27.9.11

Livraria Barata: da PIDE até à ASAE


Foi com um sorriso que li a notícia: um tribunal acabou de absolver a Livraria Barata, libertando-a do pagamento de uma coima de 4.000 euros, que lhe tinha sido aplicada depois de uma fiscalização da ASAE, efectuada em 2007. Por que crime? «Os clientes não conseguiam ver os preços dos artigos expostos na montra.»

Longe de mim desrespeitar a Autoridade em questão, considerar que não é importante ver-se à distância os preços do que se pretende eventualmente comprar, ou defender a «criminosa» utilização de colheres de pau ou de velhos galheteiros em tascas e restaurantes…

Mas a Livraria Barata é um ícone e de ícones «é feita a vida da gente». Fundada em 1957, instalada já então na sua actual localização, na Avenida de Roma em Lisboa, mas em pouco mais do que um vão de escada, ela foi um dos alvos permanentes (julgo mesmo que o principal) das brigadas da PIDE na «recolha» sistemática de livros indesejados pelo regime. Nacionais ou estrangeiros, mais de 4.000 títulos desapareceram dos escaparates durante o Estado Novo.

O seu fundador – o  Sr. Barata – era um caso especial na cidade: não se limitava a esperar a chegada dos agentes, escondia os exemplares que podia e vendia-os, tanto quanto me lembro semi-embrulhados, a quem chegava a tempo de ainda os encontrar.

Recordo, como se estivesse a revivê-lo hoje, um episódio absolutamente típico: num fim de tarde de 1972, espalhou-se no Vavá a informação de que Le Portugal baillonné, que Mário Soares acabara de publicar em Paris, tinha chegado à Barata. Porque nos separavam da livraria poucos quarteirões, partimos em debandada e trouxemos todos os exemplares disponíveis. Hoje ressuscitei o meu, de capa amareladíssima – sem preço marcado...

Claro que a «ASAE» dos livros era muito pior há quarenta anos. Mas a burocracia e a caça à multa têm limites e ainda bem que o Sr. Barata já não estava cá para ser julgado por não mostrar bem os livros – ele que sempre se habituou a ter de os esconder o melhor que sabia e podia.
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2 comments:

oscar carvalho disse...

O Sr Barata era antipático! A minha mãe, quando íamos comprar os livros escolares, os cadernos, os lápis, bem se esforçava para conseguir um "Bom dia" do Sr Barata.
O Sr Barata tratava bem os clientes "especiais"! Enfiava-os no pequeno armazém ao fundo da loja, e, no meio da confusão, lá contrabandeava uns livros proibidos pela censura.
Um dia, o sr Barata foi preso. Um professor que confiava em mim, pediu-me para eu guardar debaixo da minha cama, uma mala cheia de livros. Marx, Lenine, Althusser, etc. A minha mãe ficou em pânico. Mas tenho a certeza que a PIDE não teve mais êxito que a minha mãe em conseguir que o Sr Barata falasse.
Um dia o Sr Barata suicidou-se! Os filhos souberam transformar uma loja de bairro numa excelente livraria.

Nana disse...

Li o texto - gostei, se pudesse, era eu que o tinha escrito...Li o comentário...Bem, não gostei, mas isso é pessoal. O Sr António Barata não era antipático - era um homem reservado, parco em palavras. E suicidou-se, sim - porque nunca conseguiu ultrapassar a brutal e inesperada morte do filho João, na flor dos 30 anos e uma das maiores promessas no mundo da cultura.E ainda estava vivo, e bem vivo, quando a Barata fez aquelas obras de ampliação - porque uma "grande livraria" já o era...António Barata foi um dos responsáveis pelo aparecimento e existência de uma grne editora : a Presença, expoente das melhores correntes literárias e de pensamento modernas, tanto nacionais como internacionais. Desmerecê.lo é uma injustiça - Respect!
Fernanda Maria Gouveia
BI 1080575- Lisboa (cliente da Barata há mais de 50 anos...)