30.9.17

Extenuado



... de tanto reflectir. 
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Dica (639)




«El movimiento pro-independentista grande, pero no mayoritario, se está ampliando en un movimiento más grande a favor de la democracia, de las instituciones catalanas y de la plurinacionalidad de España. Hoy, significativamente reunidos en el Museo de Historia de Catalunya, han aprobado un manifiesto en el que se convoca a la sociedad civil catalana a defender la democracia en Catalunya, violada ahora por el intervencionismo judicial y político del Estado español. Por el bien de Catalunya y de España es importante que se haga esta movilización de todas las fuerzas democráticas en contra de las políticas antidemocráticas y represoras que están siguiendo los herederos de la dictadura que oprimió tanto a las clases populares de los distintos pueblos y naciones de España.» 
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O homem não se cala!


Mais algum chefe de Estado se pronunciou sobre a questão da Catalunha, para além de Trump? A Declaração que Marcelo fez hoje parece-me descabida e até contraditória nos termos (ao citar, aliás o Governo…): «A questão catalã é do foro interno de Espanha, e o Governo português entende que seja considerada no quadro do respeito pela Constituição e pelas leis espanholas».

A mesma crítica é válida para a Nota do Governo, obviamente. 
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Quando votos das autárquicas chegaram a Lisboa… a cavalo



Eu já contei esta história há uns anos, mas nunca a esqueço em véspera de eleições autárquicas. Julgo que amanhã se votará pela 12ª vez, mas confesso que recordo sobretudo as duas primeiras: 1976 pela novidade e porque foi a única em que me candidatei ao que quer que seja (pelos GDUP, à CML, com enorme probabilidade de ser eleita, como se imagina...) e a seguinte, em 1979, por uma historieta deliciosa.

Por razões profissionais, estive durante alguns anos ligada ao processamento dos resultados eleitorais, então efectuado no Centro de Informática do Ministério da Justiça. Viviam-se semanas épicas na preparação de todos os processos, noites ainda mais épicas quando a data chegava e é quase surreal recordar hoje a dificuldade, o pioneirismo e o stress com que tudo se passava.

O apuramento era especialmente longo no caso das autárquicas pelo número de candidatos e lugares envolvidos e, em 1979, estive mais de 24 horas na Gulbenkian sem abandonar o meu posto. Muitíssimo tempo depois do fecho das urnas ainda faltavam os dados de quatro freguesias e, às 16:00 do dia seguinte, nada se conseguia saber acerca de uma delas, localizada bem a Norte do país, salvo erro em Trás-os-Montes. Primeiro faxes, depois telefonemas para o respectivo Governo Civil... tudo inútil, ninguém encontrava o rasto do presidente da única mesa onde se tinha votado. Até que, bem mais tarde, o inesperado aconteceu: o homem acabou por chegar, em pessoa, ao Ministério da Justiça em Lisboa. Tinham-lhe dito que era ali que os dados eram processados e ele pôs-se a caminho. Trazia a urna ainda fechada e tinha deixado à porta… o cavalo que o transportara desde casa!

Foi no século passado, sim. Mas há menos de quatro décadas.
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Em profunda reflexão


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Reflexão ou paternalismo de Estado?



Sempre considerei um disparate esta interrupção num processo em que os eleitores deviam ser considerados adultos e não simples cidadãos acéfalos nas mãos de um legislador zeloso. Já lá vão dez anos desde que Nuno Brederode Santos lhe chamou «puro paternalismo de Estado», num texto magnífico publicado no Diário de Notícias de 15.07.2007. Infelizmente, continua actual.

Dia de cão

Por sair ao Domingo, este espaço está sujeito à maldição dos períodos de reflexão eleitoral. Ainda há pouco mais de um ano, tal sucedeu com as presidenciais e eu derramei por aqui meia dose de queixumes e outro tanto mau feitio. E embora a autocitação costume ser vista como uma variante benigna de onanismo, seja-me consentido algum recurso a ela.

