5.8.17

Media queixam-se: a chuva molha



Texto de Sandra Monteiro em Le Monde Diplomatique (ed. portuguesa), Agosto de 2017:

«Desde 17 de Junho, dia dos trágicos incêndios de Pedrógão Grande, a comunicação social tem vindo a fazer uma cobertura heterogénea dos fogos, tanto em termos da qualidade e sobriedade da informação, como da consistência e pluralidade dos debates que se seguiram. Se numa primeira fase foram muito preocupantes os aproveitamentos sensacionalistas de vítimas e outros actores que mereciam protecção e respeito, numa segunda multiplicaram-se os exercícios especulativos e acusatórios. Nem sempre é fácil distinguir onde acaba o escrutínio rigoroso dos poderes públicos por parte dos media e começa uma campanha política. Era expectável que a actual solução governativa, contrariando as políticas de austeridade que a linha editorial dominante nos media apoiou, suscitasse uma veemente oposição do campo mediático. Em particular a partir da tragédia de Pedrógão, a agressividade nos media subiu de tom. Cresceu o recurso à especulação, ao facto não verificado mas que compõe uma narrativa, ao erro que não se assume – mesmo quando desmascarado. O jornalista Bernardo Ferrão, num artigo de opinião no Expresso, resumiu bem, contra vontade, o sentido político desta cobertura: «A marca de Pedrógão não se apaga. Ficará tatuada na pele deste Governo» [1].

São bem conhecidos os contornos da «tatuagem» que se quis gravar. Da falsa e sensacionalista manchete do Expresso que assegurava, em contradição com a própria peça no interior, que a «Lista dos 64 mortos exclui vítimas de Pedrógão» (22 de Julho de 2017), até à utilização pelo jornal i, amplamente reproduzida pelos media, de uma fonte sem credibilidade que garantia ter na sua posse uma lista de mortos muito superior à oficialmente divulgada, muitos foram os exemplos de como a comunicação social tratou mal o direito dos cidadãos à informação, sem nunca se retractar.

A «tatuagem» tinha uma mensagem clara, que nem sequer é nova: a «esquerda» não é de confiança quando se trata de números, de rigor; se engana com números de mortos também o fará com os dados execução orçamental, do défice ou do emprego. O remate é depois deixado para a oposição partidária: a «esquerda» continua a «viver acima das nossas possibilidades»; «só serve para os momentos bons»… e depois têm de vir os partidos de direita «dizer a verdade e fazer os cortes necessários». O ecossistema político-mediático repõe, assim, a narrativa de que não havia, nem haverá, alternativa aos cortes da austeridade. Esse ambiente desencoraja as rupturas com os alicerces estruturais neoliberais (mínimos sociais, dívida, tratados, euro) e facilita o regresso dos partidos de direita ao poder, mal uma política dirigida à conjuntura mostre os seus limites.

Mas não é apenas no tabuleiro político que este ecossistema joga. Os «novos cães de guarda» do poder estabelecido, para usar a expressão de Serge Halimi, têm também de actuar no campo estritamente mediático, cujo futuro se anuncia incerto e repleto de perigos. É neste sentido que tem interesse observar uma terceira fase em que entrou a cobertura mediática deste Verão saturado de fogos. Em vez de admitirem e corrigirem os erros cometidos – e todos os podemos fazer –, jornalistas com cargos de direcção e proprietários de grupos de media mostram-se indignados face às críticas, em particular as das redes sociais. É curioso que, ao escolherem este alvo, estão a mostrar, em espelho, que as críticas mais dificilmente penetram os meios de comunicação. Mas centremo-nos no essencial: por que surge agora esta reacção virulenta contra as redes sociais?»

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