25.11.17

Dois anos entre Belzebu e Lúcifer



«Pois passaram dois anos sobre a tomada de posse deste governo. Se se lembra do início, pode medir o caminho seguido: o presidente Cavaco Silva tocou as trombetas do apocalipse, enunciando uma Nato furibunda, uma União Europeia assustada, uma burguesia de malas feitas e uma sociedade afundada. O presidente foi-se embora e o governo lá singrou, nem precisou de muito para confirmar uma maioria capaz e resultados que desbarataram a contestação da direita, para mais prejudicada pelo voluntarismo simpatizante do novo presidente.

O governo beneficiou assim de um efeito de alívio generalizado e de duas vantagens. A primeira é que, resumido ao azedume, o PSD foi derivando para uma esperança última, a da censura europeia que desbaratasse a geringonça. Tudo correu mal para este plano, aliás bizarro: a União ensaiou umas sanções pífias mas logo se calou, virando-se para a surpresa britânica, o estremecimento francês e a incerteza alemã. Se é certo que tanto o governo como os partidos de esquerda também temiam essa intervenção da cavalaria prussiana – e Dijsselbloem e Schauble bem se esforçaram – ela esfumou-se. Voltará, logo veremos quando.

A segunda vantagem foi o efeito mobilizador de uma ligeira recuperação de rendimentos. Isso deu à esquerda um sentido pragmático de resultado feito e à sociedade um empurrão de confiança que os anos de austeridade tinham abalado profundamente. Se alguém analisa a política portuguesa sem perceber este efeito moralizador profundo, cultiva o engano e vai esbarrar com a realidade. Marcelo percebeu o que Passos confundiu, e Cristas cola-se a Marcelo porque tem instinto de sobrevivência, as sondagens aliás explicam porque precisa de tal suplemento de alma.

No entanto, ao longo de dois anos o governo revelou fragilidades e essas penalizam também as esquerdas, qualquer que seja a sua coreografia. O governo não está organizado para responder a crise políticas e mesmo uma mini-crise como o Panteão demonstra que estremece perante as redes sociais: quem se lembraria de encarregar o primeiro-ministro de responder sobre o assunto? O governo não mostrou cabeça fria ao longo das crises do verão mas, sobretudo, não percebe o desgaste que a rotina lhe impõe, buscando golpes de asa que, amiúde, dão asneira, como a translação do Infarmed.

A questão da rotina, certamente pior na segunda metade do mandato, é esta: faz olhar para o lugar errado. O problema do país não é o Panteão, mas são as florestas que vão sempre arder, o serviço de saúde que se limita a esconder as suas falhas e a esgotar os seus profissionais no desespero da falta de meios, a prepotência da desqualificação pelos salários baixos. Belzebu não mora aqui, Lúcifer perdeu-se, mas o mapa é difícil, pois a estratégia para Portugal tem sido ganhar tempo para escapar do pior mas só falta o essencial: fazer o tempo. Os próximos dois anos serão perdidos se faltar essa estratégia para a segurança que o povo merece. Por isso, as prioridades serão saúde e trabalho, ou o governo esgota-se no seu poder.»

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