19.11.12

A martirização policial



Já é mais do que tempo de deixar de falar da passada quarta-feira, e de partir para outra, mas o tempo ajuda a decantar o fio dos acontecimentos. Hoje, alguém escreve finalmente o óbvio sobre a razão de ser, a montante, da violência da polícia no passado dia 14 de Novembro: Ana Sá Lopes no jornal «i».

«A carga da polícia de choque que se seguiu à manifestação do dia da greve geral teve o condão de provocar um estranho unanimismo na opinião pública, partidária, etc. Avaliar a violência da polícia de choque ocupou nesse dia um lugar secundaríssimo.»

Estamos perante um feito inédito «de elogio unânime dos partidos do governo ao PS – ou de silêncio do quem cala consente do PCP e do Bloco de Esquerda. Como se uma interrogação sobre a proporção da intervenção policial pudesse ser automaticamente confundida com o apoio aos hooligans que atiraram pedras à polícia, o silêncio entupiu muitos daqueles a quem a actuação das forças da ordem (...) perturbou profundamente.

Afinal, como é que a polícia não consegue neutralizar a “meia dúzia de profissionais da desordem” e parte para uma intervenção violenta em larga escala? (...)

A edição do “Correio da Manhã” de ontem dava conta de um mal-estar instalado dentro da polícia pela demora em actuar. À pergunta sobre a demora em actuar ainda não houve uma resposta cabal. Não há uma única razão de segurança aceitável para manter a polícia e o parlamento sujeitos à martirização transmitida em directo. Mas pode haver razões políticas: o argumento da martirização conseguiu transformar uma carga policial num acto aceitável para a maioria dos portugueses; e em imediata sequência transformou as manifs em territórios de risco. Se isto interessa a alguém, não é seguramente ao Menino Jesus.»


P.S. – Fixem bem porque este senhor pode vir a ser o próximo presidente da República. Não ouvi ontem Marcelo Rebelo de Sousa, mas terá dito mais ou menos isto, sobre o mesmo tema:

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2 comments:

joaquina disse...

Depois do que vi nas tvs e do que fui lendo em relatos de quem lá estve, dei comigo a pensar que o que se passou não foi muito diferente do que vivi há muitos anos, (foi talvez em 1973, não lembro bem) mas que julgava que já tinha desaparecido das ruas do nosso país. Era nessa altura estudante voluntária (era assim que se chamava) na faculdade de letras de Lisboa e como já trabalhava, só ia às aulas quando podia. Acompanhava a vida académica,tanto quanto a censura e as intermitentes idas às aulas me permitiam. Foi assim que um dia já dentro da sala de aula acompanhada de alguns poucos colegas, fomos informados por outros colegas que a Fac. estava em greve. Assim sendo lá saí juntamente com mais alguns, não sei se todos os que estavamos dentro da sala. Não me lembro que aula era, mas tenho a certeza que não era Lógica com a Prof. Joana lopes! Como tinha que voltar para o trabalho e estava pouco informada sobre os acontecimentos, achei que o melhor era ir para a paragem de autocarro ali em frente de Direito. Esperei e nem me dei conta de quanto tempo sem que passasse qualquer autocarro, e entretanto começam a sair estudantes de Letras com cartazes e gritandopalavras de ordem, seguidos pouco tempo depois por outros que vinham de direito. Fui ficando (o autocarro nada de vir) e comecei a perceber que a luta era dos studantes, não só de Letras. A certa altura de trás da reitoria, surgem os primeiros polícias e percebo movimentações nos dois grupos que se tinham juntado em frente da Reitoria, começando as correrias alameda abaixo, com os
polícias atrás. E eu na minha pacóvia ignorância pensava, estou na paragem do autocarro, nem sei muito bem do que se trata, é ridiculo sair daqui, não é nada comigo! Até que passa por
mim um jovem a coxear bastante e a correr tanto quanto conseguia, já com os policias bem perto, e eram muitos. Aí, disse para os meus botões, posso não saber o que se passa, mas aqui não fico. E desatei a correr o mais que podia virando pela rua do Colégio Moderno e vi muitas portas a abrir-se e a dar abrigo a quem fugia, mas não parei. De vez em quando olhava para trás e eles já bem perto. Quando cheguei ao fim da rua um carro que passava abrandou, abriu as portas e o condutor gritou entrem, entrem. Esfalfada e ofegante entrei eu e mais 2 ou 3. Podia até ter sido um carro da polícia que eu entrava na mesma porque confesso, o meu meducho de pouco informada "aluna
voluntária" não dava para mais. Desci-me ali para o Saldanha e até casa fui a matutar na experiência que tinha vivido. Foi o meu primeiro contacto directo com cargas policiais e
sobretudo foi, estou certa disso, o despertar da minha consciência social e política. A partir dessa altura passei a ler livros daqueles que emprestavamos uns aos outros e em público andavam sempre forrados, a comprar discos que mão amiga tinha sempre debaixo do
balcão numa livraria de Campo de Ourique e a ter os olhos bem abertos sobre o que se passava à minha volta. Não posso dizer que "lutei contra o fascismo", embora me lembre de uma colega essa sim bem envolvida na luta (e cujo contacto perdi) que um dia me disse: tu tens já uma
filha pequena, não te metas nisto, dá o teu apoio de outra forma, guarda-me lá estes livros, dá uma ajuda para as familias dos presos". Foi pouco, muito pouco... mas sentido o suficiente para saber o que não quero que volte NUNCA MAIS!

Joana Lopes disse...

Joaquina,
Quando terá sido isso? 1969? Abraço.