25.7.15

Cuidado que ele pode ainda andar por aí

Dignidade e luta


O artigo de Sandra Monteiro em Le Monde Diplomatique (ed. portuguesa) de Julho de 2015:

«No referendo realizado a 5 de Julho, 61,31% do povo grego rejeitou continuar a ser vítima da austeridade que os credores institucionais – o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Central Europeu (BCE) – insistem em impor nas negociações com o governo de Alexis Tsipras. A recusa dos gregos foi um gesto de enorme coragem e dignidade, que mostrou, entre outras coisas, que a estratégia do medo tem os seus limites quando aplicada a um povo que já tem muito pouco a perder, e tem todos os sonhos de justiça e democracia para recuperar.

Depois de cinco anos a ser vítima da receita austeritária, que ainda agravou mais uma crise alimentada por décadas de governos ruinosos, a maioria dos cidadãos gregos sabe, por experiência que, em regime de austeridade, não há regresso possível a uma trajectória de justiça social, nem de desenvolvimento económico. Como resposta da União Europeia à crise internacional iniciada em 2007-2008, a austeridade falhou. Falhou na Grécia como em Portugal e só aumentou o défice, o desemprego e a dívida. Os poderes político e financeiro que governam a União sabem disso, aliás. Limitam-se a aproveitar a janela de oportunidade, enquanto os povos não a fecharem, para diminuir os salários e pensões, desmantelar o Estado social e os serviços públicos, privatizar a preço de saldo e especular com os juros da dívida.

O povo grego, aceleradamente politizado por uma realidade de empobrecimento, injustiça e privação de instrumentos democráticos de política, votou consciente da capacidade que os credores financeiros internacionais têm de lhes infernizar ainda mais a vida. Mas nos últimos cinco anos eles já passaram demasiado tempo noutras muitas filas: à procura de emprego, alimentos, medicamentos, consultas. Agora disseram basta. Já chega de humilhações e de políticas punitivas. Sabem que o futuro está cheio de incertezas, mas querem construí-lo a partir de uma esperança comum e não de uma morte imposta e certa.»

Continuar a ler AQUI.

Dica (99)




«Neste dossier, publicamos o “plano Grexit” defendido pela Alemanha no Eurogrupo e o texto final do “acordo” anotado por Varoufakis, bem como a sua versão dos cinco meses de negociações. Recordamos também como Alexis Tsipras justificou o compromisso em que não acredita, as reações críticas que provocou no Syriza e o discurso do voto contra da presidente do Parlamento. E publicamos as posições de Jürgen Habermas, Jean-Luc Mélenchon, Vicenç Navarro, Joseph Stiglitz e de várias vozes da direita portuguesa sobre as consequências da chantagem a Atenas para o projeto europeu.» 
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A direita radical encontrou o "fim da história" e chama-lhe "realidade"



José Pacheco Pereira, no Público de hoje:

«A direita mais radical descobriu recentemente uma filosofia da história. Como os leitores mais simples de Fukuyama, aqueles que só conhecem o nome e o título do livro, entendeu que se chegou ao “fim da história” e o “fim da história” é aquilo a que chamam “realidade”. Uma espécie de muro existente na física das sociedades e das nações contra o qual se vai inevitavelmente quando se abandona o caminho da “austeridade” e se encontra a TINA, o “there is no alternative”. Uma lei a modos que como a lei da gravidade. (...)

O que é a “realidade” para a qual “não há alternativa”?

Em primeiro lugar, é o que há, o que existe, e a ideia de que o “que existe tem muita força” e legitima-se por existir. Neste pensamento do TINA existe uma espécie de congelamento da história, ? o que se compreende visto que chegou ao “fim”, ? no actual momento europeu, visto que é uma doutrina essencialmente europeia. Não é global, nem americana, nem dos BRICs, nem asiática, vem da Europa e fixa-se na Europa. Mais: fixa-se no estado de coisas europeu dos últimos anos, nem sequer uma década, desde a crise financeira (real) seguida da crise das dívidas soberanas (politicamente gerada). Manifestou-se na conjugação entre resultados eleitorais que deram maiorias a governos de direita, deslocaram os partidos e os governos para direitas mais radicais (visível na economia, mas também no tratamento da emigração, na deriva securitária, etc.), e permitiram uma captura da política pelo sistema financeiro, ou seja pelos mercados. Os mercados não são o que são, são aquilo que o poder político lhes permite ser, pelo menos é assim que devia ser em democracia. (...)