A reflexão imposta por lei é o produto directo e linear de uma transição democrática. Ao cabo de quase meio século de cidadania mutilada, o seu pleno exercício, pelos cidadãos em tirocínio que nós éramos, parecia aconselhar medidas dessas. Mas, trinta e tal anos e dezenas de votações depois, a sua subsistência é a manifestação de um puro paternalismo de Estado. "O Estado legislador já não protege o cidadão. Protege, sim, o estado administrador contra algumas maçadas técnicas." Cada um devia "ser dono e senhor do período de reflexão de que carece (se é que carece de algum)", porque o dispositivo, "concebido para defesa do repouso intelectual dos eleitores, só parece já salvaguardar o repouso físico dos candidatos".

Ora, porque assim não é, o dia de reflexão torna-se estranho, enevoado e penoso de viver. Há uma bruma anómala à nossa volta e parece que nos movemos numa second life onde cada olhar é um espanto e cada passo uma aventura. De manhã, no café, primam pela ausência os amigos e vizinhos mais político-dependentes. E os demais avatares que pontuam a esplanada são seres desconhecidos, translúcidos e dotados de sorrisos lentos e mãos que mexem como num espaço sem gravidade. É assim nas Amoreiras velhas, uma amável aldeia urbana, logo pela manhã. Mas é assim também em Campo de Ourique, cidade na cidade, bairro onde nasci e ao qual muito me liga ainda. (Por vezes, nem sei ao certo em qual moro. Em qualquer deles vem-me à mente uma frase provocatória do Lee Marvin/Liberty Valance, no clássico de John Ford: "Home is where I hang my hat", que eu peço licença para traduzir por "Eu moro onde penduro o meu chapéu").

É nesse ambiente equívoco, feito de trocas de olhares entre gente vagamente conhecida, que se gera uma forma bizarra de cerimónia cívica, por força da qual ninguém diz nada que remotamente evoque as eleições iminentes. Como se a opinião de um pudesse lesar, ou contagiar, o outro. Ou o juízo deste, que na véspera teria sido de seu inteiro direito, fosse hoje um abuso ou uma agressão. A meio do dia, já quase preferimos não conhecer ninguém. É certo que, quando eu nasci, também não conhecia cá ninguém. Mas, demasiadas décadas depois, um exercício de quase regresso ao útero materno violenta uma vida inteira de direitos adquiridos. É maçador, embaraçoso - enfim, em sentido próprio, um atraso de vida.

Ignoro que remédio lhe dão os mais destemidos. Por mim, recolho às vantagens práticas de uma resposta tímida e timorata à situação: recolho a casa. Onde não terei serenidade psicológica para ler, nem vertigem activista para escrever. Olharei bovinamente para a televisão, na esperança (sempre) vã de ver passar, por entre as pálpebras a meia haste, o relance de um candidato, a sombra de um eleitor ou, ao menos, o olhar cúmplice de um "pivot" de telejornal a transmitir-me qualquer coisa que se assemelhe, já não a solidariedade, mas pelo menos a um pouco de compreensão. Em vez disso, porém, serei bombardeado com desastres de viação, fogos frustrados, crimes passionais e patetices ditas "sociais" de "celebridades" que o não são. Com sorte, terei talvez o comendador Berardo a explicar mais uma iniciativa altruísta. Ou até um dirigente da oposição a dizer que exige ao poder o que não pode dar e um governante a dar-me aquilo que já é meu. Depois, terei minuciosas e por vezes ininteligíveis notícias sobre acontecimentos políticos, mas da Europa e do Mundo, onde a maldição não chega. E, logo que se tenha dado despacho a quase vinte minutos de electrodomésticos, automóveis, detergentes, telemóveis e supermercados, servir-me-ão os eventos do mundo admirável da época das transferências no futebol nacional.

