31.12.13

Keep calm


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E pronto



Excelente 2014 para todos os que por aqui passarem!
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Vemos, ouvimos e lemos



É quase um ritual: em 31 de Dezembro regresso à passagem do ano de 1968 para 1969. Há sempre quem não saiba que a Cantata da Paz, tão divulgada por Francisco Fanhais depois do 25 de Abril, foi por ele «estreada» nessa noite, numa Vigília contra a guerra colonial, com letra propositadamente escrita para o efeito por Sophia de Mello Breyner.



Em 31 de Dezembro de 1968, cerca de cento e cinquenta católicos entraram na igreja de S. Domingos, em Lisboa, e nela permaneceram toda a noite, naquela que terá sido a primeira afirmação colectiva pública de católicos contra a guerra colonial. O papa Paulo VI decretara que o primeiro dia de cada ano civil passasse a ser comemorado pela Igreja como dia mundial pela paz e, alguns dias depois, os bispos portugueses tinham seguido o apelo do papa em nota pastoral colectiva.

Assim sendo, nada melhor do que tirar partido de uma oportunidade única: depois da missa presidida pelo cardeal Cerejeira, quatro delegados do grupo de participantes comunicaram-lhe que ficariam na igreja, explicando-lhe, resumidamente, o que pretendiam com a vigília:

«1º – Tomar consciência de que a comunidade cristã portuguesa não pode celebrar um “dia da paz” desconhecendo, camuflando ou silenciando a guerra em que estamos envolvidos nos territórios de África.

2º – Exprimir a nossa angústia e preocupação de cristãos frente a um tabu que se criou na sociedade portuguesa, que inibe as pessoas de se pronunciarem livremente sobre a guerra nos territórios de África.

3º – Assumir publicamente, como cristãos, um compromisso de procura efectiva da Paz frente à guerra de África.»

Entregaram-lhe também um longo comunicado [que está online] que tinha sido distribuído aos participantes, no qual, entre muitos outros aspectos, era sublinhado o facto de a nota pastoral dos bispos portugueses, acima referida, tomar expressamente partido pelas posições do governo que estavam na origem da própria guerra, ao falar de «povos ultramarinos que integram a Nação Portuguesa».

Apesar de algumas objecções, o cardeal não se opôs a que permanecessem na igreja, ressalvando «a necessidade de uma atitude de aceitação da pluralidade de posições».

Pluralidade não houve nenhuma e, até às 5:30, foram discutidos todos os temas previstos e conhecidos: vários testemunhos, orais ou escritos, sobre situações de guerra na Guiné, Angola e Moçambique.

Hoje, tudo isto parece trivial, mas estava então bem longe de o ser. Aliás, seguiu-se uma guerra de comunicados entre Cerejeira e os participantes na vigília. Com data de 8 de Janeiro, uma nota do Patriarcado denunciou «o carácter tendencioso da reunião», terminando com um parágrafo suficientemente esclarecedor para dispensar comentários: «Manifestações como esta, que acabam por causar grave prejuízo à causa da Igreja e da verdadeira Paz, pelo clima de confusão, indisciplina e revolta que alimentam, são condenáveis; e é de lamentar que apareçam comprometidos com elas alguns membros do clero que, por vocação e missão, deveriam ser não os contestadores da palavra dos seus Bispos, mas os seus leais transmissores».

A PIDE esteve presente (há disso notícia em processo na Torre do Tombo), mas não houve qualquer intervenção policial. Alguns jornais (Capital e Diário Popular) noticiaram o evento, mas sem se referirem ao tema da guerra colonial – terão provavelmente tentado sem que a censura deixasse passar. A imprensa estrangeira, nomeadamente algumas revistas e jornais franceses, deram grande relevo ao acontecimento. E foi forte a repercussão nos meios católicos.

P.S. – Quatro anos mais tarde realizou-se uma outra vigília pela paz, na Capela do Rato, com consequências bem mais gravosas porque envolveu uma greve de fome, prisões e despedimentos da função pública.
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É isso!


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Quando o futuro parece já ter acontecido



José Vítor Malheiros no Público de hoje:

«George Steiner fala num texto feliz de como, durante a Revolução Francesa, todo o futuro parecia estar finalmente ali, à mão de semear, de como todo o futuro parecia que ia acontecer “segunda-feira de manhã”. Hoje, em Portugal, e em grande parte da mesma Europa da Revolução Francesa, o futuro parece já ter acontecido todo há muitos anos e a sua simples invocação parece um cruel exercício de cinismo, quando não de hipocrisia.