Em segundo lugar, existe uma enorme confusão entre a “realidade” do “fim da história” e o poder. Aquilo que os gregos encontraram à sua frente não foi o muro da “realidade”, foi o muro do poder. O poder no sentido weberiano, a possibilidade de alguém obrigar outrem a proceder contra a sua vontade. Uma das grandes aquisições da crise grega para a consciência europeia, foi a revelação às claras, sem ambiguidade, sem disfarces, da brutalidade do exercício de um poder. Nos nossos dias isto não é desejado pelos poderosos, que gostam de disfarçar o seu poder na discrição e no segredo, onde ele é sempre maior. Ao revelar o poder, enfraqueceu-o. Dos alemães aos parceiros menores como Passos Coelho, saber-se o que fizeram, saber-se o que impediram e vetaram, saber-se o que disseram, nas portas fechadas do Eurogrupo, e perceber-se que o resultado foi uma imposição punitiva de uma política em que ninguém acredita a um governo e a um povo, cria uma situação sem retorno. (...)

Em terceiro lugar, para a “realidade” ser a da TINA, tem que se excluir dessa realidade tudo que a atrapalhe. Em termos europeus e em termos portugueses, isto inclui dois tipos de questões: as chamadas “sociais” e as que geram dúvidas sobre a moral da “realidade”. (...)

Isso é porque a “realidade” é um resultado de um feixe de interesses, hoje muito mais acossado do que esteve no passado recente, logo mais agressivo. O modo como trataram a questão grega é um exemplo de uma enorme cegueira, que se podia quase dizer bem-vinda cegueira se não fosse o custo que tem para os gregos. Que eles caminhem de mão dada ceguinhos para o precipício, não acho mal, mas vão sozinhos.

É que, contrariamente ao que pensam, na questão grega, a realidade impôs-se à “realidade” e fez a história mover-se quando eles a queriam fixa no ponto ideal do seu poder. Sem eles as verem, a não ser na sua agenda punitiva, as coisas estão a mudar e como sempre acontece na história mudam sob a forma de surpresas. Não, a “realidade” não é a história acabada num certo modelo de economia, sociedade e poder. Bem pelo contrário, está a mover-se e mais depressa do que imaginam e não é para o lado da “realidade”. É para o lado de que há “alternativas”.»
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24.7.15

Simón Bolivar nasceu num 24 de Julho



Dizem os registos que Simón Bolivar nasceu em 24 de Julho de 1783, em Caracas, na Venezuela. Considerado na América Latina como um herói, visionário, revolucionário, e libertador, liderou a Bolívia, a Colômbia, o Equador, o Panamá, o Peru e a Venezuela.

Não há cidade desses países em que não se esbarre com estátuas de Bolivar e, há cerca de três anos, estive em Santa Marta, na costa Norte da Colômbia, onde ele morreu em Dezembro de 1830, quando esperava por um barco que o levasse a Espanha para ser submetido a tratamentos de males pulmonares. Só permaneceu poucos dias em Santa Marta, mas a Quinta de San Pedro Alejandrino, onde se instalou, ainda hoje é local de visita obrigatória para quem por ali passa. A casa mantém-se especialmente bem cuidada e rodeada de magníficas árvores e de espaços verdes onde se passeiam… simpáticas iguanas.

Ficam algumas fotos – e também saudades de um país que gostei muitíssimo de conhecer e onde não me importava mesmo nada de estar neste preciso momento. 







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Dica (98)



Sem propriedade comutativa. 