Está escrito, vai ser assim. E, pelos vistos, até que a morte nos separe. 
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29.9.17

O topete de Assunção




Esta senhora está tão inebriada com a hipótese de ter um pequenino sucesso depois de amanhã que não percebe que os portugueses não gostam de a ver tratar assim quem tem o índice de aceitação de António Costa. Mais uns dias de campanha e mandava calar Marcelo. 
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Dica (638)



The First White President (Ta-Nehisi Coates) 

«The foundation of Donald Trump’s presidency is the negation of Barack Obama’s legacy. (…)
Barack Obama delivered to black people the hoary message that if they work twice as hard as white people, anything is possible. But Trump’s counter is persuasive: Work half as hard as black people, and even more is possible.» 
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É assim



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O ovo estrelado da serpente



«Após as eleições alemãs do passado domingo, os jornalistas portugueses foram a correr ver o dicionário português-alemão para saber como se diz geringonça. Eu como não sou jornalista fiz investigação: fui ao Google translate. Obtive: contraption. Não parece uma palavra alemã. O que é natural, porque eles detestam geringonças.

Apesar de ter vencido, Merkel sofreu uma grande derrota, pior só a de Schulz, que parece ser mais popular em Portugal do que na Alemanha. O grande destaque das eleições vai para a AfD, a extrema-direita alemã, um eufemismo para nazis, que passou a a ser o terceiro maior partido na Alemanha com 13,5%. O Bundestag alemão vai ter dezenas de deputados nazis. Se estivéssemos em 1938 e a Europa estivesse meio dividida e houvesse um ditador na Rússia , era coisa para ficar assustado. Além do mais temos os EUA que são do mais antifascista que há e contamos sempre com eles.

Acho que, se calhar, o Muro de Berlim estava lá, não para separar a democracia do mundo ocidental da ditadura comunista, mas para evitar que os alemães se juntassem outra vez. Na verdade, se calhar, era um muro antinazi. Se os alemães se juntam todos, acabamos sempre nisto. Setenta anos depois do Holocausto, há 13,5% de eleitores alemães que assumem que querem ser nazis. É uma espécie de sair do armário da Anne Frank. Acho extraordinário haver pessoas que estão admiradas por haver nazis na Alemanha. Por exemplo, sobre ovos moles em Aveiro, ainda não vi nada.

Eu não tenho nada contra os alemães, excepto o humor que é fraco e o porno, péssimo, mas vamos lá ver uma coisa, os alemães perderam a guerra, mas eles queriam ganhar. Eles não perderam porque chegaram à conclusão: "Ai, se calhar isto do nazismo é feio, mais vale perder isto."

Com este crescimento da extrema-direita, Angela Merkel está para a UE como o último bastião das ideias que deram origem à União. Chegou aquele momento em que é suposto nós, portugueses, estarmos agradecidos a Merkel e arrependidos de lhe termos chamado nomes. Era só o que faltava. Tiro o chapéu tirolês aos discursos de Merkel sobre os refugiados, mas não engulo ver a Angela com o discurso antixenófobo depois do que disse dos calões do Sul. Só falta vir o Schäuble dizer que tem sangue grego.

Pode ser do que ando a tomar, mas faz-me confusão ver Merkel e companhia assustados com o crescimento da extrema-direita, como se o discurso a uma só voz , alemã, sobre a Europa, mais o castigo dos "gastadores" e apologia da austeridade não tivessem contribuído para o aparecimento de populistas. Agora, temos de estar todos agradecidos à Merkel porque é o último muro que nos separa dos radicais de direita. Muito obrigado, Doutora Frankenstein.»

28.9.17

Extras, extras

Uma gargalhada por dia, nem sabe o bem que nos fazia




Esta senhora não sabe em que mundo vive. Mas, já agora, não se percebe por que motivo não promete o brevê de aviador no 9º ano e um treino para astronauta como recepção de caloiros. Enfim... Uma avozinha deve ter-lhe cantado isto quando era miúda:


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Rerum esquisitum



Ricardo Araújo Pereira na Visão de hoje:


Na íntegra AQUI.
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28.09.1974 – A Manifestação que não existiu



Há 43 anos, o país esteve agitado. Esperava-se a realização da chamada «Manifestação da Maioria Silenciosa» – uma iniciativa de apoio ao apelo do general Spínola, convocada dias antes por cartazes que invadiram a cidade.



Acabou por ser proibida pela Comissão Coordenadora do Programa do MFA. Antes disso, Spínola, que tinha tentado, sem sucesso, reforçar os poderes da Junta de Salvação Nacional, acabou por emitir um comunicado, pouco antes do meio-dia, a agradecer a intenção dos manifestantes, mas declarando que, naquele momento, a manifestação não seria «conveniente».