E, no entanto, devia ser fácil despertar paixões e mobilizar vontades. Devia ser fácil reunir milhões de cidadãos em torno de um programa de justiça social e de decência, de progresso económico e de emprego, de qualificação e inovação, em vez da apagada e vil tristeza da actualidade, da destruição do Estado para enriquecer os mais ricos e para empobrecer os mais pobres.» 
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30.12.13

O melhor que guardo de 2013



... cá dentro, foram os dias que passei lá fora – umas quatro semanas ao todo, mais dia menos dia.

Lamento ter desiludido os fãs do dr. Cavaco (que los hay...), aqueles que corresponderam ao seu apelo de passar férias intramuros para melhorar o PIB português, mas nunca tive vocação para esvaziar o mar como uma simples concha, para além de o meu patriotismo já ter tido melhores dias.

Se numa primeira curta escapadela não passei da Catalunha (e, sim, gostei muito de ver e rever Gaudí), e se numa segunda decidi conhecer a Escócia que não me encantou (excepção feita para Edimburgo), foi sem dúvida a Etiópia que marcou o meu ano de 2013.

Fiquei «prisioneira», não há um único dia em que não pense que gostava de conhecer melhor, muito melhor, esse país e as suas gentes, tão diferentes de tudo o que tinha visto até então. Enquanto lá estive escrevi alguns textos (*), apressados porque o tempo era escasso, incompletos por falta de engenho e arte.

Desse país extensíssimo (o segundo de África), percorri apenas algumas centenas de quilómetros onde quase tudo é totalmente verde e fértil, com montes e vales bem cultivados (o celeiro etíope) e milhares de cabeças de gado que tornam o país praticamente autossuficiente em termos de alimentação. Mas falta tudo o resto e a pobreza é portanto extrema, as estradas e muitas outras infraestruturas são quase inexistentes ou muito rudimentares. Como mais do que rudimentares são os instrumentos usados na agricultura, numa terra onde «quem trabalha são as mulheres e os burros» – burros que são mesmo um ícone, tão grande é a sua quantidade, tão importantes as funções que exercem como meio de transporte de pessoas e de mercadorias.

Mas não há só paisagem, há também um povo altivo, orgulhoso da sua etnia («a Norte temos os árabes, a Sul os negros, nós estamos no meio»...), do facto de nunca ter sido colonizado e da sua História e das suas lendas sem fronteiras muito distintas.

E depois há a Cidade Imperial de Gondar e, acima de tudo, as igrejas de Lalibela! Não há palavras que possam dar uma ideia, mesmo aproximada, do que são esses doze templos, escavados na rocha e em muitos casos ligadas por túneis, distribuídos por dois conjuntos separados por um rio, estando fisicamente afastado o décimo primeiro: último a ser construído e o mais espectacular, com a sua forma em cruz, enterrado, e com quinze metros de altura.

Fico por aqui, mas com um conselho: se querem ver mesmo tudo isto e muito mais, não percam um excelente documentário – Mar das Índias, os terraços de Prestes João –, magnificamente apresentado por Miguel Portas. Não perderão o vosso tempo.

(*) Se se clicar, no fim deste post, na Label ETIÓPIA, eles aparecem todos. 
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Malvados! Não bastava o Constitucional?!

New York, New York





Durante todo o mês de Outubro, Banksy foi «grafitando» ruas de Nova Iorque, numa espécie de grande exposição a céu aberto. Na primeira obra, pode-se ler: «O graffiti é crime». 

No P3 Público, 49 belas imagens.
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A guerra contra os velhos



Um texto de João Cravinho, no Público de hoje – Solidariedade e equidade entre gerações e a infame guerra aos velhos – merece ser lido na íntegra, não porque o tema seja novo, mas porque é abordado com frontalidade pouco habitual. Só estará acessível para alguns, mas ficam aqui estes excertos.

«Para pessoas decentes e bem formadas, a guerra aos velhos promovida pelo primeiro-ministro a pretexto da justiça e equidade entre gerações é absolutamente infame.

A solidariedade e equidade entre gerações são princípios civilizacionais basilares. É nesse terreno fecundo que se enraíza e aprofunda a ética de responsabilidade que, por todo o lado e a cada momento, procura construir as necessárias pontes entre presente e futuro, individual e coletivo.