«A força destrutiva em que o euro se transformou ficou bem evidenciada na Grécia. (...) 
"Preparar" a saída do euro não é o mesmo que "discutir" a saída do euro.» 
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Pela boca morre o peixe

Os avós de Schäuble



«A entrevista de Schäuble, esta semana no Diário de Notícias, confirma tudo o que se esperava: Schäuble é um contabilista básico, com um complexo de superioridade que não tem um vislumbre seja do que for. Tão básico que faz dó. O ministro das Finanças alemão fala sobre a União Europeia como se fosse uma reunião de condóminos.

Schäuble, a meio da entrevista, cita a avó: "A minha avó costumava dizer que a benevolência vem antes da devassidão." Ou seja, Schäuble parece ter um momento de humanidade, mas acaba a citar a avó para dizer uma frase que podia estar à entrada de um campo de extermínio. Por isso, é tão raro o alemão que cita avós. É um risco, porque a maioria andou metida em chatices há 70 anos.

O que mais assusta não é Schäuble citar uma frase tão triste, é o à-vontade com que o faz. Há 15 anos, a frase "a benevolência vem antes da devassidão" usada por um chefe de Estado alemão, em relação a outro povo, seria uma vergonha e um "despertar de fantasmas". Depois de ler a entrevista de Schäuble, poderíamos pensar que a maior parte dos problemas da UE se resolve tirando as rampas de acesso ao edifico da CE, mas não é verdade. O problema da Europa é o mesmo de sempre: os alemães. (...)

Os alemães são gente que raramente sai da Alemanha, a não ser para ir chatear os outros, dado que não falam um palavra de outras línguas. Um museu de história natural, em Munique, é uma cena hermética, quase claustrofóbica, pois toda a informação está apenas em alemão e há um momento em que pensamos que foram eles que fizerem o universo. (...)

Aquilo que os alemães fazem não chega a ser viver. É uma espécie de visita guiada à vida, mas não se pode mexer na maior parte das coisas. É incrível que povos que amam a vida e a sabem aproveitar, como italianos, gregos, portugueses e espanhóis, se deixem comandar por esta gente. Quem sabe viver e aprecia a vida, não quer viver como aquela gente. Os alemães são um povo sem o menor jeito para o humor e para os filmes pornográficos, e ninguém pode ser feliz se não sabe rir e coisar como deve ser.»

João Quadros

23.7.15

Varoufakis: «Porque votei SIM esta noite»



Na resolução do Eurogrupo de 20 de Fevereiro, conseguimos que o Memorando de Entendimento (MoU) nunca fosse mencionado. Em vez do memorando, havia, como pré-requisito para uma avaliação bem sucedida, a referência a uma lista com as nossas reformas que deveriam ser apresentadas três dias depois e imediatamente aprovados pelas instituições.

Na verdade, a nossa lista, com a minha assinatura, foi entregue em 23 de Fevereiro. No fim de semana entre 20 e 23 de Fevereiro, trabalhámos loucamente e estivemos, obviamente, em contacto constante com os representantes das instituições para evitar qualquer bloqueio no dia seguinte, 24 de Fevereiro, na teleconferência em que o Eurogrupo deveria aprovar a nossa lista, proposta pelas instituições.

A lista final que enviei, tarde durante a noite de 23 de Fevereiro (ver aqui em Inglês), continha as nossas prioridades (por exemplo, luta contra a crise humanitária, regresso às negociações colectivas, mudança de filosofia quanto à exploração de bens públicos, nenhuns cortes nas pensões auxiliares, etc.), bem como algumas das nossas exigências.

As exigências deles, em relação às quais eu tinha defendido aceitação em troca das nossas prioridades, incluíam as duas medidas que o Parlamento é chamado a adoptar esta noite [nota : Quarta-feira, 22 de Julho]: (a) Alterações ao Código de Processo Civil (CPC) e (b) Transposição da Directiva 2014/59 da UE sobre «saneamento» dos bancos e instituições de crédito (BRRD).

