6.5.17

Gentes deste mundo (2)



Um herdeiro da Civilização Maia. Iximché (Guatemala), 2014.
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Dica (542)

Da alternância à unificação



Daniel Oliveira no Expresso de 06.05.2017:




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A sinistra Maria Luís Albuquerque



Esta mulher é sinistra, ouvi a entrevista em trânsito. Não votaria nela para o que quer que fosse, nem que o seu único adversário fosse o diabo em pessoa. 
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A França e a Europa. Destinos cruzados



«A França é uma aldeia gaulesa, cercada por todos os lados, já não por soldados romanos, mas sim por emigrantes, terroristas islâmicos e burocratas de Bruxelas.

Até porque foi (pelo menos, na teoria) um dos pólos do poder europeu que se estabeleceu no pós-II Guerra Mundial e que visava contrabalançar e isolar o poder da Alemanha. Com a Grã-Bretanha fora do barco europeu há muito, a França sempre foi vista por muitos países como o contraponto a Berlim. Mas há muito que falhou nessa missão, seja com Sarkozy ou, sobretudo, com o descalabro que foi François Hollande. Agora, frente a frente, para decidir o futuro da França (e da Europa) estão dois candidatos improváveis: Emmanuel Macron e Marine Le Pen. (…)

Macron declarou, após a sua vitória na primeira volta das presidenciais que: "Num ano mudaremos a face da vida política francesa". Se ganhar, ninguém duvida que o fará. Será uma face jovem e fresca. Mas não se sabe se mudará muito mais do que isso. Macron simboliza o "status quo" com uma cara trabalhada pelo marketing, como se fosse um produto novo que ninguém deve perder. E o problema é que a França precisa de mudanças radicais, porque os seus problemas são estruturais, seja na economia, seja nas finanças, seja no emprego, seja no Estado social, seja na relação com os emigrantes, seja na segurança, seja na ligação à Europa. São muitos trabalhos para os quais não parece existir uma poção mágica que transforme Macron em Obélix. (…)

O debate entre Macron e Le Pen foi muito inconclusivo. Sossegou a Europa, porque Macron defende os valores de mercado e de uma comunidade económica, a livre iniciativa e o "status quo". Mas como dizia Jacques Attali, Macron é o último produto do "vazio actual", essa paixão do novo pelo novo. E esse é o problema não apenas de França, mas de toda a Europa. Estas soluções apenas adiam o problema, que mais dia menos dias cairá em cima das nossas cabeças com toda a rudeza: como resolver o problema estrutural do emprego, como conciliar austeridade com crescimento, como resolver o problema da emigração e da identidade cultural, como responder aos desafios da globalização, como criar segurança para os cidadãos? E o problema é que Macron não tem muitas soluções para isso.»

5.5.17

Gentes deste mundo (1)



Uma cidadã como outra qualquer. Lago Inle (Birmânia), 2009.
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Dica (541)



What’s Next for Podemos? (Manolo Monereo) 

«Podemos MP Manolo Monereo discusses the party’s origins, its first crisis, and what it would mean for it to govern.» 
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Um grande texto sobre as nossas amnésias



«Hoje, Amílcar Cabral pouco é lembrado, sobretudo em relação ao 25 de Abril que ainda há pouco voltámos a comemorar. Na escola, Cabral confronta Salazar nos manuais de história de uma matéria quase nunca dada, num excerto convenientemente editado para tapar as vergonhas maiores da escravatura e do colonialismo português. Nas universidades, proliferam sobretudo as cadeiras da chamada “História dos Descobrimentos” ou da “Expansão” e os homens lembrados são outros; salvo raras excepções, Cabral aparece quanto muito nos cursos de literatura através de algum poema seu. Nas exposições comemorativas do 25 de Abril, o seu busto espreita num ou noutro cartaz, mas pouco pode dizer.»
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Porto: geringoncem, geringoncem!

O da Joana



«Um terço gigante, da autoria de Joana Vasconcelos, foi inaugurado esta semana à entrada da Igreja da Santíssima Trindade, no Santuário de Fátima. Tenho a opinião de que Portugal só fica realmente completo quando a Joana Vasconcelos fizer uma padaria portuguesa gigante.

