12.8.13

A luz é como a água



Pelo Natal os meninos tornaram a pedir um barco a remos.
– De acordo – disse o pai –, compramo-lo quando voltarmos a Cartagena.
Totó, com nove anos, e Joel, com sete, estavam mais decididos do que os pais achavam.
– Não – disseram em coro. – Precisamos dele já e aqui.
– Para começar – disse a mãe –, aqui não há água para andar de barco, só há a do chuveiro.

Tanto ela como o marido tinham razão. Na casa de Cartagena de Índias havia um pátio com um molhe sobre a baía e uma doca para dois grandes iates. Em contrapartida, ali em Madrid, viviam apertados no quinto andar do número 47 do Paseo de la Castellana. Mas por fim nem ele nem ela conseguiram escapar, porque tinham de facto prometido aos filhos um barco a remos com sextante e bússola se ganhassem uma medalha no seu terceiro anos da escola primária, e eles tinham conseguido a medalha. Assim sendo, o pai comprou tudo sem dizer nada à mulher, que era mais renitente em pagar promessas. Era um belo barco de alumínio com um fio dourado na linha de flutuação.

– O barco está na garagem – revelou o pai à hora do almoço. – O problema é que não conseguimos trazê-lo pelo elevador ou pela escada, e na garagem não há espaço livre.

No entanto, na tarde do Sábado seguinte, os meninos convidaram os colegas de escola para carregarem o barco pelas escadas, e conseguiram levá-lo até o quarto de empregada.
– Parabéns – disse o pai. – E agora?
– Agora, nada – disseram os meninos. – A única coisa que queríamos era ter o barco no quarto e pronto.

Na noite de quarta-feira, como em todas as quartas-feiras, os pais foram ao cinema. Os meninos, donos e senhores da casa, fecharam portas e janelas, e quebraram a lâmpada acesa de um lustre da sala. Um jorro de luz dourada e fresca como água começou a sair da lâmpada quebrada, e eles deixaram-no correr até que o nível da luz chegou a quatro palmos de fundo. Então desligaram a corrente, foram buscar o barco e navegaram com prazer entre as ilhas da casa.

Gabriel Garcia Márquez, início do conto A luz é como a água, 1978.
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