2.5.11

Tem a palavra a família do PIDE


Tem início amanhã, em Lisboa, o julgamento de dois ex-directores do Teatro nacional D. Maria II e da autora da adaptação, para teatro, do livro A filha rebelde (de José Pedro Castanheira e Valdemar Cruz), no seguimento de uma queixa em tempos divulgada na imprensa.

Evito considerações pessoais e cito a Nota que uma das acusadas – Margarida Fonseca Santos – difundiu no Facebook:

«Dia 3 de Maio, pelas 9h15, um julgamento que nos remete para os tempos da ditadura…

Margarida Fonseca Santos (autora), Carlos Fragateiro e José Manuel Castanheira (ex-directores do Nacional D. Maria II) – somos acusados, pelos sobrinhos de Silva Pais, dos crimes de difamação e ofensa à memória de pessoa falecida. No seu entender, denegrimos a imagem do último director da PIDE com a adaptação para teatro do livro A Filha Rebelde (de José Pedro Castanheira e Valdemar Cruz), feita para o TNDM em 2007, com encenação de Helena Pimenta.

O Ministério Público não acompanhou a queixa.

Conquistámos, no 25 de Abril, a liberdade de expressão, que está agora posta em causa. Mas, mais grave ainda, esta é uma tentativa de branquear a imagem daquele que foi o responsável máximo da PIDE – a polícia política que perseguiu, torturou e matou muitos opositores ao regime, entre eles o General Humberto Delgado.

Pedimos que divulguem isto aos quatro ventos.»

E divulgado está a ser, com um apelo para que todos aqueles que o possam fazer assistam à sessão de amanhã «em solidariedade, em silêncio e pacificamente, com um cravo vermelho». (2º JUIZO CRIMINAL, 3ª SECÇÃO, Avenida D. João II, 1.08.01 — edifício B – Lisboa)
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Entretanto, o Movimento Cívico «Não apaguem a memória!» acaba de difundir o seguinte comunicado à imprensa:

À Comunicação Social

A direcção do Movimento Cívico Não Apaguem a Memória manifesta a sua profunda indignação perante o julgamento de Margarida Fonseca Santos, Carlos Fragateiro e José Manuel Castanheira. Não está apenas em causa a liberdade de expressão destes prestigiados intelectuais (e o precedente que este caso pode configurar), mas também o desrespeito pela memória de todos aqueles que, durante o fascismo, combateram por um regime democrático.

Na manhã de 3 de Maio de 2011, acusados por familiares do último director da PIDE/ DGS, vão estar, na barra do tribunal, cidadãos que se propõem preservar a memória da ditadura, e não Silva Pais, um dos maiores responsáveis pelo regime de terror em que se viveu até 1974. As atrocidades infligidas aos opositores, por inspectores e agentes sob a alçada de Silva Pais, enchem milhões de páginas no Arquivo da Torre do Tombo, jamais foram objecto de confrontação por parte desses seus autores, mas não são esquecidas pelas vítimas.

Há poucos dias, foi inaugurada uma exposição na antiga Cadeia do Aljube, em Lisboa: «A Voz das Vítimas». Impressiona pela dimensão que transmite dos crimes cometidos pela polícia política, ao longo de 48 anos. E vem lembrar-nos, de novo, que os autores desses crimes nunca foram julgados. Os obreiros da Democracia, nascida em Abril, não abdicaram de uma atitude de tolerância que se tem revelado enormemente injusta para com os milhares de portugueses que sofreram, até à morte, as consequências de torturas, de prisões, de perseguições, ou o exílio. Foram décadas vividas sob o terror da PIDE /DGS, com o comando de Silva Pais, seu Director.

O Movimento Cívico Não Apaguem a Memória saúda os acusados neste processo, por se juntarem àqueles que deixam, para as gerações futuras, um legado de memórias desse tenebroso tempo de opressão. Estaremos, sempre, ao lado dos que impedem o branqueamento, quer de um regime que destruiu vidas e famílias, quer dos seus responsáveis máximos. E Silva Pais é um nome que não se apaga da nossa memória.

Em 2 de Maio de 2011
A Direcção do Movimento Cívico Não Apaguem a Memória
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1 comments:

antónio m p disse...

No tempo em que Zita Seabra era presidente do Instituto Português do Cinema (se assim se chamava na altura) concorri como autor e com produção da Cinemate, um filme sobre Humberto Delgado (drama histórico. O IPC recusou-se "liminarmente" a submeter sequer a concurso aquele projecto, invocando "o direito à imagem das personagens" retratadas na obra.

A solução seria simples: pedir autorização à brigada que matou Delgado, ao Silva Pais, ao Salazar, etc., para o efeito - ou aos seus descendentes no caso de terem falecido!!!

O caso que agora vai a tribunal poderia talvez romper com estas condenações preventivas mas se assim não for por razões de formalidade legal, que ao menos alerte os deputados e deputadas para essa legislação. "A bem da nação" - se me é permitido citar!

Melhores cumprimentos.