Acho uma ideia parva. Segundo ouvi dizer, Nossa Senhora tinha previsto aparecer outra vez em Fátima para festejar os 100 anos, mas puseram um terço gigante no local da aterragem.(…)

A Joana Vasconcelos tornou-se a artista do regime, ainda que a frase pareça uma contradição. Mas desta vez temos um problema mais complicado porque, após ser conhecida a instalação, de seu nome "Suspensão", começaram a circular, nas redes sociais, fotografias de um terço igual ao que foi erguido entre duas palmeiras em 2013, em Vila Velha, no estado de Espírito Santo, aquando da visita de João Paulo II ao Brasil. Aleluia! Isto foi o Milagre da multiplicação!!!

Joana Vasconcelos já se justiçou e diz que o terço brasileiro "não tem nada a ver" com o de Fátima. E a justificação, de que não têm nada a ver um com o outro, é, e cito: "Aquilo é um terço pequenérrimo feito de esferovite." Fazendo uma comparação, o terço brasileiro tem 19 metros de comprimento e cerca de 60 contas, o da Joana tem 26 metros e 60 contas brancas. Ou seja, nunca se ponham nus em frente à Joana Vasconcelos. (…)

O bom disto é ver que Fátima comprou gato pôr lebre. A Joana Vasconcelos arranjou uma fraude para comemorar os cem anos das aparições. Finalmente, fez-se justiça.»

João Quadros
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Fátima em lenços de assoar



Depois do sucesso com os rolos de papel higiénico multicolores, a Renova abriu outra linha de negócio. Sucesso garantido, até a OLX já vende via internet.
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4.5.17

Cúpulas, muitas cúpulas (12)



Catedral de Santo Isaac, Petersburgo (Rússia), 2012.
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Dica (540)




«It’s very dangerous how progressives have abandoned the critique on economic liberalism and are leaving it to the likes of Marine Le Pen.»
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Portugal em 1975 (visto por J. Cardoso Pires)



«Um muro diz “SÊ REALISTA, EXIGE O IMPOSSÍVEL!” E esta sentença é a fórmula do mais infinito de uma álgebra política, a nossa, que põe, como todas as álgebras, a meta abstracta para equacionar uma progressão concreta.

Avançamos, corremos de mais às vezes (não podia deixar de ser), corrigimos, deixando para trás um Portugal burocrático e levantando um país em criação contínua e livre. E o nosso rosto social modifica-se, parece outro; os acontecimentos não nos dão descanso e arrastam-nos, criam mais a seguir.

Importante é que neste tropel, arraial, sementeira, alvorada, tenhamos descoberto a força criadora do povo e a sua imaginação corajosa. Descobrimos essas coisas frente a frente e no em cima da hora, nós que por vezes tínhamos do povo uma ideia só histórica e mais ou menos iluminada de entusiasmos ou de cepticismos pequeno-burgueses. Mas agora estamos a aprender o país. A televisão, a imprensa, a rádio e os media partidários mostram-nos o fórum dos trabalhadores, ensinam-nos através da produção. Diariamente, os governantes dão conta aos governados e, diariamente também, dos bairros, das escolas e das casernas saem ideias novas, gente ao vivo. Na mais analfabeta das aldeias há soldados que abrem avenidas.»

In: E agora, José?, Moraes Editores, pp. 268-269. 
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Ai que horror: uma piada



Ricardo Araújo Pereira na Visão de hoje:


Na íntegra AQUI.
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Reestruturação da dívida




«O que aconteceu com este relatório é que, pela primeira vez, passou a haver uma posição maioritária na política portuguesa, porque o acordo entre o PS e o Bloco de Esquerda representa uma maioria na política portuguesa (penso que na população portuguesa também; as sondagens o dirão). Mas a maioria na política portuguesa é a favor de uma reestruturação. Isso é um enorme compromisso. O PS utilizou aquela coisa “bom, foi o partido que assinou, não foi o Governo”. É verdade, mas eu tenho esperança fundada de que o partido peço ao senhor secretário-geral para dar uma palavrinha ao primeiro-ministro a este respeito e, portanto, que a proposta seja para ser tomada a sério. Na política, nada pode ser a fingir!» 
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Convidada: JOANA LOPES



Vizinhos da blogosfera convidaram-me a escrever um texto para o «Delito de Opinião». Escolhi recordar uma das minhas viagens e aqui fica para quem estiver interessado num resumo do que vi e vivi quando fui à Etiópia.

