4.12.15

Ecos da sociedade "low-cost"



«O futuro tranquilo desenhado pelo Estado social ruiu. Aquele, intranquilo, sem redes de salvação, construído pela globalização económica e sedimentada pelo pensamento único, foi construído nos últimos anos.

Portugal, nesse aspecto, serviu como laboratório, através da medicina forçada da troika do Governo de Passos Coelho. A nova ordem, construída à volta da tecnologia e do fim das fronteiras, cercou o modelo democrático, em que prevalecem interesses não eleitos. E onde a lei da sociedade "low-cost" se instalou. Numa Europa histérica com a dívida e incapaz de pensar o seu lugar quando confrontada com crises como a dos refugiados, Portugal necessita de um modelo económico. Que não seja este, servido a frio pela troika, baseado na desvalorização salarial, considerada "única forma" de criar um país que vive das exportações. Mas um modelo baseado apenas nos salários baixos nunca terá futuro. Algum país terá sempre salários mais baixos para ganhar competitividade aí. Por isso é necessário investimento e conhecimento. Aquilo que foi desprezado nos últimos quatro anos. (...)

Vivemos embalados por este universo de "Black Friday" alargado aos dias todos.

A sociedade dos saldos reflecte este empobrecimento servido às classes médias, destruindo-as e afectando a sustentação da democracia. Os novos consumidores alimentam-se e vestem-se de produtos "low-cost", deslocam-se na Ryanair, e são cada vez mais uma maioria, encaixotados entre salários muito baixos e uma instabilidade laboral total. A eles retira-se a capacidade de alargarem o seu conhecimento e a sua capacidade crítica. Esta "nova pobreza" assemelha-se à "iliteracia" cada vez mais visível e que nos atira para modelos pré-revolução Fordiana. (...) Foi também este modelo servido com gelo aos portugueses, em nome de uma economia só de exportação, com base em baixos salários. A questão é que a História não se define em Excel nem é previsível. O "fim da história" foi anunciado com pompa e circunstância. Mas, está-se a ver, isso foi um logro.»

Fernando Sobral

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