Nenhuma sociedade contemporânea minimamente decente e justa será sustentável contra essa ética de responsabilidade alicerçada na solidariedade e equidade entre gerações. (...)

As transferências entre gerações funcionam de modo exatamente contrário ao que vem sendo falsamente propagandeado: os beneficiários líquidos têm sido historicamente as gerações mais novas e não as mais velhas. De facto, as investigações mais profundas e documentadas até hoje efetuadas provam, contra os resultados enviesados na base do enganador quadro informacional da primeira vaga da contabilidade dita geracional, que nos países ocidentais, no cômputo geral de uma vida, o dinheiro tem ido dos velhos para os novos e não em sentido contrário. (...)

Cada geração, e cada indivíduo, vive, realiza-se e ganha a sua vida aos ombros das gerações precedentes que lhe fizeram o legado de sucessivos blocos de capital humano, de capital cultural, organizacional e social e de capital físico infra-estrutural ou diretamente produtivo.

O Portugal de hoje não é de modo algum comparável ao Portugal dos anos 50 e 60 do século passado, muitíssimo mais pobre tanto no plano do rendimento e nível de vida como no do capital humano, cultural, organizacional, social, infra-estrutural e produtivo. A diferença, quase que abissal, é benefício líquido das novas gerações obtido na base do esforço e investimento das gerações que hoje estão na reforma ou próximo dela. As novas gerações, por mais que venham a cumprir o pacto social intergeracional em vigor até recentemente, nunca chegarão a fechar o seu saldo devedor para com as velhas gerações.» (Os realces são meus.) 
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Os remorsos de Filipe la Féria



Leitura obrigatória, no DN de ontem: Remorsos de um encenador de teatro.

«Muita gente me acusa de ser o culpado do estado de desgraça do nosso país por ter reprovado Pedro Passos Coelho numa audição em que eu procurava um cantor para fazer parte do elenco de My Fair Lady. (...)
Passos Coelho era barítono e a partitura exigia um tenor. Foi por essa pequena idiossincrasia vocal que Passos Coelho não foi aceite, o que veio a ditar o futuro do jovem aspirante a cantor que, em breve, ascenderia a actor protagonista do perverso musical da política. Se não fosse a sua tessitura de voz de barítono, hoje estaria no palco do Politeama na Grande Revista à Portuguesa a dar à perna com o João Baião, a Marina Mota, a Maria Vieira (...).
Assumo o meu mais profundo remorso. Devia ter proporcionado ao rapaz um futuro mais insignificante mas mais feliz. Mas, tal como Elisa Doolittle, que depois de ser uma grande dama prefere voltar a vender flores no mercado de Covent Garden, talvez o nosso herói renegue todas as vaidades e vicissitudes da política e suba ao palco do Politeama para interpretar a versão pobrezinha mas bem portuguesa de Os Miseráveis!» 
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29.12.13

Um dos que se foi embora em 2013



Esse grande compagnon de route que foi para tantos de nós, de várias gerações, Georges Moustaki, morreu em 2013.

Giuseppe Mustacchi, francês mas nascido no Egipto de pais judeus gregos, foi Paris, onde se instalou desde os 17 anos, que o viu crescer e consagrou. Tornou-se «Georges» em honra do grande mestre Georges Brassens, apaixonou-se por Edith Piaf (escreveu Milord...), compôs para Yves Montand, Juliette Gréco, Serge Reggiani e muitos outros. 

Difícil é escolher...





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A mulher ideal em 1953

Alta costura


«No filme Zuzu Angel, a importante estilista brasileira dos anos 70 é questionada pelo filho, militante do MR-8: “Por que fica fazendo isso, mãe? Costurando pra mulher de general?” Ao que a mãe responde: “Me faz o seguinte: ganha sua revolução, depois eu faço os vestidos das mulheres do comité central”. Assunto encerrado.»

(Daqui)

Ei-los que partem



«Acredito que a maioria destes 120 mil e de tantos outros que também partirão e de outros tantos que já partiram, aqueles que desperdiçamos, aqueles em quem tanto investimos, não serão os ocupantes de bidonviles das novas Franças. Muitos serão bem-sucedidos, não no léxico provinciano do Conselho da Diáspora, mas tão simplesmente assumindo que terão uma vida sem grandes problemas, que poderão criar sem sobressaltos de maior os seus filhos e poderão exercer a profissão para que foram formados. Farão, com certeza, muito pelos países onde viverão. Nem tudo se perdeu: pelo menos a nossa comunidade ajudou-os a prosperar noutro lado.

