3.1.15

Lido por aí (201)


@João Abel Manta

* Felices los que no dudan (Arturo González)

* El valle de la desesperación (Paul Krugman)

* Papandreou set to lead ‘wild card’ party (Kerin Hope)
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Data para isto




Fuga de Peniche, 3/1/1960.
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Nero e a «destruição criativa»

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«François Mitterrand tinha um astrólogo quando foi presidente de França. Nancy Reagan também tinha um quando estava na Casa Branca. Mas há quem diga que o mais importante dos oráculos modernos é o presidente da Reserva Federal norte-americana.

Afinal as previsões racionais baseiam-se em evidências substantivas e os oráculos económicos têm um enorme impacto já que os medos e esperanças alteram os mercados. O receio do futuro vem de longe. O medo de tomar decisões erradas fez sempre parte da política. O imperador romano Nero, por exemplo, foi visitar o oráculo de Delfos. Este disse-lhe para ter cuidado com os 73 anos. Na altura Nero regressou a Roma confiante no futuro. Mesmo eufórico. Tinha 30 anos. Achou que até essa idade era invencível. Desprezou por completo a rebelião de Galba na Espanha. Este tinha 73 anos na altura. O destino estava traçado: Nero, confrontado com o seu isolamento suicidou-se com 31 anos.

Portugal vai entrar em 2015 a pisar brasas. A dívida pública (e a privada) continua monstruosa. O défice não é tão domesticável como parece. O país continua a ser incapaz de decidir, por si, o seu destino. (...) 2015 está cheio de sinais. Bons. Maus. Assim-assim. Todos juntos formam um sistema. Onde o centro, para onde todos olham, se chama "eleições". (...) Seja como for o Portugal de 2015 será diferente do de 2014 e, claro, do de 2011. O velho poder caiu. Um novo, com novas cumplicidades no círculo do poder, nasceu. O dono disto tudo caiu, no meio de uma implosão da família e aliados, e os novos donos disto tudo falam outras línguas. Compram tudo, com o aval de grupos de intermediação com o poder. O novo poder, criado nestes anos, é este: o de facilitadores de negócios. Mas os estilhaços do BES vão atingir todos os que à volta dizem que só Ricardo Salgado sabia. (...)

Antes de desaparecer de vez, Nero incendiou Roma. Para ver as chamas e sonhar que um novo império seria erguido a partir das suas cinzas. Era a "destruição criativa" da época. Nada correu como o planeado. O império apenas atraiu novas elites extractivas que o sugaram até não restarem forças para resistir às hordas bárbaras. O regime português em 2015 vai defrontar-se com o mesmo espectáculo. Todos procurarão as culpas alheias. Do passado ou do presente. E tentarão isentar-se das suas. Uma história com muitos séculos em Portugal. E nesse aspecto 2015 não trará nada de novo.»

Fernando Sobral
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2.1.15

E por vezes



E por vezes as noites duram meses
E por vezes os meses oceanos
E por vezes os braços que apertamos
nunca mais são os mesmos. E por vezes

encontramos de nós em poucos meses
o que a noite nos fez em muitos anos
E por vezes fingimos que lembramos
E por vezes lembramos que por vezes

ao tomarmos o gosto aos oceanos
só o sarro das noites não dos meses
lá no fundo dos copos encontramos

E por vezes sorrimos ou choramos
E por vezes por vezes ah por vezes
num segundo se evolam tantos anos.

David Mourão-Ferreira,  in Matura idade (1973)


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Lido por aí (200)


@João Abel Manta

* The politics of economic stupidity (Joseph E. Stiglitz)

* A Marxist experience of Foucault (Antonio Negri)

* Grecia: democracia contra la tiranía financiera (Alejandro Nadal)
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Paraísos...



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Nas portas que Abril abriu



Sérgio Figueiredo, Diário de Notícias, 29/12/2014.
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1.1.15

Lido por aí (199)

31/12/1968 – 1/1/1969: «Vemos, ouvimos e lemos»



É quase um ritual, mas há sempre quem não saiba que a Cantata da Paz, tão divulgada por Francisco Fanhais depois do 25 de Abril, foi por ele «estreada» na passagem de 1968 para 1969, numa Vigília contra a guerra colonial, com letra propositadamente escrita para o efeito por Sophia de Mello Breyner. Retomo por isso, parcialmente, o que já divulguei em tempos.



