29.5.11

A grande ajuda?


Manuel Brandão Alves publicou mais um texto muito esclarecedor no blogue «A Areia dos Dias«: A Grande Ajuda, o Grande Empréstimo e os riscos do Abismo.

Como vai sendo recorrente, e ainda bem, é mais uma voz a insistir no facto de os acordos que Portugal estabeleceu com a EU, BCE e FMI não deverem ser apelidados de «ajuda».

Alguns excertos:

«Têm vindo os órgãos de comunicação social, os comentadores de política, e de economia e muitos responsáveis políticos, a designar esta operação como “grande ajuda ao nosso país”. Sem ela, segundo eles, cairíamos, facilmente, no abismo. No entanto, mesmo sem nos socorrermos de qualquer valoração de carácter político, vale a pena interrogarmo-nos sobre se a utilização do substantivo “ajuda” é adequado nas actuais circunstâncias.

Considerando os critérios da OCDE, para classificar os fluxos financeiros que se processam entre países como sendo, ou não, ajuda externa, não se pode concluir que os 78 mil milhões que, por tranches, vão periodicamente chegar a Portugal, possam ser considerados como uma ajuda. Nele não encontramos qualquer componente de “dom” (donativo), para que o possamos classificar como ajuda.

Mesmo assim poderíamos perguntar-nos se não pode ser considerado ajuda o facto de o empréstimo ser concedido a uma taxa de cerca de 5% de juros anuais, quando as colocações de dívida no mercado ameaçavam poder vir a ultrapassar o limiar dos 10%. Para se poder dar uma resposta teremos que nos interrogar sobre a justeza da “norma” (o normativo).

Para quem considerar que o normativo é a taxa de 10% sugerida pelos mercados, o facto de se poder vir a pagar uma taxa de 5% é, claramente, uma ajuda (50% de dom na taxa de juro). Contudo, a evolução dos acontecimentos e a passagem do tempo encarregaram-se de nos demonstrar que a taxa de 10% não é, de facto, uma taxa normal e não pode, por isso, ser tomada como uma taxa de referência.»  
(Ler o que se segue.)

O texto termina com previsões sobre oque nos espera:

«A questão, agora, é a de saber se, com as condições que foram subscritas para obter o empréstimo, não iremos, de novo, cair no risco do abismo (vide as notícias, em crescendo, de empresas com salários em atraso, para já não falar do aumento da taxa de mortalidade das empresas) sendo obrigados a renegociar com os credores as referidas outras alternativas, mas então, em condições que não poderão deixar de ser mais gravosas.

Não há dia que passe em que não haja, cada vez, mais vozes a partilhar a opinião de que tal será inevitável. No entanto, esta não é uma questão, apenas, de opinião subjectiva. Ela pode ser suportada por robustos argumentos de natureza técnica.»
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11 comments:

Manuel Vilarinho Pires disse...

(Joana, embuída do espírito natalício de um dia como hoje, vais-me certamente perdoar esta tomada de empréstimo de um espaço que é teu)

Esta é para a Júlia que, algures, nos pode estar a ler...

Ó Júlia, eu não sou "muito de direita", nem sou sequer "pouco de direita", eu sou mesmo é "nada de direita"!

Se me perguntares o que penso sobre o aborto, o casamento entre pessoas do mesmo sexo, a poligamia ou a poliandria, o consumo e tráfico de estupefacientes, a eutanásia, até de conduzir sem cinto de segurança, temas que costumam ser usados para marcar uma fractura entre a esquerda e a direita, vais perceber que até posso considerar as posições do BE puritanas. Sou completamente liberal, querendo isto dizer que até ao limite em que limita a liberdade dos outros, a liberdade de cada um deve ser ilimitada.

Se me perguntares a minha ambição de chegar a ver "in my lifetime" no domínio da vida material, seria, não de ver toda a gente conseguir "um andar no Bairro Alto e uma quinta em Azeitão", mas de ver toda a gente disposta a trabalhar ter uma vida em que o medo da fome não lhe condicione a liberdade, que possa ter acesso a uma habitação decente sem se arruinar, que possa ter acesso a cuidados de saúde decentes sem se arruinar, que possa oferecer-se ou aos filhos uma educação à altura das suas ambições e vontade de estudar sem se arruinar. E isto em paz e em liberdade. Não anda muito longe da lenga-lenga de "..a paz, o pão, saúde, educação, ...liberdade a sério...". Não sei se são causas "de direita", mas parece-me que não.