Os partidos políticos de esquerda (CARP M-L, CCRM-L, GAPS, LCI, LUAR, MDP/CDE, MES, PCP m-l, PCP, PRP-BR, URML), sindicatos e outras organizações tinham desencadeado, no próprio dia, uma gigantesca operação de «vigilância popular»: desde as primeiras horas da manhã, dezenas de grupos de militantes distribuíram panfletos e pararam e revistaram carros em todas as entradas de Lisboa. Mas não só: foram erguidas barragens, para impedir o acesso à manifestação, em Viana do Castelo, Santo Tirso, Trofa, Póvoa de Varzim, Vila do Conde, Porto, Chaves, Mealhada, Viseu, Guarda, Coimbra, Vila Nova de Poiares, cintura industrial de Lisboa, Grândola e Alcácer do Sal.

Em 30 de Setembro, Spínola demitiu-se do cargo de presidente da República, sendo substituído pelo general Costa Gomes. Fechou-se assim o primeiro ciclo político do pós 25 de Abril. 
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Querida Ryanair



«Sempre que se deparava com alguma dificuldade na sua tentativa para apanhar o pombo que transportava mensagens secretas para os aliados, Dick gritava para o seu cão: "Mutley, faça alguma coisa!" Este era o mundo dos desenhos animados televisivos "Os Gloriosos Malucos das Máquinas Voadoras". E onde, por fim, Mutley, perante os disparates, surgia com o seu riso trocista que ficou para a história. A Ryanair não é a versão do século XXI da Esquadrilha Abutre de Dick, nem Michael O'Leary, um sucessor de Mutley. Esta transportadora aérea que agora se vê no meio de uma imensa trapalhada foi uma das que democratizaram o transporte aéreo. Fez dos aviões verdadeiras carroças voadoras, devido ao preço praticado. Tornou-se barato viajar e isso teve implicações notáveis na indústria turística. E alterou a aviação comercial de forma brutal: quem imaginaria que transportadoras de bandeira dessem hoje uma sandes e um sumo aos passageiros ou não fornecessem refeições, para competirem neste mercado de preço baixo? Tornando-se, elas próprias, transportadoras "low-cost".

A forma, quase de "fait-divers", como em Portugal tem sido encarado o problema operacional da Ryanair não deixa de causar perplexidade. Muito do crescimento turístico de Lisboa e Porto veio à boleia de viagens de avião baratas (e talvez por isso se deram benesses, e se prometiam outras, às operadoras "low-cost" nos actuais e futuros aeroportos internacionais portugueses). O súbito cancelamento de dezenas de voos da Ryanair mostra a fragilidade do turismo português perante estas operadoras. O modelo da Ryanair é o espelho do capitalismo de plataforma que se instalou: com trabalhadores "low-cost", os consumidores também se tornaram "low-cost", todos eles produtores de dados para as plataformas multinacionais. A lógica de empresas como a Ryanair é reduzir o trabalho da empresa e aumentar a acção dos seus clientes (acabando por lhes cobrar tudo o que não é essencial). Só que acabaram por criar uma ficção. Que, se desaparecer, pode criar um pesadelo.»

27.9.17

Acontece aos melhores


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Ryanair. Do inconcebível!




N.B. – Uma amiga minha, que tinha um filho que trabalhava nesta companhia de onde saiu agora, fez-me chegar este artigo, garantindo que o seu conteúdo é 100% verdadeiro. Assustador, mas não novidade: outros familiares de portugueses que trabalham na Ryanair já tinham denunciado muitas destas realidades no Facebook.

27.09.1975 – Últimos fuzilamentos do franquismo e reacções em Portugal



Em 27 de Setembro de 1975 foram fuzilados cinco antifascistas espanhóis: José Luis Sánchez Bravo, José Humberto Baena Alonso, Ramón García Sanz, Juan Paredes Manot e Ángel Otaegui. As pressões para que o acto não fosse consumado não resultaram, Franco não cedeu.

