Este longo texto data de Fevereiro de 2002 e foi-me enviado pela Diana Andringa. Divulgo-o porque, como a Diana me recorda com toda
a razão, «parte das coisas que se dizem hoje já eram propostas, muito
seriamente, há 10 anos» e «se alguém tivesse ligado, a RTP era hoje outra coisa».
A RTP foi, ao longo dos anos passados desde o 25 de Abril, aquilo que os
vários poderes políticos que se sucederam no Governo entenderam que ela fosse
em cada momento, nomeadamente na área da Informação, servindo o resto da
programação de papel de embrulho, mais ou menos atraente consoante o dinheiro
disponível e o talento dos Directores.
Poucas administrações da RTP (e os poderes que as nomearam) se preocuparam
em pensar e levar à prática um projecto credível de Serviço Público de
Televisão.
Curiosamente – ou não – as excepções surgiram em alturas em que o poder
político era pouco estável. Também curiosamente – ou não – quando se instalou
no país a estabilidade governativa, instalou-se na RTP uma prática de
afastamento do que deveria ser o seu papel de Serviço Público de Televisão,
serviço esse com dignidade constitucional, no âmbito dos Direitos, Liberdades e
Garantias.
Assistiu-se então à substituição da criatividade pela gestão, da opinião
dos profissionais pela de empresas de consultoria que, muitas vezes, não tinham
tido qualquer experiência anterior na área da Comunicação Social. O marketing
impôs-se aos critérios de qualidade, tornando mais fácil que, desfigurado o
Serviço Público de Televisão, num só ano se lhe retirasse o financiamento pela
taxa e se permitisse a abertura do mercado a 2 canais privados – contra as
vozes de todos os que alertavam que, em Portugal, o mercado não era suficiente para garantir a
viabilidade de 4 canais nacionais.
Como se isso não bastasse, seguiu-se a alienação da rede de distribuição e
a obrigação, para a RTP, de pagar aquilo que antes era seu – e a tentação cada
vez maior de aos critérios de qualidade substituir os de audiência e conquista
de publicidade, afastando-se cada vez mais do figurino de Serviço Público de
Televisão.
Mas o que é, afinal, o Serviço Público de Televisão? Como todo o Serviço
Público, é aquele que, sendo necessário, exige um investimento do Estado
porque, na lógica de mercado, não poderá ser prestado com as mesmas
características de natureza, eficiência e qualidade pela iniciativa privada. E
qual é então o papel do Serviço Público de Televisão? Fornecer uma informação e uma programação
que, seguindo critérios de qualidade,
diversidade e pluralismo, promova a
defesa do imaginário nacional, da
cultura, língua e soberania e contribua para o desenvolvimento do País.
Ou seja: o contrário de uma televisão que “pensa a informação como propaganda e
o entretenimento como algo de residual”, na feliz síntese de Manuel Maria
Carrilho, aquilo que foi, afinal, durante anos, a concepção dos Governos em
relação à RTP.
E que importância tem, para os cidadãos e para o país, o Serviço Público de
Televisão? Uma importância absolutamente decisiva, tendo em conta que os
portugueses vêem televisão mais de três horas por dia e ela contribui assim,
mais do que a família, mais do que a escola, para a formação geral dos
indivíduos, para a formação do imaginário colectivo e deve servir a criação da
coesão nacional, o desenvolvimento da
comunidade, a definição da identidade nacional e a política de qualificação.
Como pode pôr-se em prática um projecto assim?
Na actual situação de descrédito a que chegou a RTP, apenas com uma clara
ruptura com o passado, com o arcaísmo político que levou os diversos partidos a
não a estimarem se não como instrumento de propaganda, ou com a falsa
modernidade que levou a querer submeter o serviço público às regras do mercado.
Uma ruptura que, em nosso entender, deve apontar no
sentido da criação de uma coesão nacional em torno do Serviço Público de
Televisão, passando a nomeação do Presidente do Conselho de Administração a ser
feita em sede parlamentar, por maioria qualificada, o Financiamento do Serviço
Público inscrito no Orçamento de Estado e o Orçamento e Plano de Actividades
acompanhados por sub-comissão especializada da Comissão Parlamentar de
Direitos, Liberdades e Garantias.
Essa ruptura deve ser também feita: