27.6.15

A Europa que nos envergonha



Excertos do artigo de José Pacheco Pereira no Público de hoje: 

«Bater nos gregos tornou-se uma espécie de desporto nacional. Tem várias versões, uma é bater no Syriza, outra é bater nos gregos propriamente ditos e na Grécia como país. As duas coisas estão relacionadas, bate-se na Grécia porque o Syriza resultou num incómodo e, mesmo que o Syriza morda o pó das suas propostas, – que é o objectivo disto tudo, – o mal-estar que existe na Europa é uma pedra no orgulhoso caminho imperial do Partido Popular Europeu, partido de Merkel, Passos e Rajoy e nos socialistas colaboracionistas que são quase todos que os acolitam. É isto a que hoje se chama “Europa”. (...)

A Grécia é a Grécia, muito mais parecida com Portugal naquilo é negativo que os que hoje lhe deitam pedras escondem, e bastante menos parecida com Portugal, numa consciência nacional da soberania, que perdemos de todo. No dia da vitória do Syriza, o que mais me alegrou, sim alegrou, como penso aconteceu a muita gente, à esquerda e à direita, não foi que muitos gregos tenham votado num “partido radical” ou num programa radical, ou o destino do Syriza, mas sim o facto de que votaram pela dignidade do seu pais, num desafio a esta “Europa” que agora os quer punir pelo arrojo e insolência. Escrevi na altura e reafirmo que mais importante do que a motivação de acabar com a austeridade, foi o sentimento de que a Grécia não podia ser governada por uma espécie de tecnocratas a actuar como “cobradores de fraque” em nome da Alemanha. Por isso, mais grave do que o esmagamento do Syriza, que a actual “Europa” pode fazer como se vê, é o sinal muito preocupante para todos os que querem viver num país livre e independente em que o voto para o parlamento ainda significa alguma coisa. Nisso, os gregos deram uma enorme lição aos nossos colaboracionistas de serviço, que andam de bandeirinha na lapela. (...)

Os gregos, povo de comerciantes e marinheiros, são um alvo fácil, como os camponeses do Sul de Itália e os alentejanos, para os do Norte industrial e “trabalhador”. É um estereótipo conhecido: ladrões, vigaristas e, acima, de tudo preguiçosos. Por isso “enganaram a Europa” e querem viver á nossa custa. A Grécia enganou a Europa? Sim with a little help from my friends. A Europa ajudou activamente a Grécia a falsificar os números, a Alemanha em particular, enquanto isso lhe interessou. (...)

A questão mais importante e que merece ser analisada e discutida mais a fundo, não é a Grécia e muito menos o destino do Syriza. É a mudança de carácter da União Europeia, da “Europa”, nestes anos de crise. A hegemonia alemã é um facto, mas a principal mudança foi a substituição de um projecto europeu de paz e solidariedade, por um projecto de poder. A substância desse poder é a hegemonia política do Partido Popular Europeu que, apoiado pelo papel do governo alemão, mas indo para além dele, transformou o “não há alternativa” na legitimação de todos os governos conservadores, muitos dos quais viraram francamente à direita nestes anos. Esses governos recebem todas as complacências (como Portugal a quem se fechou os olhos nos falhanços na aplicação do memorando) e todos os apoios. (...)

Esta não é a Europa dos fundadores, é a Europa dos partidos mais conservadores, com os socialistas à arreata. Não terá um bom fim e, nessa altura, muita gente lembrará a Grécia.» 
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