29.5.17

Eleições que estão vivas em partidos que estão mortos



José Pacheco Pereira no Público de hoje:

«As eleições autárquicas são um momento fundamental da nossa democracia. Num certo sentido são as mais democráticas das eleições: milhares de portugueses nelas participam, a abertura a listas independentes contrasta com as limitações nas eleições legislativas, e percorrem toda a cadeia hierárquica da administração local, da freguesia ao município. São também a eleição com maior proximidade entre eleitos e eleitores, a elas concorrendo pessoas que são localmente conhecidas e reconhecidas (ou não), com forte personalização. Embora a partidarização seja muito forte, como em toda a vida pública portuguesa, a presença dos partidos é menor e muitas vezes diferente, visto que alguns autarcas têm muito mais independência das direcções partidárias do que os deputados, e não se coíbem de exprimir opiniões críticas, principalmente quando tem legitimidade eleitoral própria. (…)

Claro que nem tudo está bem nas eleições autárquicas, porque normalmente as belas tem sempre senãos. Existem fenómenos de caciquismo, e uma tendência para a promessa eleitoral insensata, que não dura mais do que o tempo da campanha. Infelizmente a tradição em candidaturas de vários partidos, com relevo para o PSD, CDS e PS, é o modelo das “vinte estações de metro” que o CDS quer fazer em Lisboa. Já nas candidaturas deste ano vi as mais fabulosas das promessas, incluindo um “precisamos de uma rotunda neste espaço”. No entanto, começa a haver uma crescente utilização nas campanhas eleitorais de listagens das promessas feitas na campanha anterior e do seu não cumprimento. É igualmente um passo em frente no escrutínio dos mandatos que talvez possa colocar alguma moderação. (…)

Mas o problema com as campanhas autárquicas, no exacto mimetismo com as nacionais nos dias de hoje, não é tanto o ridículo que muitas vezes era mais original do que o gozo que se lhe fazia, mas a insuportável cinzentismo dos dias de hoje. Ora esse cinzentismo é revelador, por um lado, da apropriação da política por agências de publicidade, marketing e comunicação, que pululam à volta dos partidos e que gostam imenso de campanhas eleitorais onde ganham bom dinheiro. Essas campanhas profissionalizadas caracterizam-se por incorporar a cultura do “não te mexas”, de falta de risco, de querer falar sempre de dentro de um enorme vazio. E essa é em grande parte a política dos partidos de governação, que como não tem nada a dizer refugiam-se nos estereótipos que são o molde da vida política dos dias de hoje. Não há nada para dizer, porque o que há para dizer não se pode dizer.

A amostra que já é possível ter das campanhas que já arrancaram em 2017, é disso um exemplo, sem originalidade, sem conteúdo, usando as mesmas palavras, os mesmos slogans, dum vazio impressionante. Os exemplos que refiro a seguir são todos de 2017, na sua maioria do PSD, CDS e PS, algumas do BE. O PCP tem mantido alguma prudência com um slogan único até agora: “trabalho, honestidade e competência”. (…) Temos as campanhas do “mais” e do “melhor” (…), depois há as campanhas da “mudança” (…), há as declarações de amor às terras. (…)

E isto é só o princípio, uma amostra de cerca de setenta campanhas concelhias já na rua. Duvido que para a frente vá ser muito melhor. O problema já não é das eleições autárquicas, é da esterilidade crescente da vida política nacional.» 
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