Para a nossa comunidade é mais uma catástrofe, repito. Ao desperdiçarmos tanta gente arrasamos o nosso potencial de crescimento, hipotecamos a próxima geração, criamos ainda de forma mais vincada um país de crianças e velhos, talvez mesmo só de velhos: um país sem futuro.

Era capaz de jurar que os promotores do Conselho da Diáspora ainda não perceberam isto, nem se maçaram sequer a levantar estas questões.

A nossa emigração é tantas vezes a história de grandes sucessos individuais, de aventuras, de feitos extraordinários, mas é sobretudo a prova de um enorme falhanço como comunidade. Um falhanço demasiadas vezes repetido.»

Pedro Marques Lopes

Sugerido como «ilustração» pelo próprio PML, no Facebook:

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28.12.13

Quando Lisboa parece Nápoles



Daqui, desta Lisboa compassiva,
Nápoles por Suíços habitada,
onde a tristeza vil, e apagada,
se disfarça de gente mais activa;

Daqui, deste pregão de voz antiga,
deste traquejo feroz de motoreta
ou do outro de gente mais selecta
que roda a quatro a nalga e a barriga;

Daqui, deste azulejo incandescente,
da soleira da vida e piaçaba,
da sacada suspensa no poente,
do ramudo tristôlho que se apaga;

Daqui, só paciência, amigos meus!
Peguem lá o soneto e vão com Deus...

Alexandre O'Neill

 
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Um ano inútil



Pessimista como quase sempre, certeiro hoje como muitas vezes, Miguel Sousa Tavares na sua crónica no Expresso:

«Não guardarei nenhuma memória particular deste ano, no que a Portugal diz respeito. Na verdade, quando passo mentalmente em revista os acontecimentos nacionais do ano, não me ocorre nada que tenha sido marcante, mas apenas acontecimentos que, em termos históricos, são irrelevantes. (...) 2013 foi um ano inútil. (...)

O objectivo político da maioria governamental para a primeira metade do ano que entra é apenas o de prolongar o estado vegetativo que vivemos em 2013. Desejam que o tempo avance sem perturbações como se esses cinco meses que faltam [para Julho próximo] não servissem para nada, a não ser para ver o tempo a passar. Não há pressa nem urgência, não há nada no calendário da acção governativa, coisa alguma importante para fazer. (...)

Não vejo que 2013, ou os dois anos e meio decorridos desde a vinda da sombria troika, tenham sido de alguma forma aproveitados para começar a mudar algumas coisas. É o mesmíssimo país, cada vez mais velho e agarrado às ilusões de sempre.» 
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Boas Festas, portugueses!



Expresso, 28/12/2013
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Sondagens? Mais uma



Depois de, há uma semana, a Eurosondagem ter divulgado estimativas quanto às intenções de votos dos portugueses se as eleições legislativas se realizassem agora, sabemos hoje, através do jornal i, os resultados da Pitagórica.

Que variações em relação ao estudo da mesma empresa em fim de Outubro? Não muitas quanto a PS e BE (exacta ou praticamente na mesma), CDS com mais 0,4%, PSD com mais 2% (bate-me que eu gosto...) e CDU com menos 2%. Mais: ao olhar para o que a Eurosondagem divulgou há uma semana, a convergência é também grande (*). Ou seja: quem não acredita em sondagens que se cuide, já que, neste momento, parece que apontam todas mais ou menos no mesmo sentido.

Quanto à Pitagórica de hoje: PS sempre à frente mas a quilómetros de uma maioria absoluta, aliança governamental a subir à custa do PSD, CDU a descer, BE tristemente constante na cauda da fila. A teórica maioria de esquerda, que se mantém (quase 55% se somarmos PS, CDU e BE), em termos de horizontes próximos futuros continua tão inútil como até agora.

Ou seja, globalmente e para usar um plebeísmo mais do que adequado na situação vertente: «Tudo como dantes, quartel-general em Abrantes.» 