Portugal, em pleno PREC, não esperou pela execução e iniciou na véspera, 26 de Setembro, assaltos aos consulados de Espanha em Lisboa e no Porto, ataque a sedes de empresas espanholas e incêndio e destruição da embaixada de Espanha em Lisboa.



(Vídeo e mais informação aqui)
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O meu voto


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Vergonha na Catalunha



«Há dois dias realizou-se um referendo acerca da independência do Curdistão iraquiano, conduzida pelo governo regional. Bagdad protestou, a Casa Branca tentou convencer os dirigentes curdos a adiar a consulta, mas ela realizou-se. Não houve prisão de governantes regionais, invasão policial, ameaças financeiras ou outras violências — e é uma zona de guerra contra o Daesh, para nem referir os ataques das forças turcas contra as milícias curdas. Apesar do perigo, a população teve o direito de votar.

No caso da Catalunha, em resposta à decisão do parlamento de realizar um referendo, alguns governantes foram presos e todos estão ameaçados, foi suspensa a autonomia financeira, milhares de polícias foram mobilizados de outras regiões, o procurador-geral anuncia que prenderá o presidente catalão e Rajoy ameaça com a mãe de todas as violências. Mesmo que as sondagens tenham vindo a indicar que a maioria da população quer ter o direito a escolher o seu futuro em referendo, mas que, se consultada, poderia preferir manter uma associação ao Estado espanhol, Rajoy tentará impedir a consulta pela força.

Este banquete de ameaças invoca a ordem constitucional, que foi estabelecida em 1978 na transição pós-franquista e que ao longo de 40 anos nunca foi modificada, apesar de sucessivas promessas feitas às autonomias regionais. Durante estas décadas, nem a solução federal vingou nem o direito de decisão nacional foi reconhecido.

Para quem assiste de longe à radicalização do conflito sobram muitas questões. Quanto a Portugal, interessa-nos, mais do que tudo, saber se a direita vence este braço de ferro e se Rajoy se torna mais agressivo do que já tem sido contra Portugal desde a formação do governo Costa, ou se são respeitados direitos fundamentais, como os que a diplomacia portuguesa invocou no passado recente.

De facto, Timor-Leste tornou-se independente graças a um referendo em que a maioria da população decidiu separar-se da Indonésia, cujo poder sobre o território, convém lembrar, era reconhecido pelos Estados Unidos, pela União Soviética, pela China, por Cuba e por muitos outros países. Apesar disso, Timor resistiu durante décadas e conseguiu votar a independência, a diplomacia portuguesa apoiou o referendo, a população portuguesa solidarizou-se, a ONU envolveu-se.

No nosso tempo foram realizados dois outros referendos sobre o direito à autodeterminação: no Quebec (1995) e na Escócia (2014), ambos aceites pelo Estado que poderia ser objecto da separação. O povo decidiu e a independência perdeu nos dois casos. O contraste com o caso espanhol é muito evidente: não houve ameaças, prisões, processos sumários, perseguições. E alguns Estados recentes foram formados sob a invocação da autodeterminação, como aconteceu com a Croácia, aplaudida na Europa quando se tratava de destruir a Jugoslávia.

Pensemos então que a Catalunha independente nem é viável nem necessária, ou que esse será o seu destino, só há um ponto em que precisamos de estar de acordo: o respeito pelo direito a decidir. É a democracia. A Catalunha tem o direito de votar.

Finalmente, deixem-me os leitores mostrar o meu espanto pelos doutrinários portugueses que, a despropósito, nos vêm agora explicar que, não tivesse havido 1640 e a recuperação da independência de Portugal, prefeririam fazer parte de Espanha e assim continuar. Há nisto uma leveza notável, que é essa imaginação delirante do que seria a história se não fosse o que foi. Pura fantasia: se esses doutrinários tivessem rodas poderiam ser um triciclo, mas não têm, pois não? Mas há pior, é o gosto de submissão a um Estado estrangeiro, como se a história pudesse ser corrigida descartando a nossa soberania. Olhar para a Catalunha a fazer vénias aos Bourbons tornou-se o destino dos nossos desistentes.»