Em 31 de Dezembro de 1968, cerca de cento e cinquenta católicos entraram na igreja de S. Domingos, em Lisboa, e nela permaneceram toda a noite, naquela que terá sido a primeira afirmação colectiva pública de católicos contra a guerra colonial. O papa Paulo VI decretara que o primeiro dia de cada ano civil passasse a ser comemorado pela Igreja como dia mundial pela paz e, alguns dias depois, os bispos portugueses tinham seguido o apelo do papa em nota pastoral colectiva.

Assim sendo, nada melhor do que tirar partido de uma oportunidade única: depois da missa presidida pelo cardeal Cerejeira, quatro delegados do grupo de participantes comunicaram-lhe que ficariam na igreja, explicando-lhe, resumidamente, o que pretendiam com a vigília:

«1º – Tomar consciência de que a comunidade cristã portuguesa não pode celebrar um “dia da paz” desconhecendo, camuflando ou silenciando a guerra em que estamos envolvidos nos territórios de África.
2º – Exprimir a nossa angústia e preocupação de cristãos frente a um tabu que se criou na sociedade portuguesa, que inibe as pessoas de se pronunciarem livremente sobre a guerra nos territórios de África.
3º – Assumir publicamente, como cristãos, um compromisso de procura efectiva da Paz frente à guerra de África.»

Entregaram-lhe também um longo comunicado [que está online] que tinha sido distribuído aos participantes, no qual, entre muitos outros aspectos, era sublinhado o facto de a nota pastoral dos bispos portugueses, acima referida, tomar expressamente partido pelas posições do governo que estavam na origem da própria guerra, ao falar de «povos ultramarinos que integram a Nação Portuguesa».

Apesar de algumas objecções, o cardeal não se opôs a que permanecessem na igreja, ressalvando «a necessidade de uma atitude de aceitação da pluralidade de posições».

Pluralidade não houve nenhuma e, até às 5:30, foram discutidos todos os temas previstos e conhecidos: vários testemunhos, orais ou escritos, sobre situações de guerra na Guiné, Angola e Moçambique.

Hoje, tudo isto parece trivial, mas estava então bem longe de o ser. Aliás, seguiu-se uma guerra de comunicados entre Cerejeira e os participantes na vigília. Com data de 8 de Janeiro, uma nota do Patriarcado denunciou «o carácter tendencioso da reunião», terminando com um parágrafo suficientemente esclarecedor para dispensar comentários: «Manifestações como esta, que acabam por causar grave prejuízo à causa da Igreja e da verdadeira Paz, pelo clima de confusão, indisciplina e revolta que alimentam, são condenáveis; e é de lamentar que apareçam comprometidos com elas alguns membros do clero que, por vocação e missão, deveriam ser não os contestadores da palavra dos seus Bispos, mas os seus leais transmissores».

A PIDE esteve presente (há disso notícia em processo na Torre do Tombo), mas não houve qualquer intervenção policial. Alguns jornais (Capital e Diário Popular) noticiaram o evento, mas sem se referirem ao tema da guerra colonial – terão provavelmente tentado sem que a censura deixasse passar. A imprensa estrangeira, nomeadamente algumas revistas e jornais franceses, deram grande relevo ao acontecimento. E foi forte a repercussão nos meios católicos.

P.S. – Quatro anos mais tarde realizou-se uma outra vigília pela paz, na Capela do Rato, com consequências bem mais gravosas porque envolveu uma greve de fome, prisões e despedimentos da função pública. 
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Mas lá chegaremos!


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31.12.14

Aos que passarem por aqui



Entrem em 2015 com o pé esquerdo, a pés juntos, ou mesmo de gatas. Com o pé direito, já sabemos que não dá. 
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Lido por aí (198)

Passos Coelho versus Anthímio



«Diz o líder do PSD, com o casaco de PM, que este será o primeiro Natal desde há muitos anos em que os portugueses não terão a acumulação de nuvens negras no seu horizonte. Passos recorre à metáfora do Instituto Nacional de Meteorologia e Geofísica e, obviamente, vamos aproveitar porque é terreno fértil para isso e dá menos trabalho.