(*) Eurosondagem em 20/12: PS 36,5 / PSD 26,5% / CDU 10% / CDS 8,5% / BE 6,5% 
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27.12.13

E se Joan Manuel Serrat faz 70 anos



...há que assinalar a data.

«El franquismo lo condena varias veces al ostracismo o en su caso al veto televisivo, entre otras prohibiciones, pero la figura de Serrat saldrá siempre victoriosa de los desafíos y censuras. Al otro lado del Atlántico países como Argentina, México o Chile lo acogen como uno de los suyos desde su primera visita a finales de la década de los sesenta. Se le compara con Gardel y se le abren los teatros hasta entonces vetados a la música popular. Durante los años más duros de las dictaduras latinoamericanas las canciones de Serrat se convierten en refugio o botiquín de primeros auxilios para muchos hombres y mujeres. Serrat es el cantor de la esperanza y la libertad.
Serrat cumple setenta años con el aval de ser uno de los intérpretes que ha colaborado en la transformación cultural de un país. La figura de Serrat ilumina estas casi cinco décadas de música popular como la de los grandes creadores que han ayudado a cambiar la sensibilidad de su tiempo y su sociedad. Un cantante y autor, a la vez, culto y popular.»






Joan Manuel Serrat e Mario Benedetti (poema)
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2013 e o intolerável êxodo



Há um ano escrevi este post:

A chapa que se vê na imagem está há anos na escada do meu prédio e tapa, mais ou menos atamancadamente, uma instalação eléctrica não sei bem de que tipo. Resultou de umas obras inadiáveis, decididas nessa instância absolutamente sinistra, que dá pelo nome de «reunião de condóminos».
Sempre olhei para ela de esguelha, não fosse o número da esquerda funcionar como presságio de repetição da calamidade recordada pela data da direita. 2013 não me dizia absolutamente nada, para além do temor dessa possibilidade, mas passou a dizer: seria o fim da crise, o último ano em que «os homens de negro» andariam por cá, a última vez em que não me pagariam dois meses de salário para os quais descontei durante décadas.
Hoje, parei de novo a observá-la sem saber o que pensar. Mas fotografei-a para a posteridade. Pode ser que algo de imprevisível aconteça em 2013, que seja o acordar deste pesadelo, que o Passos fuja para Angola, que o Cavaco vá viver com a Lagarde, que o Durão volte a ser maoista, que o Relvas assalte um banco… sei lá!... Mas isto há-de mudar um dia, não?

2013 está a acabar. Passos não fugiu para Angola, Cavaco não foi viver com a Lagarde, Durão não voltou a ser maoista, julgo que Relvas não assaltou nenhum banco e nós ainda não acordámos do pesadelo.

Por mais que o primeiro-ministro diga que isto já mudou para melhor, sabemos que pretende enganar-nos: não foram criados 120.000 empregos líquidos como ele afirma, a malfadada dívida é hoje mais incobrável do que nunca, os nossos benfeitores anunciam que nos esperam 15 ou mais anos de «ajustamento». Temos, sim, um entre muitos motivos para estarmos mais agrestes do que em Dezembro de 2012: aos 120.000 portugueses, jovens na sua maioria, que se viram obrigados a sair do país nesse ano, outros tantos se terão juntado em 2013. Como se a cidade do Porto e alguns arredores se esvaziassem totalmente em apenas dois anos. E isto corresponde a um retrocesso intolerável a uma situação que não esperávamos voltar a viver.

A placa da minha escada era afinal premonitória: 2013 não foi um ano mau, foi péssimo! 
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Querido, o emprego encolheu!



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Ricardo Araújo Pereira sobre «A insustentável sustentação da crise»



Na Visão de ontem, Ricardo Araújo Pereira substituiu a sua crónica habitual da última página da revista por um longo artigo, não propriamente humorístico, sobre o Acontecimento Nacional do Ano, em que defende que a crise política de 2013 foi fundamentalmente semântica: «o significado das palavras sofreu alterações profundas que a academia ainda não teve tempo de dicionarizar. Requalificação significa despedimento, resgatar significa subjugar, ajustar significa empobrecer e, e irrevogável não significa nada»

Nesse contexto, analisa, parágrafo a parágrafo, o irrevogável pedido de demissão de Paulo Portas. Por exemplo: 

«O segundo parágrafo é justamente célebre: "Com a apresentação do pedido de demissão, que é irrevogável, obedeço à minha consciência e mais não posso fazer." Há o pedido de demissão (que não se concretizou), há a irrevogabilidade (que não se verificou), há a alusão a uma alegada consciência (que não se detectou), e há o reconhecimento de mais não poder fazer (que não se confirmou). São 19 palavras, mas quase nenhuma significa o que costuma significar.»