Sucede que alguns conhecimentos de Economia e algum bom-senso me foram ensinando ao longo do tempo que estas metas não são mais facilmente atingíveis pelas receitas de gestão que a esquerda persiste em prescrever e, pelo contrário, são mais facilmente atingíveis através de uma gestão liberal (liberal, de novo...) da economia.
E a Economia não é uma religião, em que primeiro se decide ter fé e depois se acridita por fé naquilo que se quer acreditar. É uma ciência, em que se investiga, ou seja, se formulam hipóteses, se desenham métodos para as testar e se submetem ao teste dos factos, que as confirmam ou eliminam.

Posto tudo isto, eu não me classificaria como "de direita", classificar-me-ia antes como "de esquerda", mas com uma preferência por determinar o caminho para atingir os objectivos através daquilo que a ciência (económica) nos ensina, e não através das fantasias ou fezadas que a esquerda quase sempre prescreve e não conduzem a lado nenhum.

De um humilde comentador, para uma ilustre leitora...

(Obrigado pelo espaço, Joana, Deus te pague...) :-)

Joana Lopes disse...

Muito bem e fico à espera da resposta da Júlia.
E não poderá dar a desculpa de não ter visto este comentário, porque vou avisá-la da sua existência...

Pedro Coimbra disse...

Olá Joana,
Passo a ser seguidor do blogue.
Esta precisão é bem importante.
O erro que aqui é apontado tem sido comum.
Portugal não está a ser ajudado coisa nenhuma.
Pediu um empréstimo, sob determinadas condições, como qualquer um de nós pode fazer.
E, como é de um empréstimos que se trata, tem que devolver as quantias que lhe foram adiantadas.
Acrescidas dos juros negociados.
Ajuda não é bem isto.
Cumprimentos desde Macau

Manuel Vilarinho Pires disse...

Caro Pedro Macau (private joke do Alto Minho),

Eu acrescentaria ao que disse que, se o juro é bonificado (e é substancialmente bonificado), o crédito é concedido mediante o compromisso do devedor de medidas que procuram reduzir o seu risco de insolvência, o que por sua vez justifica a redução do juro comparativamente com o valor de mercado. Ou seja, nem a bonificação do juro é, sequer, uma "ajuda".

Mas acrescento também que, por contraponto, há outra imprecisão na terminologia habitualmente usada para qualificar esta operação: a de que Portugal vai "ser forçado a cumprir as exigências" da troika, em vez de decidir democraticamente as medidas que deve tomar para fazer face à situação de crise. Portugal não vai cumprir exigência externas nenhumas, vai simplesmente cumprir o compromisso que assumiu voluntariamente para conseguir crédito mais barato que no mercado.
Se perde liberdade no processo, é a perda de liberdade natural de quem recorre ao crédito e fica por isso obrigado às condições que negociou para o contrair, incluindo, mas não exclusivamente, o compromisso de devolver o dinheiro acrescido dos juros.
Cumprimentos

Anónimo disse...

Para o Manuel Vilarinho Pires:
A Júlia ainda está a ler... e há-de responder... logo que consiga arrebatar o tempo!
Fiquei amigavelmente tocada pela forma sincera como abriste o teu pensamento.
Peço-te, no entanto, que aceites que necessito de tempo, para te responder.
Como te disse, não quero habitar no tempo e no no espaço facebookeano». Recuso-me a viver numa espécie de «incomunicabilidade sufocante» onde o curso acelerado do tempo consome rapidamente o presente e impede que ele actualize o passado.
Acredito que cada um de nós - tu, a Joana ou eu - à sua maneira, acarreta o sonho de habitar uma orgânica social mais perfeita... mas o desassossego está na política pura e dura!
Por agora, para o Manuel e para Joana, apenas consigo invocar uma frase de Fellini «Nada há mais honesto que um sonho...»
Júlia

Manuel Vilarinho Pires disse...

Caro anónimo:

:-)

Joana Lopes disse...

Antes de mais, Manel, conseguiste uma proeza: que eu leia um primeiro comentário da Júlia, em vários anos de blogosfera.

Em segundo lugar, Júlia, eu ainda hei-de perceber essa tua recusa do Facebook e vou tentar averiguar se se trata de proibição conjugal!!! :-))) Por exemplo, estás a perder um rol de testemunhos que se seguiram ao almoço de Domingo e que gostarias bem de ler - a vingança serve-se fria…

Por fim, e esta vai divertir-te, Manel: a Júlia, que fala aqui de «incomunicabilidade sufocante», também já tinha usado a expressão «incomunicabilidade sufocante da realidade virtual». Onde? Num mail colectivo, mais ou menos intimista, que escreveu com os destinatários ocultos!!! Nada de mais virtual e de menos comunicável, não? Eh! Eh!