Por terras da Abissínia

Ser turista é limitativo, eu sei. Preferia ser «viajante», sem prazos nem restrições físicas e financeiras, mas não é possível. Turista portanto me assumo e, como tal, tenho tentado conhecer um pouco dos cinco continentes deste pequeno mundo.

Preguntam-me, frequentemente, qual foi a minha viagem preferida, ou o «top 5» das que já fiz, mas deixei de ser capaz de responder. Escolho uma, sem lhe atribuir nenhum privilégio, mas porque me marcou de um modo especial. Talvez por ter nascido em África, talvez porque é o continente que menos conheço.

Há quatro anos passei duas semanas na Etiópia, pouco mais do que nada para ficar com ideias vagas sobre o segundo maior país africano em extensão. Parecia então ser um oásis naquele Corno de África, entre vizinhos em permanente conflito, e centro de onde irradiavam esperanças de conciliação e de progresso. Tristíssimo que tenha chegado a sua vez de contrariar expectativas, esperemos que não por muito tempo.

Percorri algumas centenas de quilómetros onde quase tudo é totalmente verde e fértil, com montes e vales bem cultivados (o celeiro etíope) e milhares de cabeças de gado que tornam o país praticamente autossuficiente em termos de alimentação. Mas falta tudo o resto e a pobreza é por isso extrema, as estradas e muitas outras infraestruturas são quase inexistentes ou muito rudimentares. Como mais do que rudimentares são os instrumentos usados na agricultura, numa terra onde «quem trabalha são as mulheres e os burros» – burros que são mesmo um ícone, tão grande é a sua quantidade, tão importantes as funções que exercem como meio de transporte de pessoas e de mercadorias.


O país depende cada vez mais de investimentos chineses e turcos, exporta algodão e têxteis, carne de várias espécies animais e, evidentemente, café. Aliás, reza a lenda ou a História (nem sempre é fácil perceber-se em que plano se está exactamente) que foi aqui que o café foi descoberto. Como? Uma cabra ter-se-á mostrado tão excitada depois de comer repetidamente a respectiva planta que os donos decidiram seguir-lhe o exemplo, descobrindo assim as suas potencialidades. A Etiópia é governada há quase trinta anos praticamente em regime de partido único, com as inevitáveis consequências em termos de corrupção, e a moeda nacional é tão fraca que tudo o que tem de vir do exterior tem um peso difícil de suportar. Em todo o caso, aparentemente vai-se (ou ia-se?) progredindo, por exemplo através de um interessante e muito louvável sistema de cooperativas. E, ao contrário dos vizinhos da Eritreia e da Somália, tem sido raro que multidões de etíopes fujam por essa África abaixo para se afogarem às portas da Europa.

Há também um povo altivo, orgulhoso da sua etnia («a Norte temos os árabes, a Sul os negros, nós estamos no meio»); orgulhoso também pelo facto de nunca ter sido verdadeiramente colonizado e de ter uma História rica, sem fronteiras muito nítidas que a separem de um extenso conjunto de lendas – uma realidade estranha, mas fascinante, para as nossas cabeças cartesianamente formatadas.

Axum, no Norte, é um paraíso para os arqueólogos, tantos são os rastos de civilizações antiquíssimas já descobertos e os muitos que há ainda por explorar. Conta a lenda que um filho de Noé, pai de todos os povos de pele castanha, era avô de Etiopos que foi enterrado em Axum e deu o nome a todos os habitantes do país. Seja como for, sabe-se hoje que as origens da civilização etíope remontam o século X a.c. Os etíopes reivindicam ter em Axum a «verdadeira» Arca da Aliança e «veneram» a rainha de Saba que, segundo as crónicas, teria regressado de uma viagem a Jerusalém grávida de um filho do rei Salomão, criança que viria a ser o célebre rei Menelik, fundador da dinastia Salomónica que perduraria na Etiópia até ao século XX e a ter, como último representante, o imperador Haile Selassie (tio avô de um dos elementos da troika que por aqui andou…).

