores: Pedro Baptista, ele que, nos idos de 71, foi co-fundador de «O Grito do Povo». Seria um certo paralelo com as origens, tal como o nome do seu blogue faz inevitavelmente lembrar o lema maoísta: «Servir o Povo».

P.S. – Os objectivos do novo partido aqui explicados por outro dos seus promotores, Carlos Abreu Amorim.
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Falemos então de futebol


Ao ler que João Garcia foi convidado para motivar os jogadores portugueses que se preparam para o Mundial, liderados por Carlos Queiroz, rebobinei vinte anos.

Estava-se em 1990, eu acabara de regressar de La Hulpe, na Bélgica, onde estivera três anos destacada num centro da IBM (em international assignment, como soía dizer-se) e fui convocada para uma reunião de directores.

Vi na agenda que alguém, com nome português mas que nada me dizia, faria uma conferência sobre liderança e treino (leadership & coaching, obviamente). Fez e explicou – brilhantemente, aliás – como se formam equipas, como se mantêm motivadas, o que é fundamental para que sejam vencedoras, a importância do colectivo.

Estranhei, mas rapidamente entranhei, que se tivesse convidado um treinador de futebol. Porque o conferencista se chamava Carlos Queiroz. E porque, poucos meses antes, Portugal vencera o campeonato de sub-20 em Riade.

Vinte anos mais tarde, ele aí está, esperando-se que não esqueça o que João Garcia terá agora ensinado. Porque a África do Sul fica num paralelo muito distante do Everest mas, em termos de dificuldade, não lhe ficará muito atrás quanto a «altitude».
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Cada cor seu paladar

Três livros recentes, muito importantes para quem se interessa pela história deste jardim à beira-mar plantado.

Miguel Cardina, O essencial sobre a Esquerda Radical, Angelus Novus.
«Mas o que havia de comum - e de diferente entre Marcuse e Che Guevara, entre a retórica de Maio de 68 e o maoísmo ocidental, entre a combatividade do canto de intervenção e o hedonismo da contracultura norte-americana?»


Paulo Bárcia e António Silva, Movimento de Esquerda Socialista - uma improvável aventura, Edições Afrontamento.
«Gente que, ao rever-se hoje naquela improvável aventura, sente um misto de nostalgia e de orgulho. Nostalgia por um dos melhores e mais apaixonantes períodos da sua vida. Duplamente orgulhoso, por ter militantemente ajudado a derrubar uma ditadura e um império anacrónicos sem nunca ter pactuado com o gulag russo ou chinês»



Carlos Brito, Álvaro Cunhal, sete fôlegos do combatente, Edições Nelson de Matos.
«Foi um extraordinário período da história de Portugal e do mundo, em que aconteceu o melhor e o pior para os ideais de Álvaro Cunhal e também para os meus.»
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