21.3.16

O culto da personalidade



«O culto da personalidade é um dos primeiros sintomas dos regimes quando estes se estão a desagregar. Em Roma houve mesmo uma série de imperadores que se julgaram deuses.

Em Portugal há políticos mais modestos: líderes da oposição ainda julgam ser primeiro-ministro. E como sonham que regressarão ao poder a curto prazo criam, à sua volta, um feroz culto da personalidade que lhes permite ser reeleitos, em Congresso, por 95% dos votos ou algo parecido. Os aduladores aplaudem a fria e míope oposição de Pedro Passos Coelho a este Governo que leva a um radicalismo bacoco como se viu na votação contrária a medidas que o PSD defenderia no OE se fosse Governo. Mas isso talvez seja um efeito secundário da "destruição criativa" desenvolvida pelo Governo de Passos Coelho e que conseguiu destruir a espinha dorsal da economia portuguesa sem criar nada no seu lugar. Um dos legados mais notáveis da passagem de Passos Coelho pelo poder foi a desintegração das veias entre o capital financeiro nacional e empresas que funcionavam como pontas-de-lança de Portugal aqui e no estrangeiro.

Ficámos completamente nas mãos de capitais estrangeiros. Ou seja, quando o interesse nacional representado pelo Estado deseja intervir estrategicamente, não há armas. Isso não parece preocupar muitos pajens que por aí se passeiam, para quem o liberalismo total é praticado nos EUA, na Grã-Bretanha ou na Alemanha. Puro equívoco. Mas as carências intelectuais e a inexistência de uma estratégia nacional levaram a este triste fado. Não deixam de ser exemplares as declarações de Marcelo Rebelo de Sousa em Madrid: "é importante uma presença (financeira) significativa espanhola em Portugal, o que é diferente de haver um exclusivo". Quando se pensa no que sucedeu no Banif ou aparenta poder suceder no BPI ou no Novo Banco, as palavras de Marcelo merecem reflexão. Nada contra o capital estrangeiro. Mas tem de haver equilíbrios e não exclusivos, como parecem desejar alguns. Este é um momento de decisões estratégicas. E não de cultos da personalidade.»

Fernando Sobral

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