22.4.12

Ainda a Es.Col.A. – um relato na primeira pessoa



Neste caso, da Gui Castro Felga. O caso do Alto da Fontinha não está encerrado, não deixaremos que o encerrem. Para quem estiver por perto, mas também para muitos que ficarão longe, o 25 de Abril, este ano, passará certamente por lá.

Alguns (largos) excertos do texto da Gui, leitura na íntegra absolutamente aconselhada. 

«Mesmo em ameaça de despejo continua a lavar-se a loiça. Acho que era o que mais me impressionava, naqueles dias antes - a vida continua, mesmo na incerteza do dia seguinte. Organizaram-se turnos de permanência, para não abandonar o edifício, para que a polícia não encontrasse a escola vazia, quando viesse, workshops de resistência pacífica, reforços para portas e janelas, etc. (...) 

Acho que nunca tive tanto medo na vida como quando vi, para lá do muro baixinho do es.col.a e através do gradeamento, os capacetes do corpo de intervenção a aparecer da rua inclinada. Traziam escadas: alguns passaram a vedação e começaram a desmontar a barricada, outros a cercar-nos e a tentar separar-nos. Ao ouvido, um dos polícias sussurrou-me: «irra que as gajas são sempre as mais difíceis», quando eu e outra tentávamos, como possível, agarrarmo-nos para não sermos levadas. Arrastaram-nos para a sala ao lado da cozinha, guardados por vários polícias. Lá de cima, no pátio sobre a cozinha, ouvíamos as rebarbadeiras a cortar a porta de acesso à caixa de escadas. Pouco depois, vimos, incrédulos, através da janela, cortar o mastro da bandeira do es.col.a (uma bandeira pirata que incomodava, ao vento, a autoridade sem sentido de humor...) (…) 

... Que tinham de nos revistar. Não, obrigada - que desculpassem, mas até que me mostrassem algo em contrário era inocente, mostrava a identificação e mai'nada. ... e assim fui eu, de arrasto para o pátio, ser apalpada à força. A polícia atestou ainda 'que não era lésbica', o que me deixou obviamente muito mais descansada (?!?!) e confirmou por si mesma que eu não tinha mais que água, papeis, cadernos, livros, lápis, identificação, cinco euros, telemóvel, chaves de casa. Arrastaram-me para o pátio e obrigaram-me, como aos outros companheiros, um a um e depois do mesmo processo, a ficar de pé e de mãos à parede. (…) 

Do pátio, pelo canto do olho, a visão era tenebrosa, para quem não estiver habituado a rusgas policiais nas favelas do Rio de Janeiro: praí cem 'agentes da autoridade' (nós éramos pouco mais de vinte), entre encapuzados, robocops e polícias 'normais' - no telhado, pelo pátio, no edifício a tentar tirar o grupo de ocupantes do edifício que tinham ido para as palas adjacentes a cada uma das salas. Outro de nós foi caço fora da escola e posto também à parede, aos safanões e pontapés - «onde é que deixaste a câmara, pá?» «...câmara? qual câmara?» (…) 

Roubaram a câmara de quem filmava, do telhado de um vizinho amigo. Fomos arrastados para fora do pátio, e pela rua fora, com as vizinhas idosas horrorizadas, às janelas, a assistir ao reestabelecer da ordem. (…) 

Foram os mais novos do bairro (grandes, grandes, agora) a liderar a manifestação [ida para a Câmara]. Deve ter sido o melhor do dia: ver aqueles rapazes e raparigas da Fontinha a gritar palavras de ordem, a berrar a plenos pulmões e rua fora, de megafone, parando o trânsito em protesto pelo direito à es.col.a, contra o despejo, contra a violência policial, cheios de orgulho das centenas que os seguiam, Santa Catarina abaixo, a tomar a cidade nas mãos. (…) 

 ... Entretanto, moradores confirmaram a destruição do es.col.a: homenzinhos verdes arrancaram as janelas e atiraram móveis, livros, brinquedos e tudo o que estava nas salas para o pátio. Um ano de trabalho árduo de muita gente para montar e manter, sem dinheiro, uma escola - destruídos num dia de raiva e por uma ordem 'para limpar'. Porque sim. 

... no dia seguinte, a quadragésima sexta assembleia do es.col.a reuniu, no largo da fontinha (outra vez). A maior de sempre, suponho, apesar das obras que a CMP fez no largo, que quase impedem qualquer ajuntamento grande de pessoas (ocupai canteiros). 

... e decidimos reocupar a nossa es.col.a a 25 de abril. (…) 

Porque lembrar o 25 de abril é lembrar o dia em que as pessoas perderam o medo e a ditadura dentro das cabeças. E porque não se despejam ideias, nem se matam ideais
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