21.12.16

A impotência é o contrário da democracia



«Podemos gostar do Natal por razões materiais, porque há ceia e férias e festa e presentes e decorações nas ruas, mas a principal razão por que gostamos do Natal é porque quando ouvimos “Paz na terra aos homens de boa vontade” queremos participar dessa festa. (…)

Mas, se gostamos de nos sentir bem a propósito de nós próprios, se tentamos de alguma forma fazer o bem e ajudar o próximo, se gostamos do Natal porque tem um perfume disso mesmo, como é que suportámos todos estes anos o massacre da cidade de Alepo, com os seus cem mil mortos, entre os quais muitos milhares de civis, entre os quais muitos milhares de crianças? Como é que suportámos isto, apenas com um ou outro tweet a servir-nos de compensação, com uma ou outra assinatura numa petição, às vezes com uma participação numa manifestação raquítica a pedir justiça e paz para aquelas pessoas encurraladas numa guerra que não escolheram?

A resposta é a mesma que todos nos dão quando perguntamos o que podemos fazer para ajudar Alepo, para ajudar todas aquelas crianças de caras inexpressivas que já nem choram (o que poderá ser pior que uma criança que já se habituou a sofrer?). O que podemos fazer por todos os outros Alepos, além dos tweets e das petições e das manifestações? Nada. Tudo à nossa volta nos ajuda a celebrar o Natal mas nada nos ajuda a salvar as crianças de Alepo.

A triste verdade é que as democracias de baixa intensidade em que vivemos não possuem mecanismos que nos permitam a nós, ao povo soberano, exigir uma acção determinada mesmo quando se trata de urgências humanitárias. Pedem-nos que esperemos e confiemos nos poderes, mesmo quando estes estão ausentes ou são cúmplices dos crimes. O poder soberano que detemos não possui qualquer canal através do qual se possa exercer para salvar Alepos. Essa impotência que sentimos é o contrário da democracia. Essa impotência diz-nos que nenhum poder efectivo reside no povo. Uma das grandes tarefas à nossa frente é impedir que a democracia se transforme para sempre no regime da impotência dos homens e das mulheres de boa vontade.»

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