9.1.15

Charlie – O que aí vem


(A imagem não é de Bansky, mas de Lucille Clerc.)

«No notável filme de Ingmar Bergman, "O Ovo da Serpente", assistimos à crise da República de Weimar alemã, à degradação económica e social da população, à falta de confiança no futuro.

O ovo da serpente encontra aí o calor propício para ser chocado, criando um Estado forte e sedento de poder e um homem providencial, Hitler. Os bárbaros assassínios no "Charlie Hebdo" mostram que esse ovo da serpente está a ser chocado há muito. Os resultados estão a ser, e serão, desastrosos. A questão do massacre no "Charlie Hebdo" e a morte de cartoonistas como Wolinski (que me diverti a ler, na minha juventude, nas páginas da revista de BD "Charlie Mensuel") ultrapassa a questão da liberdade de imprensa. Acerta no coração da liberdade, o centro dos regimes democráticos e liberais construídos nos últimos séculos. E é um dos corolários da profunda crise das sociedades globais em todas as áreas: económica, política, social, cultural, religiosa e moral. (...)

A ideia é criar uma paranóia total, que crie o radicalismo do outro lado. Isso já é visível: com uma xenofobia crescente contra "os outros" na Europa (ajudada pela crise económica) e com o reforço do Estado e a limitação de garantias da liberdade (algo que também agrada a alguma da elite ocidental). O pior é que no mundo da liberdade e da democracia este terror vai ser aproveitado pelas forças que acham que o regresso do "Estado forte" e que a supressão de liberdades será a melhor forma de combater os inimigos. Os seus filhos, que actuam com um rigor e frieza militar para executar jornalistas livres, mostram que o mundo vive numa outra era. De crises que se cruzam. E onde a liberdade parece ser o valor a abater.»

Fernando Sobral
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