18.3.14

Medeiros Ferreira – crónica de Diana Andringa, hoje, na Antena 1



«Acontece-me cada vez mais, porque com o passar dos anos crescem as mortes que nos tocam. E cada notícia traz consigo a memória de uma data e um local, mesmo as que falam de pessoas que vimos muitas vezes, ao longo de vários anos.

Assim quando me chegou hoje a notícia da morte de José Medeiros Ferreira. Recordei-o sentado num café que há muito não existe, o Nova Iorque, no lado esquerdo da Avenida dos Estados Unidos, junto a Entre Campos, em Lisboa. Estava um dia de sol e sentou-se à minha mesa. Tratava-o com o respeito próprio a um “mais velho” - dirigente da crise de 62, preso político, autor do comunicado No Dia de uma Universidade Cativa, que ajudara a distribuir, no dia seguinte ao da prisão de cerca de cinco dezenas de estudantes, a 21 de Janeiro de 65, estudante expulso de todas as universidades do país nesse mesmo ano. Irónico, como sempre, parecia, nesse dia, levemente ansioso. Hesitou em pedir um café, optou por um carioca de limão. Percebi que esperava uma hora e alguém, e a minha presença era apenas, de algum modo, um disfarce útil. A certa altura disse-me adeus e saiu, deixando o carioca por beber. Dias depois, alguém me distribuiu a Carta Aberta ao Povo Português com que anunciou a sua deserção do exército português, “por ele estar a executar a sua guerra mais injusta”, escreveu, dizendo também estar “pronto a reentrar nas suas fileiras quando voltar a defender o povo e a lutar pela liberdade em Portugal”.

Com razão ou sem ela, liguei sempre a memória dessa carta e a do carioca de limão deixado por beber.

Talvez o Nova Iorque não merecesse, só por isso, uma placa a recordá-lo como lugar de resistência. Mas penso como seria bom que a Câmara de Lisboa copiasse o exemplo de Porto Alegre, onde, há dias, a propósito das Descomemorações dos 50 anos do Golpe Civil-Militar de 64 – os brasileiros sabem formar novas palavras justas, um golpe como aquele descomemora-se - há dias, dizia, o mandato do vereador Alberto Kopittke lançou um Mapa da Ditadura na cidade, porque, disse, “a memória é fundamental para homenagear a todo(a)s que lutaram para que hoje possamos viver numa democracia”

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A Carta Aberta ao Povo Português, a que Diana Andringa faz alusão, está publicada na Ephemera e pode ser vista AQUI, em formato maior (com a qualidade possível...). 
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