6.9.13

Dinossauros Excelentíssimos



No dia deles, é-me impossível não recordar este texto de José Cardoso Pires, em Dinossauro Excelentíssimo, 1972 (dedicado a Salazar, eu sei...)

O homem que veio do nada

Supõe-se, está vagamente escrito, que esse imperador veio realmente do nada. Que nasceu algures numa choupana, filho de gente-nada ou pouca-coisa, camponeses ao desabrigo. Que muito possivelmente estudou por cartilhas de aldeia; por catecismos, também. Mais: a acreditar nos compêndios das escolas, teria vindo ao mundo iluminado por Deus ─ e tanto assim que, ainda muito mocinho, fez ciência entre os doutores.

Nessa altura chamava-se Francisco ou Vitorino; Adolfo, talvez Adolfo Hirto; ou Benito Marcolino, Zé Fulgêncio, Sebastião Desejado ─ não interessa. O que interessa é que quando deram por ele já tinha outro nome: Imperador, Dinosaurus Um, Imperador e Mestre. Palmas.

«VIVA O MESTRE IMPERADOR!»
«VIVÓÓÓ...»

Teria tido infância? Mistério: neste ponto, os cronistas tropeçam no aparo e saltam uns anos. Limitam-se a afirmar que já em criança tinha a marca inconfundível dos chefes, como mais tarde se havia de provar quando o Reino apareceu assinado de ponta a ponta com o nome dele:

Avenida Dinossauro Primeiro
Casino Dinossauro
Banco do Reino / Dinnosaurus Imp.
Aeroporto do Imperador
Real Academia Dinossaura
Dinossauro Futebol Clube
Edifício Dinossauro
Bacalhau à Mestre Imperador
Correios do reino / selo comemorativo / Dinossauro Primeiro, Pai da Pátria
Fado Imperador, consumo obrigatório
Dinossauro há só um (provérbio corrente)

Saber & Autoridade era o seu lema; sua arma o Silêncio. E sendo assim, tão orientado, é de admirar que tenha atingido o poder que atingiu? Não estaria destinado por natureza a escapar às leis da morte, uma vez que, sabe-se agora, toda a sua vida tinha sido feita á margem das leis dos vivos? 
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