26.9.17

Dica (637)



Crackdown in Catalonia (Entrevista com Manolo Monereo) 

«Podemos MP Manolo Monereo discusses the road from Spain’s political crisis to the standoff over Catalan independence.» 
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26.09.1968 – A primeira noite sem Salazar



No dia 26 de Setembro de 1968, às 20:00, Américo Tomás anunciou a substituição de Salazar por Marcelo Caetano, num discurso histórico e sinistro:



No dia seguinte tomou posse o novo governo e, do discurso de MC, ficaria a célebre uma frase: «Não me falta ânimo para enfrentar os ciclópicos trabalhos que antevejo.» (Texto do discurso aqui.)

Sabendo o que se seguiu entre 1968 e 1974, não é fácil perceber hoje que muitos, mesmo resistentes antifascistas, tenham criado grandes expectativas com a nomeação de Marcelo. Mas foi um facto: a «Primavera Marcelista» alimentou grandes sonhos quanto ao sucesso de uma «evolução na continuidade». Não durou muito, o desfecho é conhecido.

Começariam as «Conversas em Família». Fica aqui a primeira (08.01.1969):

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Maiorias absolutas? Não, obrigada

Spaghetti autárquico



«Estas eleições autárquicas estão a celebrizar-se por permitirem a discussão sobre todos os temas menos os que realmente interessam a quem vive nas vilas e aldeias de Portugal.

Não se está a realizar uma campanha autárquica: está a rodar-se um "western spaghetti". Ou seja, nem é um filme de "cowboys" nem uma comédia onde se come demasiada massa. Grande parte dos actores são semelhantes ao célebre Trinitá, o chamado "cowboy insolente". Arrastam-se enquanto se discute se houve um ovni que levou as armas de Tancos ou se tudo não passou de uma dose de LSD colectiva. Nada que nos possa surpreender. Estas eleições são o reflexo da debilidade da chamada elite política nacional. Enquanto os líderes cavaqueiam à volta de coisas mundanas de pequena e média política, o país real desertifica-se. Basta percorrer um pouco o Portugal que não faz parte das coutadas de Lisboa e do Porto para se entender como os últimos anos o poder central (com a conivência de muitos coronéis locais) criou uma desertificação do país. A desertificação não é só o corolário dos grandes incêndios que mostram, ano após ano, a confrangedora ausência de estratégia nacional ou local. É o reflexo da retirada do aparelho do Estado (serviços de saúde, escolas, tribunais, entre outras coisas) do interior. Se juntarmos a isso a trágica actuação do sector ferroviário onde não há horários para nada, e onde o desinvestimento foi brutal, percebe-se melhor o pântano.

Depois de José Sócrates ter tentado transformar Portugal numa Disneylândia virtual, Passos Coelho tentou a alquimia de criar um país "low-cost". O resultado das duas magias está à vista: um país desertificado e rasgado por auto-estradas. Com casas desertas, terrenos abandonados e gente perdida e envelhecida, entendemos por que razão nestas autárquicas se discute Tancos, Madonna, quem merece os louros pelo crescimento económico ou o dinheiro que nasce no OE para aumentar tudo e todos. Estas eleições estão a servir para uma coisa: para não se discutir a vida do país das autarquias.»

25.9.17

Marcelo em Angola



Leitura obrigatória: a deste texto de Rafael Marques:


«O presidente português bem poderia ter dito que vai a Angola porque é uma oportunidade para transmitir o “afecto”, mesmo que cínico, do povo português para com o povo angolano.

Poderia também ter dito que vai transmitir o apoio e o encorajamento de Portugal ao novo presidente para enfrentar os desafios do desenvolvimento humano em Angola. E ficaríamos todos contentes, incluindo o próprio presidente eleito e o MPLA, porque o cinismo é uma característica que nos une.

Pensei que o presidente dos “afectos” tivesse tacto diplomático para lidar com Angola. Enganei-me. Mas não me engano quanto à hospitalidade, ao sentimento de amizade, à capacidade de perdoar e à tolerância do povo angolano.

Bem-vindo a Angola, camarada Marcelo.» 
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Dica (636)

25.09.1975 - Ainda há quem se lembre dos SUV?