E por aí fora...
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Nós e o Professor Pardal



«Há quem julgue que Portugal precisa de um Professor Pardal para nos explicar como nos devemos comportar, como devemos fazer leis, como devemos comer e como nos devemos vestir. Todos gostam do Professor Pardal mas, quase sempre, os seus inventos provocam destruições.

Temos muitos Professores Pardal disponíveis por aí: o professor FMI, a professora Comissão Europeia e a professora Angela Merkel. Todos acham, em nome da dívida e do défice, que Portugal deve ser assim ou assado. (...)

Em Portugal, há quem julgue que há mentes iluminadas na Europa e nos EUA que pensam por nós. Mas desde que os ingleses nos ofereceram o Tratado de Methuen e nos disseram como deveria ser a nossa indústria que se percebe que não há almoços grátis. Tudo se paga com juros altos. (...)

Portugal, como os outros países latinos, é diferente dos do Norte da Europa. Por isso uns comem bacalhau fresco, outros em filetes e alguns, salgado. Não há uma receita única, como julgam algumas mentes pretensamente cosmopolitas da nossa elite. Nestes dias deveríamos, ao olhar para a mesa, pensar nisso.»

Fernando Sobral

26.12.13

E por vezes




E por vezes as noites duram meses
E por vezes os meses oceanos
E por vezes os braços que apertamos
nunca mais são os mesmos E por vezes

encontramos de nós em poucos meses
o que a noite nos fez em muitos anos
E por vezes fingimos que lembramos
E por vezes lembramos que por vezes

ao tomarmos o gosto aos oceanos
só o sarro das noites, não dos meses
lá no fundo dos copos encontramos.

E por vezes sorrimos ou choramos
E por vezes por vezes ah por vezes
num segundo se evolam tantos anos

David Mourão-Ferreira


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No dia em que o grande timoneiro faria 120 anos

O que estas coisas me irritam! A parvoíce não escolhe latitudes

Nem Nostradamus saberia prever



«O próximo ano não terá fim. Não terminará a 31 de Dezembro, porque a austeridade ultrapassará o ano civil e o ano fiscal. Não terminará a 30 de Junho. Não é Nostradamus que o prevê. É o FMI, o grande astrólogo dos tempos modernos, quem o diz. 2014 durará, pelo menos, entre 10 e 15 anos. O que atirará o futuro de Portugal para a próxima geração. Se tudo correr bem do ponto de vista dos astrólogos do FMI e da União Europeia. E se esta sobreviver. E se o euro não implodir. E se Portugal conseguir criar riqueza para pagar a dívida irrevogável. Ou revogável a prazo, consoante a conjugação de astros. (...) Preso pela dívida e pelo défice, mas também por uma elite política que não tem uma estratégia própria para o país diferente da que é servida nas cartilhas de Berlim e Bruxelas, Portugal continuará a viver à bolina. (...)

É possível imaginar o que será 2014 ou é tudo um exercício de probabilidades matemáticas onde as contas de sumir serão sempre mais determinantes do que as de somar? A troika sairá de Portugal ou terá cá um quarto de hotel reservado, 365 dias por ano, para veranear quando lhe apetecer? (...)

Nostradamus não teria uma resposta para um país que nem se governa nem se deixa governar. E que só tem receio. E por isso emigra. Continuamente.»

25.12.13

Para acabar o dia



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Ladainha dos próximos natais



 
Ladainha dos póstumos Natais

Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que se veja à mesa o meu lugar vazio

Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que hão-de me lembrar de modo menos nítido

Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que só uma voz me evoque a sós consigo

Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que não viva já ninguém meu conhecido

Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que nem vivo esteja um verso deste livro

Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que terei de novo o Nada a sós comigo

Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que nem o Natal terá qualquer sentido

Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que o Nada retome a cor do Infinito

David Mourão-Ferreira, in «Cancioneiro de Natal»
 

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24.12.13

Véspera



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Natal e os mercadores



El hijo

Nadie sabe cómo: Yahvé, el único dios que nunca hizo el amor, fue padre de un hijo.