Há também a Cidade Imperial de Gondar, um conjunto de seis castelos construídos seguindo técnicas introduzidas pelos portugueses no século XVI, implantados numa grande cerca que chegou a ter doze portas. E, acima de tudo, as igrejas de Lalibela, a «Nova Jerusalém» da Etiópia, cravada numa região árida e agreste. Não há palavras que possam dar uma ideia, mesmo que aproximada, do que são esses doze templos, escavados na rocha e em muitos casos ligadas por túneis, distribuídos por dois conjuntos separados por um rio, estando fisicamente afastado o décimo primeiro: último a ser construído e o mais espectacular, com a sua forma em cruz, enterrado, e com quinze metros de altura. As escavações começaram em pleno século XII e todo o conjunto foi construído em apenas vinte e quatro anos, o que é quase inacreditável! Terão estado implicados nas obras, usando instrumentos mais do que rudimentares, 40.000 homens e conta a lenda que trabalhavam enquanto havia Sol e que os anjos faziam o turno da noite… As igrejas de Lalibela, Património da Humanidade segundo a UNESCO, são um dos grandes motivos de orgulho dos etíopes – e com toda a razão.


Não falei de Addis Abeba? Nada de especial a assinalar, a não ser dois museus e um gigantesco e caótico mercado que tem nada menos do que 103 hectares e onde se vende tudo o que imaginar se possa.

Gostava de voltar à Etiópia? Talvez, mas é pouco provável. Até porque repetir viagens não é a minha praia: temo que não haja amor como o primeiro. 
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3.5.17

Cúpulas, muitas cúpulas (11)



Túmulo de Nawab Islam Khan, Fatehpur Sikri (India), 2005.
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Dica (539)




«With his attacks on judges, journalists and critics, U.S. President Donald Trump is chipping away at the foundations of democracy. Is the American Constitution strong enough to withstand the assault?»
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03.05.1919 – Pete Seeger, 98



Nasceu em 3 de Maio de 1919, em Nova Iorque e o seu primeiro grande sucesso terá sido «Goodnight, Irene»:



Na década de 60, tornou-se um dos ícones da música de protesto contra a guerra e na defesa dos direitos civis. Morreu com 94 anos, mas é como se ainda andasse por aí, tal foi a marca que deixou em várias gerações dos cinco continentes. Transpirava força e optimismo, ajudou muitos a lutar para que que este mundo venha um dia a ser melhor.

Sobre a vida de Pete, um texto: La vida en un puñado de versos.

E alguns vídeos, entre dezenas possíveis:






Aos 74:




E depois do fim:


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Se não fosse pedir muito...


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Verdade e pensamento mágico



«Os tempos de crise rompem os véus de ilusão. Debaixo do que julgaríamos ser a normalidade, esconde-se, de modo cada vez mais nítido, um absurdo lentamente amadurecido e longamente escondido. Ao escutar o discurso de Trump no seu 100.º dia na Casa Branca é impossível não perceber como - não apenas nos EUA, mas a uma escala mais geral - a mediocridade do desempenho dos protagonistas políticos atingiu um tal grau de entropia e grotesco que o perigo de eclosão de uma grande tragédia parece cada vez mais próximo. (…) Nos últimos dois séculos, o processo de tomada de decisão em política esteve longe de corresponder à complexidade crescente registada na esfera do trabalho em sentido amplo. No plano do trabalho, desenvolveram-se verdadeiros códigos de exigência e fina seletividade (…) Na esfera da política, pelo contrário, as qualidades que definem muitos dos mais marcantes líderes do século XX (Mussolini, Hitler ou Estaline) poderiam ser partilhadas por qualquer chefe de malfeitores, como Al Capone. As decisões políticas têm sido, por demasiadas vezes, um obstáculo à criatividade e imaginação que atravessam a maioria das áreas dominadas pela disciplina do trabalho nas sociedades contemporâneas.