Há 42 anos, o centro de Lisboa preparava-se a esta hora para uma grande manifestação dos SUV (Soldados Unidos Vencerão) – uma auto-organização política de militares, clandestina, que se definia com «frente unitária anticapitalista e anti-imperialista» e que fora anunciada no início do mês, algures num pinhal entre Porto e Braga, numa conferência de imprensa transmitida pelo Rádio Clube Português, em 7 de Setembro.

Organizaram desfiles em várias cidades, mas julgo que nenhum teve a dimensão do de Lisboa, em 25 de Setembro, com apoio de partidos como o MES, a LCI, a UDP e o PRP. Centenas de soldados fardados, acompanhados por representantes das comissões de trabalhadores e de moradores e por uma verdadeira multidão, subiram do Terreiro do Paço até ao Parque Eduardo VII, onde teve lugar um comício. No fim deste, foram desviadas dezenas de autocarros da Carris, que levaram quem quis até ao presídio da Trafaria, de onde, pelas 2:00 da manhã, foram libertados dois militares que se encontravam detidos, precisamente por terem distribuído panfletos de propaganda da manifestação.

Para se perceber um pouco mais do que estava em causa, vale a pena ler o MANIFESTO com que os SUV se apresentaram na conferência de imprensa de 7 de Setembro.


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A União Europeia que se cuide

Autárquicas, complacências e agressividades



«Estas eleições parecem, sublinho, parecem tão previsíveis que estão a gerar em muitos candidatos efeitos perversos de que bem se podem vir a arrepender. Uns estão tão convencidos de que vão ganhar que são complacentes. Outros estão tão convencidos de que vão perder, e por muito, que fazem apenas os serviços mínimos. Pelo contrário, os candidatos que se esforçam, que são agressivos no meio desta pasmaceira, estão a obter vantagem. Não me refiro a nenhum partido, nem aos candidatos independentes, porque estes comportamentos são bastante transversais e estão a mostrar como as atitudes face às campanhas e a sua importância podem mudar alguma coisa.

As pessoas podem estar cansadas da política e da parafernália eleitoral, mas, no fundo, esperam que os candidatos façam tudo o que é suposto fazerem, colocar cartazes, andar na rua, ter brindes para dar, esforçarem-se. Esta é uma atitude que dificulta a inovação e a evolução das campanhas presas ao conservadorismo dos eleitores.

Campanhas ricas e pobres

Já me referi aqui ao facto de haver campanhas muito ricas, mesmo muito ricas. De novo, registo a minha perplexidade sobre de onde vem tanto dinheiro. E algumas destas campanhas muito ricas nem sempre são as dos candidatos dos grandes partidos, são-no também de candidaturas independentes. Por exemplo, em Oeiras, os candidatos fora dos partidos desenvolvem campanhas opulentas, deixando para uma relativa modéstia algumas campanhas de grandes partidos como o PSD. Parece haver uma maior correlação com o valor das economias dos concelhos, em particular do imobiliário, como é o caso de Lisboa, Oeiras, Cascais e Sintra.

Mas há também campanhas pobres, cuja pobreza é ainda mais evidente quando se comparam, num mesmo concelho, com outras campanhas, e nalguns casos mesmo surpreendentemente pobres. Por exemplo, a campanha de Narciso de Miranda parece ter muito poucos meios, em comparação, por exemplo, com a de Isaltino ou Paulo Vistas.»

José Pacheco Pereira

24.9.17

Manuel Martins (1927-2017)



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Dica (635)




«Globalisation was supposed to bring widespread uniformity and benefit. But it hasn’t addressed old grievances.» 
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Entretanto na Alemanha




«Across Europe, social democratic parties are in crisis and on Sunday, the German SPD could slide to its worst result since World War II. (…)

Martin Schulz has made "social justice" the central issue of his campaign, but the working class, once the key constituency of social democracy, has been fragmented into a well-paid core workforce and a periphery of temporary workers who often do the same work for less money. Others are stuck in dead-end service jobs. Are social democratic parties still the parties of workers? Or is this just a distant memory to which educated, upwardly mobile public servants cling to? That, at least, is what the SPD factions in state parliaments and the Bundestag make it look like.» 
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Insistam que ele diz


