5.5.11

É mesmo isso: o FMI à perna

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Não sou especialmente «atreita» a sentimentos patrióticos, bem pelo contrário, mas confesso que a conferência de imprensa dos senhores da troika me estragou o dia, mais do que era previsível.

Para além do conteúdo do Memorando, já conhecido, aquelas intervenções constituíram a proclamação de um verdadeiro atestado de incapacidade e de incompetência passado a um país, ao vivo e a cores. Não porque os diversos discursos tenham trazido alguma novidade, mas porque evidenciaram o que já vinha a incomodar-me nas últimas semanas: o detalhe da intervenção em curso fora dos domínios especificamente económico-financeiros.

Um exemplo quase ao acaso: «3.78. Annually update the inventory of all practising doctors by specialty, age, region, health centre and hospital, public and private sector so as to be able to identify practising, professional and licensed physicians and current and future staff needs by the above categories.»

Outro: «4.10. The Government will continue action to tackle low education attainment and early school leaving and to improve the quality of secondary education and vocational education and training, with a view to increase efficiency in the education sector, raise the quality of human capital and facilitate labour market matching.»

Se quem me empresta dinheiro estabelece condições e prazos de pagamento, certamente que não se sente no direito de me exigir que coma batatas em vez de bifes, que obrigue os meus filhos a fazer os TPCs ou que apague as luzes às 10 horas da noite!

Ora é disso que se trata: estamos perante um verdadeiro programa de governo (com alguns detalhes em aberto para compor o puzzle) e, segundo julgo, num plano e numa escala bem diferentes do que se passou em 1977 e em 1983. Claro que posso estar enganada e traída pelo esquecimento de factos (não creio), mas a leitura de um post que a economista Manuela Silva acaba de publicar (ela que, por dever de ofício, se recorda certamente muito melhor do que eu destas histórias passadas) vem dar-me razão:


É assim - para nossa (maior) desgraça.

(desenho da Gui Castro Felga, claro)
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1 comments:

Joana Lopes disse...

Copio para aqui um comentário deixado por Artur Neves no facebook:
«Em 1977 o neoliberalismo estava em "período experimental" no Chile. Em 1983 dava os seus primeiros passos no mundo democrático. Se a nível académico a ideologia estava já então bem consolidada o mesmo não acontecia a nível das instituições, como o FMI, o Banco Mundial e outras. Desde então tudo mudou. Das instituições de Bretton Woods até à UE, passando pela OCDE e pela OMC, a ideologia neoliberal metastizou-se. Aceitar uma receita de qualquer destas entidades é agora aceitar um programa de neoliberalização da economia e da sociedade que contempla praticamente todas as suas sub-dimensões. Vários povos da América Latina, da Ásia e da Europa do Leste já tinham experimentado esses choques. Chegou agora, com o contra-ataque que o capitalismo financeiro desencadeou em 2009, depois de ter sido colocado em questão pela crise do subprime de 2007/2008, a vez da Europa Ocidental conhecer "como se faz".»