15.4.17

Não fiquem cansados tão depressa: o mal é mais tenaz do que o bem


José Pacheco Pereira no Público de hoje:

«Há momentos em que a acalmia é um perigo. Há ainda piores momentos em que o cansaço domina. Não estamos em tempos de acalmia, nem em tempos de ficar cansados perante o que se está a passar. Dois temas de enorme, insisto, enorme relevância, exigem toda a atenção, pouca acalmia e nenhum cansaço: para o mundo, Trump; para Portugal, a Europa.

Trump é um perigo de dimensões mundiais e pode conduzir o mundo ao patamar de uma guerra. Acredito que possa ser travado e que vai ser travado, como já o está a ser em muitas matérias, pelo funcionamento exemplar da democracia americana, mas o risco existe. (…)

Por outro lado, um dos efeitos mais positivos do “efeito Trump” é uma grande melhoria qualitativa dos media americanos, em particular da imprensa escrita e de alguns canais de cabo. Os media “liberais” cometeram grandes erros no modo como acompanharam a campanha eleitoral e como muitos intelectuais e académicos menosprezaram Trump e ignoraram as fontes da insatisfação que o impulsionou à presidência. (…) Hoje, jornais como o New York Times, ou o Washington Post, os “fake news” de Trump, publicam alguns dos melhores artigos de sempre sobre o que se está a passar nos EUA. Já é tarde, mas mais vale tarde do que nunca. (…)

Porém, o homem já lá está. O que é mais perigoso em Trump, mais até do que algumas opiniões isolacionistas e demissionistas das responsabilidades americanas, é o seu carácter errático. O espectáculo assustador do homem mais poderoso do mundo mudar de opinião como quem muda de camisa torna-o um perigo para o mundo, porque introduz uma irracionalidade militante e agressiva no sistema de equilíbrios mundiais, e tal acontece sem qualquer direcção definida e muitas vezes por futilidades. Há muito de artificial no agravamento das tensões mundiais, mas esse agravamento existe e com Trump será sempre assim. (…)

Como sempre acontece, há quem construa um edifício de racionalidade à volta do caos, um “grande plano”, e lhe atribua uma enorme inteligência táctica e para isso tem de estar sempre a interpretar o que ele faz como fazendo parte de um plano brilhante que ele executa milimetricamente, dando apenas a impressão de caos para nos distrair, onde há uma ordem intencional. Talvez, mas duvido. Quando se lê os seus tweets, que, como já referi, são uma maneira de o perceber demasiado bem, vê-se que o homem de sofisticado não tem nada. É bruto, ignorante, mentiroso, dado a fantasias, habituado ao bullying, sem princípios, moral ou vergonha, egocêntrico até ao limite. (…)

Um homem destes suscita uma enorme reacção, mas, mais do que isso, molda a sociedade que o fez e onde habita. Ele radicaliza os seus fiéis a uma aceitação intransigente de tudo o que faz e alimenta uma postura que mimetiza a sua, gera milhares de pequenos Trumps. Esses pequenos Trumps deslocam-se para onde há qualquer fragmento de autoridade que lhes permita imitar o seu mestre: para as polícias, para a segurança, para os lugares de supervisores, de capatazes, de fiscais de qualquer coisa, seja do estacionamento seja de líder de claques ou chefes da praxe. (…)

Trump não é brincadeira nenhuma, é the real thing. Vai exigir muita perseverança, muito trabalho, muito apego à liberdade, e muito amor à decência, para ser vencido. Este tipo de homens e o exemplo que dão são um perigo público, por isso têm de ser contidos e depois vencidos, na opinião, na influência, nos tribunais, pelo primado da lei e, por fim, nas urnas.» 
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