8.2.14

Praxes, bolsas – Integração democrática


Texto de Sandra Monteiro em Le Monde Diplomatique (ed. portuguesa) de Fevereiro de 2014:

A liberdade, a democracia e a igualdade são também uma prática. Quando se criam estruturas cujo funcionamento não foi sequer pensado como forma de atingir práticas livres, democráticas e igualitárias, no seu lugar não se instala um vazio. Surgem práticas de sentido contrário. Como não haveria de ser assim se, mesmo governando para o bem comum, não há memória de uma sociedade ter resolvido todos os problemas ligados à formação da escolha por sujeitos livres, ao equilíbrio entre horizontalidade e representação democrática, à eliminação das desigualdades geográficas, de classe ou de género?

O problema, hoje, com a neoliberalização acelerada pelas políticas de austeridade, é que a sociedade está a funcionar contra a democracia, a liberdade e a igualdade. Isso nota-se em tudo, do favorecimento do capital financeiro ao esmagamento das condições de vida de trabalhadores e pensionistas, da ocupação do público pelo mercado ao desprezo pela cultura. Como podíamos semear tanto vento, durante tanto tempo, sem colher agora tempestades?

Dois dos problemas que recentemente saltaram para o debate público, relacionados com as praxes universitárias e as bolsas de investigação científica, são, cada um a seu modo, sintomas de uma doença que se instalou nos estabelecimentos de ensino superior e na sociedade. A integração dos estudantes na vida académica e a dos investigadores no mundo do trabalho tem tido evoluções há muito preocupantes; estamos na fase aguda da doença. Há que identificar os seus sintomas, mas não é realista pensar que eles desaparecem sem olhar para as suas causas, multifactoriais e sistémicas.

Comecemos pela questão das bolsas de investigação científica, que retomamos nesta edição com o artigo de Ana Estevens e Sónia Pereira («“Salgam o chão e aguardam que nada floresça”: É este o futuro da investigação e da ciência em Portugal?»). Os resultados do mais recente programa de bolsas da Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT) privaram de financiamento mais de mil investigadores que dele dependiam para prosseguir trabalhos de reconhecida qualidade. Na origem destes cortes, para lá de processos menos rigorosos que urge averiguar, está um imenso desinvestimento público na investigação e na ciência em Portugal, com os poderes públicos a quererem investir apenas nos segmentos orientados para o mercado e as empresas privadas. Desta lógica privatística ficam de fora as áreas do conhecimento não vocacionadas, ou não exclusivamente vocacionadas, para prosperar na esfera puramente mercantil, essa utopia neoliberal.

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