O mais ameaçador problema da política contemporânea é a sua recusa da verdade. A verdade, como uma doença grave, é algo que se "suporta" e tem de ser aceite e compreendida, até como condição suficiente para ser superada. A verdade dói, pois contraria as nossas conveniências e o nosso hedonismo. (…) Trump e a vaga populista são apenas o acentuar de tendências muito anteriores, que a crise económica mundial fez acelerar. É penoso constatar como foi possível à mais sólida e constitucional democracia do mundo eleger um mentiroso compulsivo que pensa, por exemplo, poder calar as leis da física e varrer as alterações climáticas cortando o orçamento de ciência e destruindo a agência federal de proteção do ambiente (EPA)! Mas não é menos confrangedor verificar que na União Europeia, mesmo depois de quase dez anos de confirmação de que as estruturas que suportam o euro são insustentáveis e insuficientes, o debate parece estar dividido entre duas formas de pensamento mágico: os que subestimam os custos de uma rutura violenta do euro e aqueles que parecem acreditar que esta agonia lenta poderá continuar como está sem o castigo de consequências devastadoras. Enquanto as nossas democracias não aprenderem a eliminar o aventureirismo político com o mesmo vigor com que combatem a fraude científica, estaremos sempre a um passo do abismo.»

2.5.17

Cúpulas, muitas cúpulas (10)



Mesquita Turkmenbashi Ruhy, Kipchak (Turquemenistão), 2016.
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Dica (538)




«Macron has just days to take stock of their anger and adopt the only strategy that can secure his victory against Le Pen: showing humility, and reducing the severity of his programme. The only problem is that he might not be aware how serious the situation is. There is a certain Dangerous Liaisons charm about the microcosm of journalists, intellectuals and politicians who shape (or think they shape) the political destiny of France. According to my lunch companion, Macron has infinite confidence in his charisma and is blissfully unaware of the threat.» 
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Galeano e o 1º de Maio



Eduardo Galeano, Los Hijos de los Días:


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Le Pen e o plágio




A direcção da campanha de Le Pen fala de «clin d’oeil assumé».
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E Fátima lá terá o mamarracho Vasconcelos



Terço de Joana Vasconcelos vai iluminar peregrinos a 12 de maio.

E o disparate não paga impostos – é pena!

«Marco Daniel Duarte, diretor do Museu do Santuário de Fátima, precisa numa nota explicativa que a peça, com a “típica escala monumental” das obras da artista portuguesa, “lembra o pedido da Virgem Maria, de que se reze o terço com um propósito muito claro: o de alcançar a paz para o mundo”.»
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Trabalhar oito anos para receber um mês



«Não me incomoda o salário de ninguém nem defendo leis que estipulem salários no privado, para lá daquela que existe para determinar um salário mínimo obrigatório.

Mas é olhando para uma empresa onde existe muita gente a ganhar pouco mais do que o ordenado mínimo que se percebe como há ainda um longo caminho a percorrer. Quem mais ganha, ganha cem vezes mais do que o ordenado médio da empresa. Se compararmos com o caixa do supermercado dessa empresa, a diferença será maior.

Para ver se percebemos! Mesmo para um defensor da iniciativa privada, como eu, não pode ser moralmente aceitável que na mesma empresa alguém precise de trabalhar oito ano para receber o vencimento do chefe máximo num só mês. Para evitar perigos como Trump, Le Pen e outros quejandos não é preciso procurar antídotos na retórica política. O que se joga nas democracias é a organização da sociedade, a satisfação do bem comum e uma certa ideia de justiça. (…)

Em matéria de disparidade salarial, na União Europeia, só a Polónia, a Roménia e Chipre estão pior do que nós. No extremo oposto está a Bélgica no meio dos países nórdicos (Finlândia, Dinamarca e Suécia). Os dinamarqueses são, nem por acaso, os que se dizem mais felizes entre todos os europeus. Repartem melhor a riqueza produzida, gerem muito bem o tempo gasto a trabalhar, em lazer e com a família. Lá também há ricos, mas há uma repartição mais justa da riqueza.»