Eu já sabia que as alterações ao Código de Processo Civil estavam cheias de perigos para os direitos humanos das partes mais fracas, em caso de falência de empresas ou de famílias. Além disso, o melhor que se possa dizer da directiva relativa ao «saneamento» dos bancos é que, basicamente, foi um gesto inútil(já que garantia, a nível jurídico, os depósitos garantidos, sem garantir o financiamento do fundo que devia... garanti-los). No entanto, considerei que já que se tratava, como parte de um acordo honesto, de preservar as nossas linhas vermelhas importantes (por exemplo, excedentes primários não superiores a 1% ou, no máximo, 1,5%, pensões, direitos sociais, TVA baixa), o Código de Processo Civil e directiva BRRD não representavam concessões importantes. Foi por isso que incluí estes dois pré-requisitos na nossa lista.

Hoje em dia, é claro, as coisas são totalmente diferentes.

Hoje, já não temos uma lista nossa sobre reformas, no quadro de um acordo honesto.

Hoje, há uma lista totalmente ditada pela troika.

Hoje, estamos perante os ecos recentes de um golpe de estado humilhante, em vez de um acordo honesto.

Em Fevereiro, cedemos em relação ao Código de Processo Civil e à Directiva BRRD para receber em troca coisas importantes. Agora, vamos ceder o CPC e BRRD para «receber de volta» medidas ainda mais nefastas. No espaço de algumas semanas.

Além disso, no texto que eu tinha transmitido às instituições em Fevereiro, eu comprometia-me com «um novo Código de Processo Civil» (to a new Civil Code) e não, obviamente, com um CPC que elas imporiam. Nunca me passaria pela cabeça que o nosso governo aceitasse o procedimento de urgência, recusando (sob os ditames da troika) todas as alterações e suprimindo assim, na prática, o papel do Parlamento (*).

Quarta-feira passada, eu não tinha outra escolha para além de um sonoro NÃO. Foi o meu próprio «OXI», adicionado aos 61,5% dos nossos concidadãos, a uma capitulação baseada na lógica da falta de alternativa (o famoso «TINA» - não há alternativa), lógica que rejeito há 35 anos, nos quatro continentes em que já vivi. Hoje, esta noite, as duas medidas que eu propus em Fevereiro, chegam ao Parlamento de uma forma que eu não poderia ter então imaginado e que não nos honram enquanto governo do Syriza .

Mas, como expliquei num artigo recente em Le Journal des Rédacteurs, intitulado «Porque votei "Não"», apesar da minha discordância fundamental com as nossas manobras após o Referendo, o meu objectivo é preservar a unidade do Syriza, apoiar Alexis Tsipras e apoiar Tsakalotos Euclides. Por isso, hoje, eu voto SIM a duas medidas que eu próprio tinha proposto, embora em condições e em termos radicalmente diferentes.

Infelizmente, tenho a certeza de que o meu voto não vai ajudar o governo no nosso objectivo comum. Porque o acordo da Cimeira do Euro, de que fazem parte as duas medidas desta noite, foi concebido para falhar. No entanto, dou este voto aos meus camaradas, na esperança de que ganhem tempo para que, juntos, unidos, possamos planear a nova resistência ao totalitarismo, à misantropia e à aceleração e ao aprofundamento da crise, que foram fomentados.

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(*) Esta manhã, na reunião da Comissão de Assuntos Financeiros do Parlamento, em que participei, constatei que nem um único parlamentar estava de acordo com o novo Código de Processo Civil, ministro da Justiça incluído. Um triste espectáculo.

(Traduzido daqui.)

[Publicado originalmente no Observatório da Grécia
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Dica (97)




(Discurso da presidente do Parlamento da Grécia, na votação da semana passada que aprovou o primeiro pacote de medidas imposto por Bruxelas para avançar com o programa de financiamento ao país.) 
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São as eleições



«As eleições são como o gás, ocupam todo o espaço. Mesmo que ele seja inodoro. Mesmo que os dirigentes dos partidos políticos digam que não querem saber delas e que reneguem a simples hipótese de estar a fazer algo que signifique ganhar um voto.

Os partidos políticos existem, em democracia, para ganhar eleições e ocuparem o poder. Numa era em que os estadistas foram substituídos por políticos precários, as eleições são a fábrica de chocolates de Willy Wonka: todos querem lá entrar para nadarem no cacau doce mesmo que digam que não. Saborear o açúcar do poder é melhor do que ficar a imaginar como será. Por isso as eleições são a bússola de todos os políticos.