Passos quer ser o Anthímio de Azedo, mas esquece-se que a relação dos portugueses com o falecido baseava-se na confiança. O Anthímio acertava algumas vezes. As previsões do PM estão sempre fora de prazo. Mesmo que não houvesse nuvens negras, o que vemos é um acentuado arrefecimento nas prestações sociais, com aparecimento de fome na faixa costeira ocidental, e o vento vai continuar a soprar fraco a sul de Berlim. (...)

Para terminar, e não deixar dúvidas que já estamos em plena campanha, na passada terça-feira, num almoço em Cascais, Passos Coelho, com a justificação que as campanhas se ganham cá dentro, pediu aos colegas do governo para viajarem menos. Ele lá sabe, mas logo, agora, que os aviões desaparecem, acho péssima ideia não deixar a malta do governo ir viajar. Mas percebo a ideia do Passos: podia parecer que estão a fugir (para um sítio com nuvens ainda menos negras).

Bom ano, mesmo.»

João Quadros

30.12.14

Sem nuvens negras e com confiança



Ricardo Araújo Pereira, na Visão com data de 1/1/2015:

«Se o leitor gosta de confiança, vai ter um grande 2015. Sobretudo, se aprecia especialmente aquele tipo de confiança que medra quando não há nuvens negras. Foi o que António Costa e Passos Coelho prometeram aos portugueses para o ano que agora começa: confiança e céu limpo. (...)

O primeiro-ministro promete um ano sem nuvens negras. Oferece a inexistência dessa nebulosidade. O que é fascinante é que essa inexistência não existe, isto é as nuvens negras não se dissiparam. (...)

Já António Costa, ao prometer confiança, consegue resguardar-se de eventuais acusações de incumprimento. (...) Prometer confiança é equivalente àquilo que dizemos para consolar o familiar de um defunto. "Muita força", recomendamos nós. Se a pessoa não tem força, a culpa não é nossa. Prometer um ano sem nuvens negras é dizer ao mesmo familiar , no mesmo velório: "Melhores dias virão". A diferença é que, neste velório, nós somos o familiar e, parece-me, o defunto.»

Na íntegra AQUI.
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Grécia e as ameaças de ostracismo



«Estava escrito nas estrelas e anunciado pelos oráculos de Delfos: o equilíbrio instável grego, entre uma austeridade medonha e um poder político de cristal, estava prestes a fragmentar-se.

As eleições vêm aí, entre as ameaças de ostracismo decretadas pela União Europeia e a vontade própria dos gregos. Na antiga Grécia uma "ostrakon" era um pedaço de cerâmica onde os cidadãos de Atenas escreviam o nome que queriam ver removido da política e desejavam que fosse enviado para o exílio durante 10 anos. O propósito do "ostracismo" era ser uma espécie de limpeza administrativa de uma democracia.

Nestes tempos da União Europeia onde a democracia foi substituída pela austeridade tutelada por Bruxelas, e onde o poder democrático dos cidadãos está refém da chantagem orçamental e dos empréstimos externos, o braço-de-ferro entre a Grécia e a UE, especialmente se as eleições parlamentares não "correrem bem", vai determinar também parte do futuro de Portugal. O delicado equilíbrio reinante na União Europeia e na Zona Euro vai ser posto à prova durante 2015 em sucessivas eleições. No meio de um ambiente propício ao radicalismo político. A crise grega é apenas o aperitivo para o que poderá acontecer em França, Grã-Bretanha, Espanha, Portugal ou Dinamarca.

Entre o poder dos mercados, o valor do voto dos cidadãos e a política cega da União Europeia se verá se a Europa não irá ser uma pavorosa Medusa, onde cada um dos seus cabelos não se transforma numa cobra cuspideira onde todos passarão a atacar todos. E onde o pior que poderá acontecer será Bruxelas tentar ostracizar os cidadãos de cada país humilhado e farto de falsas esperanças e de austeridade sem fim. 2015 arrisca-se a ser o ano de todas as decisões para esta Europa que criou um mercado único, mas não criou um sistema democrático europeu. Afinal a crise agora não é apenas financeira. Nunca foi. É política. Como, desde o início, sempre foi.»

