14.4.15

O sobressalto feliz do encontro com um novo livro



Crónica de Diana Andringa, hoje, na Antena 1:

No tempo em que a Censura impedia a edição em Portugal de todos os autores considerados “subversivos” – leque vastíssimo, que podia englobar Diderot, Karl Marx, Jorge Amado, Simone de Beauvoir ou Mao Tsé Tung – era de França que nos chegavam as novidades literárias, as novas correntes de pensamento, a reflexão política. Como resumiu em tempos um jornalista português, “Ninguém, na nossa geração – hoje na casa dos 60, 70 – falaria da Doença Infantil do Comunismo – sempre lhe chamámos La maladie infantile du communisme.”

Muitos desses livros e revistas que procurávamos junto dos raros livreiros que os vendiam clandestinamente, ou encomendávamos a amigos que iam ao estrangeiro, tinham uma chancela: Éditions Maspero. As suas colecções davam-nos a conhecer o pensamento e a escrita de, entre muitos outros, Frantz Fanon, Althusser, Jacques Rancière, Régis Debray e até do angolano Mário Pinto de Andrade. Mas a França desconfiava, também, de escritores ditos subversivos e François Maspéro teve de enfrentar proibições, multas, prisão e suspensão dos direitos cívicos. Chegou a tentar suicidar-se. Amigos e escritores mobilizaram-se e conseguiram ajudá-lo a salvar a editora, mas não a sua livraria, La Joie de Lire, ponto obrigatório de peregrinação.para tantos portugueses que visitavam Paris.

As edições Maspéro desapareceram no início dos anos 80, François Maspero morreu este sábado – e embora hoje não precisemos de recorrer a livreiros cúmplices ou amigos viajantes para lermos as obras que nos interessam, a sua morte é uma porta mais que se fecha sobre o nosso passado de ansiosas leituras.

E que falta faz esse sobressalto feliz do encontro com um novo livro, um novo escritor, numa época em que – citando um texto já antigo de outro morto recente, o uruguaio Eduardo Galeano – é preciso resgatar a palavra, “usada e abusada com impunidade e frequência para impedir ou atraiçoar a comunicação”, em que se chama "democracia a vários regimes de terror, a palavra amor define a relação do homem com o seu automóvel, por revolução se entende o que um detergente pode fazer na sua cozinha, e felicidade é uma sensação que se tem ao comer salsichas.”

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1 comments:

joão viegas disse...

Ola,

Falta talvez uma pequena precisão : as edições François Maspero não desapareceram completamente nos anos 80. Antes foram transformadas na edições La Découverte, que seguiram o projecto numa optica muito parecida e que estão relativamente bem, e que se recomendam, hoje que F. Jèze (sucessor de F. Maspero quando as edições passaram a ser "La découverte") passou o testemunho ao novo director (cujo nome agora me escapa).

Muitos titulos da Maspero estão disponiveis na La Découverte, que continuou o trabalho e que tem hoje um catalogo notavel.

Portanto se querem homenagear o F. Maspero comprando livros, podem perfeitamente fazê-lo...

Boas