Manuel Vilarinho Pires disse...

Joana,
Agora, que a Júlia não nos está a ouvir (e eu peço ao anónimo para não lhe ir contar isto), vou repetir aqui o que lhe disse há uns tempos em privado.
Não me posso considerar amigo da Júlia, fomos meramente colegas de trabalho que, por acaso, num ano, creio que o último que eu passei na mesma empresa que ela, partilhámos o gabinete e, depois, não nos voltámos a encontrar durante décadas.
Mas nós não conversamos apenas com os nossos amigos, podemos conversar com todos aqueles com quem gostamos de conversar, seja por que razões cada um de nós tenha para gostar de o fazer. Eu, por exemplo, gosto mais de conversar com quem pense de modo diferente do meu, e até lhe expliquei que vejo isso um bocado como vejo o sexo: com gente igual não tenho sequer curiosidade em experimentar.
E ela é uma daquelas pessoas engraçadas e inteligentes com quem sempre gostei muito de conversar, até porque também se percebe bem que também é uma pessoa que gosta muito de conversar.
Isto para dizer que ela se calhar tem alguma renitência em conversar neste mundo virtual porque aqui se tende a conversar, e consequentemente a expôr-se, junto de pessoas que não são amigas dela. Tem razão.
Mas o mundo virtual perde por não andar por aqui a conversar uma pessoa como ela, que é uma interlocutora encantadora. E, nisto, tenho eu razão!

Anónimo disse...

Para a Joana:
Fico triste que possas aventar a hipótese de haver, entre mim e aquele que amo, qualquer laivo de «proibição conjugal»... Embora ache que o sentimento amoroso seja o pacto mais elevado que os indivíduos possam traçar para viver, nunca olhei para a conjugalidade como uma espécie de unicidade sindical. Quanto à mensagem de ano novo que enviei aos amigos ( o tal mail colectivo com os destinatários ocultos) ela dirigia-se a cada um deles, em especial. Por outro lado, eu acho que não tenho o direito de revelar os endereços das pessoas.
Para o Manuel e para a Joana:
Quanto ao mundo virtual, havemos de aprofundar melhor os significados e significantes da minha posição.
No limite, eu não quero ser uma «persona», quero apenas ser eu e os meus amigos, novos e velhos.Enão consigo desprender-me das questões filosóficas relacionada com a privacidade e a sociabilidade.
Ou então, talvez como dizia a Maria Gabriela Llansol, «sou eu tentando segurar no meu peito a minha identidade»... e a identidade do outro.
Júlia

Joana Lopes disse...

Mas, Júlia, eu alguma vez diria, a sério, que o Fernando interfere com a tua presença, ou não, no Facebook??? Sentido de humor, please... Aliás, eu assinalei com :-))) (três vezes humor) essa frase.

Quanto ao resto - e o Manel já o disse - só temos pena de não termos a tua companhia numa plataforma que, para nós, é boa. Mas cada um escolhe as formas de convivência que quer, obviamente, Era o que faltava que assim não fosse...

Manuel Vilarinho Pires disse...

Júlia,

Dito de uma forma muito mais terra-a-terra, que são as minhas formas de comunicação predilectas, o Facebook é como um café onde a gente se junta com os amigos, partilha opiniões sobre notícias, músicas, filmes, coisas que gosta ou desgosta, enfim, tudo aquilo que nos apetece partilhar e opinar, as conversas são normalmente públicas porque se conseguem escutar da mesa ao lado, mas também se pode falar em privado, os amigos dos amigos também se podem meter na conversa, o que umas vezes é óptimo, outras uma chatice, um local onde podem nascer e morrer amizades e inimizades, amores e ódios, enfim, um pequeno mundo muito mais real e menos virtual do que se diz. Não é mais nem menos do que isto.

Para mim teve um significado especial, porque saí da IBM há mais de 20 anos e, com excepção de meia dúzia de amigos com quem fui mantendo contacto mais ou menos regular, não voltei a ver ou falar com a maior parte deles. E é pena. Reencontrei-os por acidente, por ter finalmente acedido a criar um perfil no Facebook a convite (irrecusável) da minha Rosa, e estou muito satisfeito por tê-los reencontrado, inclusivamente àqueles que mal conheci nos anos que passei na IBM. Mas que são boa gente, e de quem eu gosto. Acho que enriqueci um bocadinho com isto...