Não se percebe porque é que umas inocentes palavras de Jean-Claude Juncker causaram um reboliço nas cúpulas do poder em Portugal. Juncker, obliterado pelo Eurogrupo e pela Alemanha, tem de demonstrar que não é o culpado do caos sem fim na Grécia. Por isso sacudiu as culpas para os transeuntes mais óbvios: Irlanda, Espanha e Portugal. Segundo ele, os três opuseram-se a que um alívio da dívida pública grega fosse discutido antes das legislativas. Passos, ofendido, veio patinar na maionese: "Digamos que há uma meia verdade e um meio mal-entendido." Cavaco Silva, melindrado, apoiou Passos, dizendo que as afirmações de Juncker "não correspondem absolutamente nada" às informações de que dispunha.

Imagina-se também que os ziguezagues nas negociações na UE por causa da Grécia também nunca tiveram a ver com os interesses eleitorais de alemães, franceses, finlandeses e holandeses. Nesse aspecto, Passos Coelho é um anjo intocável: se defendeu os votos que lhe podem dar uma vitória legislativa não fez mais do que os outros. O que mostra a hipocrisia que reina hoje na UE: todos pensam nas eleições, mas uns pensam mais do que os outros. Crê-se no dogma que aliviar a dívida à Grécia ou ser magnânimo faz perder votos. E, entre tanta "solidariedade" europeia, é só isso que está em causa: a devoção aos votos.»

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22.7.15

Ide e lede




«Décidément, la zone euro a raté, durant ce premier semestre 2015, une occasion unique. Dès les premiers moments, Yanis Varoufakis, le ministre grec des Finances d'alors, a proclamé qu'il « ne voulait pas de l'argent des créanciers. » Son but était alors d'ouvrir un vrai débat sur la dette afin que la Grèce puisse rembourser ce qu'elle pouvait rembourser. On comprend alors mieux la haine qui l'a immédiatement entouré : il était celui qui voulait mettre à jour l'immense refoulé qu'il y a sur la dette, celui qu'il s'agit de cacher à tout prix. L'occasion d'en finir avec cette logique a été perdue. Les Grecs et tous les Européens le paieront, au final, très cher.»
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O clube dos seis



«François Hollande não seguiu os ensinamentos de Enid Blyton: nem quer "Os cinco" nem "Os sete". Quer: "Os seis", uma versão clube do Bolinha da Zona Euro, só com os membros originais.

Ou seja, a França, a Alemanha, o Luxemburgo, a Bélgica, a Holanda e a Itália. Compreende-se o nervosismo de Hollande: a Europa é hoje uma espécie de gelatina, onde o Eurogrupo manda no euro, a Comissão Europeia finge que manda, cada país tenta defender os seus interesses do momento e a Alemanha ganha com a confusão e impõe as regras. (...)

A crise grega, resolvida com a humilhação total aplaudida pelos dogmáticos que só vêem o que querem ver, mostrou uma Europa estilhaçada. O texto de Hollande revela o estertor que se vive: a Europa é ingovernável e a Zona Euro é uma quimera suicida. E, claro, a França deixou de ter qualquer influência decisiva. É um 112 que não evitará que a Grécia acabe por sair do euro. (...)

Se Portugal não fizer parte do clube do Bolinha inventado por Hollande, será uma figura de estilo e um encargo dispensável. A Europa não sabe se há-de ser Hyde ou Jekyll ou o "monstro gentil" inventado por Jean Monnet, a partir da CECA e que implicava esvaziar paulatinamente o núcleo das soberanias nacionais em benefício das instâncias transnacionais. Sob a tutela da burocracia de Bruxelas. O clube desenhado por Hollande vem acabar com todas as ilusões.»

