28.3.11

À esquerda, volver?

@Gui Castro Felga

Portugal vai no décimo século das suas histórias, já por cá andavam bem antes muitas gentes, e nada leva a crer que venha a ter um fim este ano, antes dos festejos do Santo António em Lisboa e de São João no Porto. Reina por aí um estado de alma generalizado de catastrofismo, que em nada ajuda a tirar partido da situação calamitosa (é verdade…), a que aparentemente chegámos.

Por muitos cenários, arranjos ou combinações que os protagonistas imaginem, e que o dr. Marcelo maquiavelicamente desmultiplique, uma coisa parece certa e Monsieur de La Palice não me contradiria: depois das próximas eleições, o PS ou ficará no governo ou na oposição.

Se o PSD for o partido mais votado e, por uma qualquer razão, precisar de albergar Sócrates e as suas tropas, estamos conversados. Adiante. Apenas me interessa acautelar a hipótese de se repetir o cenário de 2009, ou seja, de o PS ganhar mas sem maioria absoluta. Pouco provável? Não sei, mas certamente possível.

Nesse caso, será de excluir, julgo, fazer rewind e recomeçar, como nada se tivesse passado, ou seja, ter o PS de novo a governar sozinho, em minoria. Nem o próprio Sócrates é suficientemente louco para uma aventura dessas, o dr. Cavaco nunca o permitiria e até a senhora Merkel desembarcaria na Portela para o impedir. Mistura com a direita? É o mais provável, com a habitual vitimização de todos os Franciscos Assis e Silvas Pereira do nosso universo, que continuarão a gritar que a culpa é da esquerda que nem é o lobo mau, mas sim o péssimo, e que o virtuoso capuchinho vermelho nada pôde fazer.

Por todas as razões e por mais esta, antes disso e desde já, a esquerda da esquerda – PCP e Bloco - tem obrigação de encostar à parede, honestamente, com toda a frontalidade e uma vez por todas, o Partido Socialista, mostrando-se disposta a com ele governar este país. Não faltam propostas, pedidos lancinantes e petições, para que Jerónimo de Sousa, Louçã e as suas tropas entrem no Rato, de braço dado, para uma (inimaginável) reunião de trabalho. Parece-me impossível, pelo menos em tempo útil, e nem sequer necessário, porque podem fazer as suas propostas separadamente. Se o PS quisesse (se quiser…) aceitar esta viragem, levar o futuro a sério e perder sobranceria, então talvez o país continuasse a votar à esquerda sem ser governado à direita, com esta fatalidade absurda que nos persegue desde há muito.

Mesmo que não queira, os dois partidos que «não são do arco da governação» devem passar por esta prova de fogo, e de vida, e sairão do doloroso período que se avizinha de cabeça levantada e com um novo ânimo. Os seus militantes e os seus eleitores merecem-no – e têm mesmo o direito de o exigir.

P.S. - Por tudo o que escrevi, assino por baixo o último parágrafo da crónica de Daniel Oliveira no Expresso do último Sábado (p. 43 do Caderno Principal, O teatro ou a vida), que ainda não está disponível online.
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6 comments:

Diogo disse...

Daniel Oliveira parece sedento de poder. Nem que tenha de fazer um pacto com o diabo.

Joana Lopes disse...

Caro Diogo, isso é o que se chama ser preso por ter cão e ser preso por não ter...
Assumo que, para si, o diabo é Sócrates?

vmsda disse...

Como li algures - não sei se foi em "a terceira noite" - esse trabalho já devia ter começado a ser preparado há vinte anos. Agora é tarde, esse arco da governação já está partido (basta lembrar aquela votação da passada sexta-feira).

Joana Lopes disse...

vmsda, essa de agora ser tarde tira-me do sério: espera-se mais 20 anos de braços cruzados?

vmsda disse...

Bem, eu cingi-me ao label do post, "Eleições 2011". Se lá estivesse também qualquer coisa como "Memória Futura", eu nem tinha aberto a boca :)

Joana Lopes disse...

Mas, vmsda, eu estou a pensar no curto prazo.
Vamos ter, inevitavelmente, dois meses que podem ser vividos de modos diferentes: totalmente estéreis (ou etéreos...) ou aproveitados para se tentar alterar o rumo do que tem sido o «convívio» entre as esquerdas. E não só ao nível das cúpulas mas de todos os que, de um modo ou outro, intervêm no espaço público.