Según los evangelios, el hijo llegó al mundo cuando Herodes reinaba en Galilea. Como Herodes murió cuatro años antes del comienzo de la era cristiana, Jesús ha de haber nacido por lo menos cuatro años antes de Cristo.

En qué año, no se sabe. Tampoco el día, ni el mes. Jesús ya había pasado casi cuatro siglos sin cumpleaños cuando san Gregorio Nacianceno le otorgó, en el año 379, certificado de nacimiento. Jesús había nacido un 25 de diciembre. Así, la Iglesia Católica hizo suyo, una vez más, el prestigio de las idolatrías. Según la tradición pagana, ése era el día en que el sagrado sol iniciaba su camino contra la noche, a través de las tinieblas del invierno.

Haya ocurrido cuando haya ocurrido, seguramente no se festejó aquella primera noche de paz, noche de amor, con esa cohetería de guerra que ahora nos deja sordos. Seguramente no hubo estampitas mostrando al bebé de rulitos rubios que aquel recién nacido no era; como no eran tres, ni eran reyes, ni eran magos, los tres reyes magos que iban camino al pesebre de Belén, tras una estrella viajera que nadie vio nunca. Y seguramente, también, aquella primera Navidad, que tan malas noticias traía para los mercaderes del templo, no fue ni quiso ser una promesa de ventas espectaculares para los mercaderes del mundo.

Eduardo Galeano - Espejos, una historia casi universal

O que quer que isso queira dizer para cada um



... Bom Natal para os que passarem por aqui. 
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23.12.13

Notáveis da diáspora? Sem Ronaldo?



Aníbal Cavaco Silva, Pedro Passos Coelho, Paulo Portas, Durão Barroso, António José Seguro, ministros e dirigentes de empresas em Portugal estiveram reunidos com 30 portugueses que saíram do país para (legitimamente) «ganharem o seu» e que tiveram nisso mais sucesso do que muitos milhões de compatriotas seus.

Alguns desses ilustres emigrantes, escolhidos a dedo, já tinham aparecido no último «Expresso da 1/2 Noite» e nem o que então disseram saiu do plano do puro bom senso, nem pareceram dispostos a fazer algo de extraordinário por Portugal. (E por que o fariam??? )

Por isso mesmo, não se vislumbra o que habilita especialmente estes «conselheiros de Portugal no mundo» (!???) a debaterem os três temas que terão estado em análise – «mobilidade inteligente», «financiamento alternativo das empresas portuguesas» e «discussão sobre se Portugal está pronto para o futuro» –, nem se percebe a importância dada à sessão por todas as forças supremas do país, a não ser por um provincianismo tristemente pacóvio de que não conseguimos libertar-nos.

E já agora: o Ronaldo terá sido convidado? Há alguém que venda melhor Portugal?

Quanto à foto de família, ela é elucidativa e deve ser guardada para memória futura: estão lá (quase) todos e nada faz crer que nos livremos deles tão cedo. Mas não resisto a copiar para aqui um comentário que o meu amigo João Batata fez no Facebook: «Reconhecem que é Penalti. Estão todos com as mãos a defenderem-se da bolada!» 
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Está quase



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Ainda bem que não votamos nos comunistas



Um texto de Rosa María Artal, publicado pela ATTAC Espanha, e que é para ser lido com atenção.

Menos mal que no votamos a los comunistas

No votéis a los comunistas porque, cuando gobiernen, os quitarán vuestras casas (“Un desahucio cada 15 minutos”).  Nacionalizarán las compañías eléctricas y os subirán el recibo de la luz (“El recibo de la luz se disparará más de un 11% en enero”). Se gastarán todo el dinero de vuestros impuestos en nacionalizar los bancos (“El Gobierno destina otros 41.000 millones de dinero público para ayudar a la banca. Los avales del Estado pasan de 217.043 a 258.000 millones”). Y arruinarán a los pequeños empresarios impidiendo que se puedan financiar “(La financiación a las empresas desciende un 10% y también toca mínimos de toda la crisis”). 


Como resultado de todo ello, vendrán tiempos de pobreza y hambre (“La crisis obliga a ‘millones de personas’ a alimentarse de la basura, según la Fadsp”). 

Además, os quitarán las libertades, como hicieron en Rusia, os multarán si os manifestáis (“Multas de 600.000 euros por convocar una protesta en Twitter ante el Congreso”) o incluso comprarán un camión para disolver con chorros de agua las manifestaciones ciudadanas “(La Policía comprará un camión antidisturbios lanza agua”) . 