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Anda demasiado nervosismo pelo ar



«Há um nervosismo no ar que só pode surpreender. O PSD, mesmo se não for medido pela bitola do Dr. Rangel às quintas-feiras, vai-se enfunando: ora é a lei da imigração, ora os fundos comunitários, ora uma frase do primeiro-ministro, ora o rating, tudo o incomoda, ou seja, não há nada que possamos descortinar nesse apocalipse. O CDS não esconde que Cristas precisa de Lisboa para a sua candidatura seguinte. E, em todos os partidos, as sondagens, frágeis como elas se têm revelado à medida dos anos, provocam epidemias de susto.

Tanto barulho para nada. Excepto no PSD, não há em nenhum partido razão para se não sorrir. Tudo leva a crer que poucos dos autarcas desavindos triunfarão: há o caso de Isaltino Morais, uma recuperação desde a prisão, mas Valentim Loureiro e Narciso Miranda parecem vencidos. Tudo leva a crer que o PS arrebata a maioria das câmaras, mantendo o seu poder anterior com poucas perdas e ganhos. Tudo leva a crer que, onde tem a presidência, o PCP se mantenha e, onde é minoritário, continue numa fasquia relevante. Confirmará assim a sua força orgânica e o secretário-geral discursará aos militantes sobre o trabalho do seu partido. Tudo leva a crer que o Bloco cresça eleitoralmente e eleja vereadores em cidades importantes. Tudo tranquilo. Então, porquê o nervosismo em tantos destes partidos?

A primeira razão do nervosismo é o PSD. Se tudo estava desenhado para Passos Coelho continuar depois de outubro, mesmo derrotado, agora as águas agitam-se. O PSD pode ficar abaixo dos 15% em Lisboa e Porto, se as primeiras sondagens se confirmarem. Isso seria uma tragédia para a sua direcção. Mas o facto é que ninguém quer que Passos se vá embora: o Presidente quer mantê-lo, Rui Rio quer tempo, que a campanha interna não tem sido feliz, o Primeiro-ministro reza para que seja Passos a conduzir o PSD nas próximas eleições, o CDS também, o aparelho aguenta-o. Só que o comboio pode descarrilar em Lisboa e Porto e, aliás, os generais do PSD fizeram tudo para que isso acontecesse.

A segunda razão é o tal André Ventura em Loures. A sua campanha, em si, é uma tristeza, o PSD foge dele, os jornalistas só encontram banalidades e fingimento, a derrota é anunciada e será um ar que se lhe deu. Mas o aspecto mais importante do personagem não é propriamente os ciganos, a pena de morte, a castração e tudo o que mobiliza da conversa de sarjeta. É que o homem nasceu num programa de televisão sobre futebol. Foi o que criou a persona pública, que lhe fez sentir que não importa o que diga desde que seja chocante, que o que é preciso é abanar-se muito e interromper toda a gente. Ou seja, o exemplo pode vir a ser radicalizado: há canais de televisão prontos para inventar os seus candidatos e promover delinquentes, afinal o Brasil fica aqui tão perto.

A terceira é a manha. No caso da casa de Fernando Medina, que comprou mais caro do que um ex-ministro do CDS seu vizinho, no mesmo ano, nada a assinalar se não o interesse de Assunção Cristas que, na CMTV, pré-anunciou o que viria a ser publicado pelos jornais um par de dias depois. Sinal de nervosismo.

A quarta forma de nervosismo é a que não se esperaria que se manifestasse: Jerónimo de Sousa usa o seu repertório da raposa e das uvas para atacar Catarina, porque ela criticou os autarcas que apoiaram a troika. É portanto uma divergência inexistente, um pretexto. Mas revela uma preocupação pouco compreensível: é fácil levantar a base de um partido contra os apontados inimigos, mas era escusado ver um homem experiente como Jerónimo a ter que ouvir a resposta de Catarina rejeitando o sectarismo.

Há portanto muitas formas de nervosismo, mais do que as que se poderia esperar ou do que as que este país à beira-mar plantado merece. Mas, o que quer, cara leitora ou leitor, são eleições.»

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