Paulo Baldaia

1.5.17

Cúpulas, muitas cúpulas (9)



Catedral ortodoxa de Astana (Cazaquistão), 2016.
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Dica (537)



Tolerância intolerante. (Fernanda Câncio) 

«Sendo duvidoso que o PS ganhe com isto um único voto, e ainda por cima calhando a visita do papa a Fátima num sábado, a decisão de parar o Estado só pode dever-se à tradicional reverência de partidos e governos, travestida de "cortesia", face à Igreja Católica. Mais de cem anos após deixar de ter religião oficial, Portugal continua a ser um país em que se confunde liberdade religiosa com a liberdade de ser católico. E isso não é apenas insensível, é estúpido.»
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Nuno Brederode – uma crónica entre muitas


@Miguel Baltazar

Já disse que segui de perto as crónicas que Nuno Brederode Santos publicava no Diário de Notícias, as suas angústias enquanto as escrevia, e o meu prazer de as partilhar neste blogue, Domingo após Domingo: citava-as parcialmente e remetia para o texto na íntegra, divulgado no jornal. Ontem, fui à procura delas e verifiquei o que já temia: o Diário de Notícias não «respeitou» os links, estarão talvez num limbo inacessível e, portanto, perdidos para os leitores. Mas conservei alguns dos originais, que o Nuno me enviava por mail, e republico um deles, delicioso, e que não é datado como outros, onde eram comentados factos políticos da época.

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A mansarda e o jardim

«Ajoujados à servidão dos fumadores, os “meus” gerontes reúnem, pela manhã, na esplanada do café, porque “lá dentro” não se pode fumar. Albardam-se como os índios da reserva, mas sem direito a fogueira comunal. Falo por mim: camisola interior numa fibra mais severa que amianto, camisola “lambswhool”, casaco, “cachecol” e gabardina. O vento frio corta a direito, em grandes lençóis horizontais que ignoram as lentes dos óculos e libertam lágrimas indesejadas. A mão só sai da luva para brandir a chávena e, mesmo assim, o corpo treme todo, como se levado ao paredão de um pecado ou crime de que não guardo consciência nem memória. Busco refúgio na ideia de que, na véspera do Natal, haverá por certo um stock de temperança e amor pelo desvalido que me irá proteger das culpas que desconheço. E olho para os três jornais que comprei, perguntando-me quantos anos mais resistirei a trazê-los debaixo da camisola. Os vizinhos deram sumiço, acolhidos aos fogos de família do país interior, de onde só voltarão no domingo, carregados de chouriças e azeite “lá de casa”. Só mesmo alguns jovens passam, eles e elas na arrogância das camisolinhas de manga curta, a lembrar-nos o que já tivemos e como nos resta merecer os aconchegos da segurança social.

O empregado é muito jovem, talvez trabalhador-estudante. É educado, afável e solícito. Ao toque para a segunda bica, faz conversa e diz para uma conviva, meio morta de frio: “Fulano conhece-a muito bem. Manda-lhe cumprimentos”. Ela parece não se surpreender e pergunta: “Conhece Fulano? É-lhe alguma coisa?”. Ao que o rapaz, sempre sóbrio e respeitoso, responde: “Sim, sim. Ele é namorado da minha avó”.

Qualquer coisa de animal e antiquíssimo rugiu em mim. E refugiei-me na tosse tabágica para dissimular o espanto e a gargalhada. Não sei bem o quê nem o porquê. O meu mundo dos avós esvaiu-se há muito, obediente aos ditames naturais. Mas, numa vertigem de imagens em corrupio, no involuntário carrossel que nos sintetiza as memórias, eu coloquei ali, naquela cena, a última avó que se me foi e imaginei-lhe um estupor tão grande que nem lhe deixava espaço à indignação.