Fernando Sobral
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Dica (96)




«A nossa proposta foi saudada com um silêncio ensurdecedor. Mais precisamente, o Eurogrupo dos ministros das Finanças da zona euro e a troika continuaram a deixar passar para os meios de comunicação mundiais que as autoridades gregas não tinham propostas inovadoras, credíveis para oferecer - o seu refrão padrão. Alguns dias mais tarde, uma vez que as potências ter-se-ão apercebido de que o governo grego estaria prestes a render-se plenamente às exigências da troika, acharam conveniente impor à Grécia o seu degradante, sem imaginação e pernicioso modelo Treuhand.

Num ponto de viragem na história da Europa, a nossa alternativa inovadora foi atirada para o caixote do lixo. Ela permanece lá para outros recuperarem.» 
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IVG e tortura psicológica



Crónica de Diana Andringa, ontem, na Antena 1:

Na segunda metade dos anos 60, quando as leis vigentes condenavam ao opróbrio ou à miséria não apenas as mães solteiras como os seus filhos, e as mulheres pagavam muitas vezes com a vida o recurso à única forma de aborto existente, o ilegal, uma jovem minha amiga, solteira e grávida, recorreu a um familiar médico para que a auxiliasse. Porque a honra da família era também dele, ele concordou em proceder à interrupção da gravidez – por curetagem uterina, vulgo raspagem, sem anestesia. A sangue frio – para que lhe doesse e aprendesse assim, com a dor, a não manchar a honra da família.

Foi uma das memórias que me fez emocionar-me quando o referendo veio, finalmente, permitir às mulheres deste país a possibilidade de realizar, em segurança, uma Interrupção Voluntária da Gravidez a que, obviamente, não se submetem sem fortes razões.

E foi dessa tortura física infligida por um médico que me lembrei quando vi que alguns milhares de cidadãos pretendem submeter cada mulher que necessite de recorrer a uma interrupção da gravidez à tortura psicológica de ter de ver e assinar uma ecografia do feto, acompanhada de discursos tendentes a fazerem-na sentir culpada da sua escolha.

Segundo a Convenção contra a Tortura e Outras Penas ou Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes, é tortura qualquer acto por meio do qual uma dor ou sofrimentos agudos, físicos ou mentais, são intencionalmente causados a uma pessoa com os fins de, nomeadamente (...) a punir por um acto, intimidar ou pressionar (...) desde que essa dor ou esses sofrimentos sejam infligidos por um agente público ou qualquer outra pessoa agindo a título oficial, a sua instigação ou com o seu consentimento expresso ou tácito.

Feto. Porque é esse o nome do embrião na fase de gestação em causa, e não o de “bebé nascituro”, como o classifica o Memorando da Iniciativa Legislativa de Cidadãos, numa manipulação que se estende a todo o texto, desde o titulo, “Lei de Apoio à Maternidade e Paternidade e Pelo direito a Nascer”, que esquece que há casos em que o maior apoio que se pode dar aos pais é, exactamente, permitir-lhes que acedam, sem dificuldades, à IVG, à expressão “grávida em risco de aborto”, utilizando um termo usado para designar quem, por razões de saúde, teme um aborto espontâneo, para alguém que decide, por razões certamente atendíveis, interromper a gravidez.

O que é curioso, neste afã de alterar a Lei de 2007, é que a sua entrada em vigor se traduziu positivamente, não só na diminuição das complicações de saúde e mortes relacionadas com o aborto, como também na diminuição do número de interrupções voluntárias de gravidez. Parece, no entanto, ser coisa de pouca monta. Talvez por ter melhorado, sobretudo, a vida das mulheres.

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21.7.15

«Grécia podia ficar no euro desobedecendo aos credores»



Entrevista a Eric Toussaint, coordenador científico da Comissão para a Auditoria e Verdade sobre a Dívida Grega. Toussaint defende que Alexis Tsipras tinha uma terceira opção, para além de aceitar a chantagem ou sair do euro.

AQUI.