Por supuesto, los comunistas intentarán controlar a través del Estado tu vida privada y tus principios morales (“150 organizaciones suscriben un pacto contra la reforma de la Ley del Aborto”; “La asignatura de Religión ‘resucita’ en las aulas”). 

Menos mal que, al final, no votamos a los comunistas. De la que nos hemos librado.  
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Nesta Lisboa de outras eras



O «Natal do Sinaleiro» era tradição incontornável. Os primeiros sinaleiros terão aparecido em 1927, parece que há cinco anos andavam por aí quatro, não sei se sobra neste momento algum. 
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Um Governo avestruz



... mas que não corre, nem consegue eliminar os parasitas.

«Diz-se que a avestruz esconde a cabeça quando se sente ameaçada. Olhando para o Governo não seria difícil descortinar nele o perfil desta avestruz mítica, que teria medo não da sua sombra, mas do país que pretende moldar ao seu modelo.

Não é assim na realidade. Poderosa, a avestruz corre a mais de 70 quilómetros por hora, o que lhe permite fugir a qualquer predador, mesmo que ele seja o Tribunal Constitucional ou o PS. Os especialistas dizem que a avestruz coloca a cabeça na areia para que a temperatura desta elimine os parasitas ou para passar despercebido. Esta tese tem mais a ver com o actual Governo. A sua postura de avestruz tem mais a ver com esta versão mais moderna.»

Fernando Sobral, no Negócios de hoje.
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Dantes



... comprava-se perus no Largo do Rato em Lisboa. Agora, nem isso.
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22.12.13

Espanha: aborto e herança do franquismo



O vergonhoso retrocesso que a Espanha está a viver, depois da aprovação de um projecto-lei que limita drasticamente o direito ao aborto, tem provocado ondas de protesto e de indignação dentro e fora do país.

No jornal Público (espanhol), Lidia Falcón, fundadora da Organização Feminista Revolucionária (1977) que esteve na origem do Partido Feminista de Espanha, põe o dedo na origem de tudo o que está a acontecer: a ferida profunda, ainda não sarada, que é herança do franquismo.

«No creí que se atrevieran. Durante dos años, y antes, en la campaña electoral, los dirigentes del PP han estado amenazando a las mujeres, y en general a toda la sociedad, con penalizar, prohibir y dificultar la posibilidad de practicar el aborto. (...)

Transcurridos treinta años de aquellas luchas, parece una pesadilla encontrarnos de nuevo en la calle gritando que nuestro cuerpo es nuestro, que nuestros vientres y su capacidad para procrear no pertenecen ni a la Iglesia católica, ni al legislador, ni al juez ni al médico, ni siquiera al hombre que ha engendrado el embrión, todos los poderes que siempre se han apropiado de la capacidad de reproducción de las mujeres, haciéndose dueños de su útero y de su vida. (...)

Quiero hacer una reflexión de lo que esta ley supone desde una óptica política. Es una demostración más, con la Ley de Memoria Histórica, el archivo de los procesos contra los asesinos franquistas, el abandono de la búsqueda de los restos de las víctimas en todas las cunetas de España, la ocultación de la historia de este siglo último en las escuelas y los medios de comunicación, de que el franquismo ni se ha extinguido ni se ha archivado ni se persigue, sino que sigue gobernando.

La persecución del aborto fue una de las señas de identidad del fascismo que perduró en nuestro país bastante más que los cuarenta años que se señalan de dictadura. (...)

Si alguna revancha tenía que tomar el gobierno de ultra derecha que nos oprime contra los tímidos avances que el feminismo había logrado, si de alguna manera podía vengarse de que las mujeres ya no seamos las esclavas que disponía la legislación de la dictadura, si finalmente tenía que presentarse ante la Iglesia católica, su gran aliada y cómplice, como el garante de los principios tridentinos, tenía que ser volviendo a prohibir el derecho de la mujer a ser dueña de su cuerpo y de su destino. En el ADN de la derecha, de la Iglesia, de todas las fuerzas reaccionarias está dominar a las mujeres, someterlas a su insustituible labor maternal, mantenerlas como las fuerzas reproductoras a las que hay que obligar a parir, tanto si lo desean como si no.»
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