11.2.12

O tabu da exploração


No número de Le Monde Diplomatique que acaba de chegar às bancas, Sandra Monteiro parte desta entrevista feita por Mário Crespo ao novo secretário-geral da CGTP, Arménio Carlos. Para quem não conhece, vale a pena ver e ouvir. E ler o texto da Sandra, evidentemente.



«“Explorados”!, novamente aí está, um termo que eu em princípio não usaria facilmente. Não sugiro que o tenha usado com ligeireza… Mas a exploração como elemento negocial não pode ser utilizada. Porque há muita gente que não está a explorar ninguém, que está meramente a dar emprego a pessoas, a retribuir um salário possível, dentro de uma economia de mercado que tem também as suas regras. Portanto a “exploração” talvez seja um adjectivo [sic] um bocado forte. (…) O senhor diga-me só, na Central [CGTP] contemplam que o mundo está a mudar em termos da dinâmica financeira toda que nos ultrapassa em muitos casos e que é preciso também criar uma nova ordem de relações laborais?»

Pode não ser logo evidente, mas a longa e opinativa citação, retirada de uma entrevista, pertence ao entrevistador. O jornalista Mário Crespo entrevistava o agora secretário-geral da Confederação Geral dos Trabalhadores Portugueses (CGTP), Arménio Carlos, no Jornal das 9 da SIC Notícias de 16 de Janeiro de 2012. Debatiam-se as alterações às leis laborais propostas pelo governo à concertação social, negociações de que a central sindical se afastou denunciando a falta de postura negocial do governo e a extrema gravidade do quadro legislativo imposto ao mundo do trabalho. Ainda assim elas culminaram, a 18 de Janeiro, na assinatura de um acordo que vincula as estruturas patronais e a União Geral dos Trabalhadores (UGT).

Era a segunda vez que Arménio Carlos usava o termo que tanto incomodou o jornalista, primeiro para dizer que se estava a aproveitar a crise para aumentar a «exploração» e promover um maior desequilíbrio nas relações laborais e, pouco depois, para explicitar a situação a que são sujeitos os trabalhadores que vendem a sua força de trabalho: são «explorados». À segunda foi de vez, Mário Crespo teve de interromper. Tentando repor a ordem habitualmente reinante no espaço mediático, instruiu o convidado, sem êxito é certo, sobre as sãs regras da etiqueta discursiva que costumam ser observadas na televisão, ainda para mais em horário nobre, caso não se queira ser tratado como insensato ou anacrónico.

Já antes o jornalista se sentira à vontade para chamar «retórica» à forma como o convidado se exprimia e para o criticar quando, no seu entender, colocou o trabalho na esfera «do garantismo e dos direitos» (dizer «direitos» poderá ser aceitável, desde que não sejam garantidos nem laborais…). Mas a seguir, perante o repetido uso do conceito de exploração pelo sindicalista, Crespo adoptou um tom mais impositivo. Não é apenas um termo que o próprio dificilmente usaria; é um termo que não pode ser usado: «A exploração como elemento negocial não pode ser utilizada». Não é também apenas um termo de que ele discorda, por legitimamente ter um pensamento político diferente; é um termo cuja utilização ele se sente no direito de censurar, num tom entre o paternalismo e a agressividade, por o considerar ultrapassado numa altura em que o que importa é promover a aceitação da configuração que o mundo está a tomar e isolar ao máximo os que a contestam: «O senhor diga-me só, na Central contemplam que o mundo está a mudar (…)?»

Vamos passar então a chamar-lhe uma conversa num programa televisivo, e não uma entrevista. Seria necessário e urgente que a comunicação social fizesse o debate sobre as vantagens de os órgãos de informação assumirem com clareza os pontos de vista subjacentes às suas análises e escolhas informativas. Seria desejável, para o reforço da democracia, que os cidadãos não tivessem quase só acesso a um campo mediático sem verdadeiro pluralismo de ideias e que tantos jornalistas deixassem de ver a sua autonomia ser cada vez mais constrangida pelas regras e interesses dos poderes económicos proprietários da generalidade dos meios de comunicação. Enquanto nada disto for uma realidade, fica a sensação, como diria Mário Crespo (mas agora acertando na gramática), de que chamar a esta conversa jornalismo talvez seja um substantivo um bocado forte.

Continuar a ler.
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4 comments:

Jorge Conceição disse...

Excelente texto este!!!

meirelesportuense disse...

Eu se estivesse frente a frente com ele perguntaria simplesmente: -Mário Crespo, quanto é que você ganha mensalmente?...É que assim as coisas esclarecessem já, pois só quem não sabe no corpo o que representam estas medidas pode falar assim...Pedro Passos Coelho diz que o ordenado de Primeiro-Ministro é baixo, o Cavaco queixa-se do mesmo relativamente ao de Presidente -só assim se justifica que tenha optado pelas suas reformas- mas a verdade é que mesmo sabendo disso -porque sabiam certamente- candidataram-se aos cargos e não saem de lá enquanto puderem e os deixarem ficar...

meirelesportuense disse...

Peço desculpa, eu queria corrigir uma palavra, deveria ter dito "esclarecem-se" e não "esclarecessem"...São coisas de quem escreve de um fôlego só.
Apercebo-me dos erros muito depois, normalmente não fazem mal de maior e deixo seguir, neste caso confunde quem queira entender o que eu quis dizer.

meirelesportuense disse...

Ainda hoje -para reforçar o sentido do meu comentário- assisti ao programa "Eixo do Mal", aí os dois representantes do Status, embrulham-se em argumentos para justificar o que não tem justificação, eu percebo bem o que pensam, são pessoas que viveram sempre bem protegidas, têm excelentes remunerações, estas medidas TroyKianas não lhes doem de todo e para além disso, existem as tais questões ideológicas que eles subscrevem sempre, para o bem e para o mal...Um deles, um crítico acérrimo, persecutório e obsessivo do 1º Ministro anterior, coloca uma passadeira "laranja" a práticamente tudo o que PPCoelho faz ou diz, ora isto para quem se auto-denomina como "Inimigo Público" dá que pensar...