Tout va très bien, Madame la Marquise

Dica (95)




«We’re not having a clear discussion of these options, because European discourse is still dominated by ideas the continent’s elite would like to be true, but aren’t. And Europe is paying a terrible price for this monstrous self-indulgence.»
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Do Pártenon até à Máfia



«As pressões feitas pela troika e, principalmente, pela Comissão Europeia, pelo Eurogrupo e pelo Banco Central Europeu nos últimos anos, no caso da Grécia e de Portugal, significam que todos os que compraram dívida aceitam os juros altos com que vão ser premiados se forem reembolsados, mas não aceitam o risco inerente e querem forçosamente que os devedores paguem, seja como for, nem que seja preciso vender o Pártenon às pedrinhas. E é evidente que muitos dos bancos privados que compraram dívida grega com juro alto o fizeram porque sabiam que, chegado o momento da verdade, haveria uma cartada política que poderiam jogar para obrigar o devedor a pagar, fosse como fosse, ou que os títulos de dívida na sua mão seriam resgatados pelas “instituições”.

O que a negociata das dívidas soberanas mostra é a enorme hipocrisia dos credores, que compram barato (ou seja: emprestam com juros altos) com a justificação moral do risco que assumem, mas depois usam todos os meios ao seu alcance, lícitos ou ilícitos, para garantir o pagamento e para afastar totalmente a possibilidade de default.

A questão é que o default é a única justificação moral possível para os juros altos. Se o default não é admitido pelos credores, então os juros altos também não podem ser admissíveis. Até se pode admitir, em tese, que o default de um estado se torne impossível e que este seja obrigado a vender monumentos e entregar uma libra de carne todos os meses para pagar as dívidas até ao último cêntimo. Mas, se for assim, não há a mínima justificação para os juros altos. Se o default da Grécia não é permitido, então a Grécia deve poder contrair empréstimos com os juros negativos da Alemanha, porque o seu risco será, como o da Alemanha, virtualmente nulo.

Se os juros se mantêm altos e o default não é possível, como acontece agora, deixamos de estar no reino das finanças ou da política. Estamos no reino do racket, da chantagem, da extorsão, do crime organizado, da Máfia. O reino que a União Europeia agora representa.»

José Vítor Malheiros

20.7.15

O tempo passa depressa




Foi há 46 anos.
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O bolo em cima de todas as cerejas

A unidade dos contabilistas



«A União Europeia parece poder deixar o ar condicionado de Bruxelas e transferir-se para a areia de algumas ilhas gregas para gozar a sensação de dever cumprido.

A Grécia, para já, não sai do euro e está transformada num protectorado até nova crise. Em Portugal e Espanha respira-se fundo: pensa-se nas eleições e na forma de os governos reconquistarem os eleitorados perdidos por via da austeridade e de uma visão ideológica da sociedade que está a destruir todos os equilíbrios reinantes e os contratos sociais existentes. (...)

Sobre isto não se falará nas eleições portuguesas, focadas na "estabilidade" e na "maioria". Nem se colocará a possibilidade da futura saída da Grécia do euro alterar a ordem financeira mundial, onde a moeda europeia é hoje crucial. O que esta crise mostrou é que o pretenso "ideal" europeu faliu por detrás de regras económicas e financeiras. Os países deixaram de confiar uns nos outros e as nações começam outra vez a comportar-se como tribos. A divisão norte/sul é cada vez mais visível, mesmo que a França tente recuperar o seu lugar central no eixo, coisa que o seu músculo económico e político já não permite. (...)

A democracia tem estado a ser posta em causa porque são tecnocratas que impõem a maioria das decisões aos políticos eleitos. E os demagogos, à esquerda e à direita, não deixam de surgir no meio de toda esta confusão. O problema nuclear é que se metade da Europa culpa o Governo do Syriza pelo desastre, o certo é que a questão radica na ausência de ideais europeus e unidade política. Bruxelas só pergunta aos Estados pelos resultados financeiros e não quer saber como esses valores são conseguidos em cada país. Haja desemprego, confisco fiscal ou destruição de relações de comunidade. Não há unidade na Europa só porque os contabilistas dizem que existe. O que se está a fazer é a destruição do ideal que o Erasmus simbolizava. A vitória das fiscalidade sobre as ideias. É isso que na realidade definirá o futuro de todos nós. Até dos portugueses. E não a questão da "maioria" e da "estabilidade".»