14.9.12

Um dia seremos todos cambojanos



Numa visita a uma fábrica de chocolates em Vila do Conde, que não foi para ele atribulada porque entrou pelas traseiras e não pela entrada principal onde o esperavam manifestantes, Passos Coelho fez hoje um discurso de cerca de meia hora. 

Entre outros temas abordados, terá afirmado que as medidas agora anunciadas são necessárias porque, segundo o Jornal de Negócios, «aqueles com quem competimos têm custos mais baixos, nomeadamente custos do trabalho». Não que seja novidade, mas fica claramente expresso que o empobrecimento do povo português é instrumental, ou seja, que não é apenas uma consequência lamentável da necessidade de reequilibrar défices, mas um desígnio desejado para nos tornar competitivos.

Quando os nossos filhos ou os nossos netos tiverem salários e horários de trabalho semelhantes aos do Cambodja (mesmo que, entretanto, estes melhorem um pouco), então, sim, Portugal estará pronto a reocupar um lugar decente no mundo. 

Não há como exemplos concretos para se perceber do que se fala e quem me conhece sabe que o Cambodja é, para mim, um terrível símbolo de miséria, desde que lá estive há três anos. A maior das «sortes» era então conseguir um lugar em fábricas, muitas delas deslocalizadas da Europa, com salários absolutamente miseráveis, sem limites de horários, durante 364 dias por ano (descanso só no dia de Ano Novo).  

Sei que houve progressos desde então, mas, em números de 2012, vejo hoje que, naquele país, o salário médio mensal na construção civil é 80 dólares, que o de um motorista é 88,4 e o de um funcionário público administrativo 118.

Vamos a caminho, um dia seremos todos cambojanos.
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