15.9.16

Desarranjos políticos




Serge Halimi, em Le Monde Diplomatique (ed. portuguesa), Setembro de 2016:

«Os Estados Unidos celebram em Setembro o Dia do Trabalho. Este ano, o dia terá sido marcado por algo invulgar. Muitos operários e empregados – brancos e masculinos, em particular – terão corrido para os encontros do candidato republicano. Donald Trump cultiva estes apoios fustigando os tratados de comércio livre que precipitaram a desindustrialização dos antigos bastiões industriais do país (…). E que trouxeram, com ela, a desclassificação, a amargura e o desespero do mundo operário. A «lei e ordem» que Trump promete restabelecer são também as da América da década de 1960, na qual, quando se era branco, não era necessário ter conseguido um diploma universitário para garantir um bom salário, dois automóveis por família – e até alguns dias de férias.

Que um multimilionário nova-iorquino com um programa fiscal ainda mais regressivo do que o de Ronald Reagan, e com práticas (fabrico dos seus produtos no Bangladeche e na China, emprego de pessoas sem-papéis nos seus hotéis de luxo) que contradizem a maior parte do que proclama, possa transformar-se em porta-voz do ressentimento operário mais se pareceria com uma aposta se o sindicalismo não tivesse sido enfraquecido. E se, desde há cerca de quarenta anos, os partidos progressistas ocidentais não tivessem constantemente substituído os seus militantes e quadros oriundos do mundo do trabalho por profissionais da política e das relações públicas, por altos funcionários e jornalistas protegidos numa bolha de privilégios. A esquerda e os sindicatos efectuavam outrora um trabalho diário de educação popular, de constituição de redes territoriais, de «enquadramento» intelectual das populações operárias. (…) Este trabalho deixou de se fazer, ou faz-se menos bem. E vê-se quem é que beneficia com isso. As mobilizações sociais, faltando-lhes retransmissores políticos, enterram-se num dilúvio de polémicas identitárias mal marcam passo. E os assassinatos da Organização do Estado Islâmico precipitam este descarrilamento, a tal ponto que este grupo se tornou o principal agente eleitoral da extrema-direita no Ocidente. (…)

Em breve vão tocar os sinos para nos pedir que defendamos a democracia. Pois ela estaria mais bem segura se populações inteiras não a vissem como um ornamento ao serviço dos privilegiados que as desprezam.» 
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2 comments:

joão viegas disse...

Presumo que se trata de Serge Halimi ?

Joana Lopes disse...

Obrigada, vou corrigir.