Fernando Sobral

29.12.14

Natal atrasado



Nochebuena

Fernando Silva dirige el hospital de niños en Managua.

En vísperas de Navidad, se quedó trabajando hasta muy tarde. Ya estaban sonando los cohetes, y empezaban los fuegos artificiales a iluminar el cielo, cuando Fernando decidió marcharse. En su casa lo esperaban para festejar.

Hizo una última recorrida por las salas, viendo si todo queda en orden, y en eso estaba cuando sintió que unos pasos lo seguían. Unos pasos de algodón; se volvió y descubrió que uno de los enfermitos le andaba atrás. En la penumbra lo reconoció. Era un niño que estaba solo. Fernando reconoció su cara ya marcada por la muerte y esos ojos que pedían disculpas o quizá pedían permiso.

Fernando se acercó y el niño lo rozó con la mano:

– Decile a... – susurró el niño – Decile a alguien, que yo estoy aquí.

Eduardo Galeano, El libro de los abrazos

O Natal de António Costa



Com autorização expressa do autor, tio de António Costa e meu amigo de longa data, divulgo esta magnífica carta, dirigida ao jornal «i» e que recebi há pouco por mail:

Senhor Director,

Relativamente ao título de 1ª página do jornal “I” de hoje (29.12.2014), segundo o qual “António Costa passou o Natal a 30 km de Évora mas não foi ver Sócrates”, acentuando-se no subtítulo que “o certo é que, apesar de ter passado a consoada em Montemor-o-Novo, no Alentejo, nem por isso visitou o ex-primeiro ministro”, permita-me V. Exª o seguinte desabafo:

Como é costume desde que me conheço, passei a última consoada com a minha família mais próxima, do lado paterno.

Dessa família faz parte um sobrinho, filho da minha irmã, chamado António Costa, que é Secretário-Geral do PS.

Por mera coincidência, a dita consoada foi passada em casa dele.

Não duvidei, nem por um momento, que o dono da casa fosse o meu referido sobrinho: desde a aparência física, ao tom de voz, passando pelo óbvio conhecimento das pequenas histórias familiares que sempre se relembram nestas ocasiões, tudo indicava tratar-se dele.

Daí a angústia que de mim se apossou ao saber hoje, pelo distinto jornal que V. Exª dirige, que afinal o meu sobrinho tinha passado a consoada a 30 km de Évora e que, ainda por cima ,nem sequer se tinha dignado ir visitar o seu amigo Sócrates.

Compreenderá V. Exª a razão desta angústia: quem era, então, o embusteiro que se fez passar pelo meu sobrinho, enganando-me não só a mim como à mulher, aos filhos, à mãe, ao padrasto, ao irmão, à madrasta, à tia e aos primos do verdadeiro António Costa? E que, ainda por cima, foi obsequiado com presentes de Natal como se à família pertencesse?

Ele sempre há cada uma!

Não fosse haver jornais como o “I” e imagine-se só como a opinião pública andaria enganada…

Bem haja, pois, V. Exª e o seu jornal pelos altos serviços prestados à verdade e à honradez informativa.

Creia-me, com a consideração devida,
Jorge Santos
Advogado 
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Lido por aí (197)

Grécia: já está! Respect



A terceira tentativa de eleger Stavros Dimas, que terminou há pouco, falhou: só obteve 168 votos, nem mais um do que na ronda anterior. O Parlamento será dissolvido, haverá eleições legislativas já marcadas para 25 de Janeiro, e o Syriza é dado como favorito nas sondagens (em duas, publicadas no Sábado, leva vantagem de 3,3% e de 2,5% sobre a Nova Democracia.)

De nada valeram ameaças e inacreditáveis pressões de responsáveis europeus, mesmo ao mais alto nível, bem se apregoou que estas podem ser as eleições mais importantes, e mais perigosas, desde o início da crise da Zona Euro.

Os gregos são bravos. Respect. E uma ponta de inveja, também. 
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