2.2.15

Ai, Portugal...



«O Syriza abriu uma caixa de Pandora, que foi alimentada em fogo lento pelas políticas de austeridade durante todos estes anos. E fez com que, para além da histeria sobre o pagamento da dívida, a Europa se defrontasse com o seu espelho de Oscar Wilde: está cheia de rugas.

O desafio da Grécia a esta Europa centralizadora e de pensamento único não é de esquerda ou de direita: é das nações e dos seus cidadãos fartos de serem figuras retóricas de uma democracia comandada. A Grécia, sabe Tsipras, é mais do que um caso financeiro: é um país estratégico. Sabem isso os americanos que, não por acaso, na década de 1970 suprimiram as ditaduras no sul da Europa. Sabem os russos, que o cortejam. Só a Alemanha, que estrategicamente continua refém de Bismarck e só pensa no leste como território importante, ignora o papel do sul como fronteira num Médio Oriente em convulsão. (...)

Portugal atrelou-se à Alemanha e deixou de utilizar o seu potencial estratégico atlântico, entre os EUA e a Inglaterra, com ligações profundas à África Ocidental. Prefere ser um parceiro menor da Europa. (...)

O Syriza veio abalar o cenário idílico da Europa central que vela pelas nossas finanças e sabe o que devemos comer nos aviões. O futuro do euro não está escrito nas estrelas. Nem nelas, nem numa bola mágica, nos dizem qual vai ser o destino da moeda única criada como arma política. A própria criação da União Europeia serviu para conter as ambições da Alemanha, sempre demasiado poderosa para países como a França. Mas nunca foi um projecto claro. A união dos países europeus até foi um princípio defendido pelos EUA como forma de travar os soviéticos mas quando o euro ameaçou substituir o dólar como moeda de referência global, as suas certezas estilhaçaram-se. Os pais fundadores da UE, o francês Robert Schuman, o alemão Konrad Adenauer e o italiano Alcide de Gasperi - todos católicos que falavam alemão - partilhavam a visão clássica liberal da Europa; e eram também democratas-cristãos. Esse círculo virtuoso implodiu: a prosperidade que gerava apoio político da classe média para mais integração criava crescimento. Mas hoje a Europa significa austeridade e não prosperidade e o fim da classe média. É esta aliança que motiva Portugal.»

Fernando Sobral

0 comments: