8.12.13

Dúvida: A dívida deve ser paga «a todo o custo»?



A IAC publicou recentemente um documento com «10 Perguntas Frequentes sobre a Dívida» e respectivas respostas, simples e sucintas, que ajudam a eliminar muitos «fantasmas». Escolho mais uma:

A dívida deve ser paga «a todo o custo»?

A resposta a esta questão remete para o domínio da ética, mais especificamente para o problema da responsabilidade da dívida (do devedor, do credor ou de ambos?)

Por dívida entendem-se duas situações distintas: dívida como relação social básica (todos nós pedimos, logo devemos, coisas uns aos outros) e dívida como relação financeira (contrair uma dívida num banco, por exemplo).

Em sentido social, a dívida é da responsabilidade do devedor porque, por regra, este empréstimo não envolve lucro. Em sentido financeiro, emprestar é um negócio: o credor empresta na expetativa de obter lucro. Mas, como o resultado é incerto, cobra juros, que remuneram, além do tempo, o risco envolvido. Neste sentido, a responsabilidade de uma dívida é também do próprio credor e não apenas do devedor.

A reforçar as diferenças entre os dois tipos de dívidas, existe ainda um outro aspecto.

As dívidas que envolvem agentes financeiros, são pela sua natureza abstrata e descontextualizada, transferíveis. Ao contrário, uma dívida em sentido social é intransmissível, isto é, o dever de reciprocidade a que alguém se obriga para retribuir um valor em dívida, não pode ser transferido para um qualquer outro «credor».

Por norma, a dívida em sentido financeiro é, inadequadamente, avaliada em termos morais, como se se tratasse de uma dívida de carácter meramente social. A afirmação «temos que pagar as dívidas» (financeiras, entenda-se) é posta em termos morais, para a aproximar da dívida social e assim, por analogia, transferir a «culpa» da dívida apenas para o devedor: este acaba por naturalizar a sua obrigação, sem qualquer possibilidade de se libertar da sua culpa ou falha «moral»: tem que pagar! No entanto, se a questão fosse (devidamente) colocada em termos financeiros, ficariam expostos os mecanismos desta dívida e a respetiva responsabilidade do credor.

Relativamente à dívida pública, mesmo admitindo que o Estado português seja um devedor «honrado» e o único responsável, ainda assim deve perguntar-se por que razão o imperativo do pagamento aos credores deve ser considerado moralmente superior a outros compromissos igualmente assumidos pelo Estado (saúde, justiça, educação)? Manter a expectativa de elevados lucros dos agentes financeiros credores é o único compromisso que o Estado decide «honrar». Porquê?

«A dívida deve ser paga a todo o custo»? Não. O «custo» deve ser repartido por todos os responsáveis, incluindo os credores. Neste contexto, repartir responsabilidades significa algo normal e que sempre se praticou: renegociar uma dívida. 
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