8.2.13

Ulrich, Franquelim, Amorim... Falemos da riqueza



O Editorial de Le Monde Diplomatique de Fevereiro, por Sandra Monteiro.

«Portugal tem de falar menos dos que têm dinheiro e mais dos que não têm», afirmou recentemente, em entrevista ao caderno de «Economia» do Expresso, o empresário Américo Amorim, considerado a segunda fortuna do país em 2012 (Expresso, 2 de Fevereiro de 2013). A afirmação teve destaque de primeira página, mas falha como preocupação consequente com a pobreza que devasta as vidas de milhões de portugueses: o empresário acha que «a crise não existe», que «as pessoas não querem é entender que a economia mundial mudou». Espera que «continue o processo de reprivatizações» e esclarece: «é uma cachorrice» criticar quem tem dinheiro porque sem criação de riqueza não há erradicação da pobreza.

Américo Amorim limita-se a repetir o que dizem os neoliberais. É por isso que é preciso falar da riqueza. A narrativa não tem surpresa: o Estado deve respeitar a «livre iniciativa» e retirar-se de todas as áreas em que a intervenção pública competiria com os negócios privados; deve limitar-se a algumas funções constitucionais (Estado mínimo, assistencialista, algumas funções de soberania); e deve deixar a riqueza (privada) seguir o seu livre curso, porque ela há-de jorrar do topo até à base da sociedade.

Tudo isto é um mito, e desastroso. A riqueza não escorre «naturalmente» de cima para baixo, acudindo a quem mais precisa. Obrigar à sua redistribuição tem sido tarefa histórica de Estados fortes, de movimentos sociais e sindicais corajosos, e de cidadãos apostados na construção de sociedades mais coesas e igualitárias. Também não é nada «natural», mas o resultado de uma correlação de forças, o movimento da riqueza em sentido inverso, de baixo para cima, como acontece em períodos de enfraquecimento dos poderes públicos, de aumento da exploração do trabalho e de substituição da redistribuição por uma apropriação dos rendimentos dos que menos têm para enriquecer os mais abastados.

Nas sociedades humanas, como em qualquer ecossistema, o destino de uns influi no destino dos outros. O Estado social e democrático, com todos os seus defeitos e insuficiências, estabeleceu entre os cidadãos e os poderes públicos um contrato de solidariedade para implantar políticas de combate às desigualdades. Esse compromisso está a ser rompido. O capitalismo português, medíocre e riscofóbico, construiu poderosas redes com o poder político para capturar o Estado, parasitar os seus recursos e resolver incompetências e fraudes de gestão com resgates públicos. Assim se acumula em algumas mãos a riqueza que deixa outros sem comer ou sem abrigo. Temos de recuperar e criar os instrumentos de política (financeira, fiscal, industrial) para a conter e redistribuir, ou não teremos uma sociedade decente. Reapropriarmo-nos dessa exigência ética será a melhor forma de assustar os que hoje, com sobranceria, aplaudem mais austeridade, mais privatizações e mais negócios libertos de regulações, sejam quais forem as consequências sociais ou ambientes.

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