Namorado da avó? Então ela, viúva de tão longe e tantas noites, contida a tricotar desde o lusco-fusco, em frente do televisor, e cujo maior assomo de convivialidade com homens se cingia a retribuir o “boa noite” profissional de Pedro Moutinho e a “despedir-se com amizade” do engenheiro Sousa Veloso, poderia alguma vez admitir – ou até, presumo eu, conceber – a existência do estatuto, social mas a ameaçar o jurídico, de “namorado da avó”? Então a botija de água quente que, na viuvez deitada, lhe aquecia os pés, poderiam outras avós, as desse futuro que é o nosso presente, trocá-la pelo calor original de um corpo de homem? E a abnegação, o sacrifício, a severa mortalha interior que toma o corpo por dentro, precisamente porque nos embrulha a alma? A vontade de Deus agora é questionável? Corrigimos-lhe o traço firme conforme nos apraz, sem que as iras do Velho Testamento nos arrasem? Suponho que a minha avó condenaria os desmandos de outros credos, que sepultam a viúva em vida ou lapidam a de memória ingrata na praça pública. Mas nem por isso teria podido inocentar, nem simplesmente ignorar, um tal desaforo na cristandade.

Mal o jovem virou costas, os meus parceiros – que não tinham precisado de se esconder cobardemente por detrás de um ataque de tosse provocado e tinham sabido guardar uma cordial sisudez para a circunstância – disseram adeus à compostura e fizeram-se a um carnaval de gargalhadas. Todos tinham, afinal, pensado o mesmo que eu. Naturalmente, todos tinham avós para recordar e encontravam nessa busca um igual tesouro arqueológico.

Pois é, avó. Parece que o inferno se adapta aos tempos, na exacta medida e ao ritmo com que nós os vamos fazendo. A ameaça também precisa de ser funcional. Não tem sentido ameaçar com o que o ameaçado já nem percebe, porque já cai fora do alcance do seu código de valores. E sabe que mais? Por esquivo que lhe seja este mundo de namorados das avós, o certo é que essa coisa laboriosa que é a felicidade já deixou o bafio de vésperas que era a mansarda do seu tempo e respira o ar sem dono de um pequeno jardim. No meu caso, com buganvílias. Mas também com a mesma ternura por si.» 
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Há 106 anos foi assim



Operários da panificação, em greve, pelo descanso semanal.

Lisboa, 1911, foto de Joshua Benoliel
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01.05.1973 – O último em ditadura



O último, antes do 1º. Em 1973 não foram cravos, foram bombas, que destruíram parte de um ministério, violência e prisões em manifestação proibida.

Ver AQUI.
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Recordar é reviver



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Foi mesmo assim


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30.4.17

Cúpulas, muitas cúpulas (8)



Basílica de Santa Sofia, Istambul (Turquia), 2011.
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Dica (536)




«Sachez, madame Le Pen, que nous ne voterons pas pour vous, et même plus: nous nous opposerons de toutes nos forces à votre infâme parti et à vos infâmes idées, que vous soyez élue ou non à la Présidence de la République Française.
Depuis toujours et à jamais, les progressistes de ce pays et les défenseurs des Lumières se dresseront face à vous.» 
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Derrotar Le Pen aprendendo com Trump



É isto, assino por baixo.

«A retórica inflamada e dramatizada do tudo-e-todos-contra-Le-Pen é música para os ouvidos da extrema-direita.
É dessa bipolarização que se alimenta Le Pen e é com ela, através dela e por causa dela que a sua candidatura tem, desgraçadamente, ganho força nas sondagens desde domingo passado, subindo 5% face a pesquisas anteriores. (…)
Para todos os "insubmissos" é claro o propósito de derrotar a extrema-direita na 2.ª volta das presidenciais francesas e sobretudo depois, seja qual for o resultado, até porque a Frente Nacional, infelizmente, é hoje senão o maior e mais organizado partido do espectro político francês, um dos maiores e mais influentes. Mas é preciso fazê-lo com a inteligência que o movimento revelou na campanha e não oferecendo à extrema-direita os brindes que ela deseja receber.»
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Continuando com o Nuno


«O jovem, ao qual sobra o tempo e os dias escasseiam, faz-se o velho, ao qual sobram os dias e escasseia o tempo.»

Nuno Brederode Santos, DN, 21.01.2008.
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