16.12.17

Marcelo pastor



A imagem no Expresso de hoje e completada por Luís Vargas no Twitter.
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Áustria: extrema-direita no poder




«A Áustria irá tornar-se, desta forma, no único Estado-membro da União Europeia que inclui uma formação de extrema-direita no Executivo. Porém, esta não é a primeira vez que o ÖVP chega ao Governo. Entre 2000 e 2005, uma coligação semelhante levou à aplicação de sanções por parte de Bruxelas.»

Esperam-se agora sanções por parte de Bruxelas (esperemos sentados, claro).
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A sopa envenenada



José Pacheco Pereira no Público de hoje:

«Este artigo não é sobre as “raríssimas”; ou seja, sobre o caso da associação com esse nome. Este artigo é sobre as vulgaríssimas; ou seja, sobre aquilo que este caso revela sobre a nossa sociedade, sobre os nossos comportamentos, sobre o modo como os media e os seus consumidores estão impregnados da sopa envenenada que é hoje a chamada “opinião pública”. O caso em si é fácil de descrever: numa instituição de solidariedade social, com obra reconhecida como meritória (podia não ser), a sua responsável (e certamente vários dos seus colaboradores, incluindo os “whistleblowers”, como é costume) abusou da sua situação para obter vantagens materiais, viver à custa dos dinheiros “solidários”, ter luxos, e empregar a família e amigos. À sua volta, uma rede de cumplicidades, envolvendo o poder político, e membros do Governo ou ajudaram a causa, sem cuidados, ou participaram no festim. Nalguns casos pode ter havido crimes, noutros comportamentos eticamente reprováveis. A instituição vivia encostada ao Estado (como quase tudo em Portugal) e recebia apoios da sociedade civil, parece que com alguma eficácia.

Uma reportagem da TVI denunciou o caso, os abusos e as cumplicidades. Fê-lo com equilíbrio e com matéria probatória sólida, incluindo depoimentos, emails e alguns filmes, uns feitos às escondidas, outros às claras. Do ponto de vista da deontologia jornalística, a única coisa que podia suscitar dúvidas eram os filmes que foram fornecidos juntamente com as outras denúncias por gente de “dentro”. Não é incomum no jornalismo de investigação este tipo de técnicas e há doutrina estabelecida sobre as regras a seguir. Neste caso, no documentário original, tudo o que lá está é mais do que justificado pelo interesse público da denúncia de um caso de claro abuso desta natureza. Na sequência deste documentário original seguiram-se as linhas de investigação e escrutínio, jornalístico e público, obrigatórias: a senhora foi afastada das suas funções, o membro do Governo envolvido demitiu-se (e se não se tivesse demitido devia ter sido demitido de imediato) e prossegue o trabalho de esclarecer se existem outras responsabilidades no Governo, quer por acção quer por omissão. A realidade tem mostrado que os membros do Governo e os outros políticos envolvidos não estão a sair-se muito bem das explicações que têm de dar. Esta parte está ainda em curso e deve ser inteiramente esclarecida, assim como os inquéritos judiciais e investigações por quem de direito.

Nada disto é incomum, é até muito vulgar, e consideravelmente consentido quando dentro de portas, e quando ou se esconde bem a mão, ou quando se distribui alguma coisa do bodo colectivo e “comem todos”. Até um dia. Nesse dia vai lá tudo deitar pedras, como se não se soubesse de nada, ou, um pouco por todo o lado, como se comportamentos deste género não fossem o retrato de uma sociedade onde há uma escassa ética colectiva, em parte porque somos ainda uma sociedade muito pobre, ou em que parte das pessoas saiu ainda há pouco tempo da pobreza, onde nunca na burocracia imperaram critérios de mérito, mas a cunha ou o patrocinato, onde esquemas de todo o tipo são tão comuns, no Estado, na política, nas empresas, nos bombeiros, nas casas paroquiais, nas escolas, nos quartéis, nos centros de saúde, um pouco por todo o lado. Talvez com menos gravidade, nem sendo muitas vezes crimes mas apenas abusos, mas com tanta trivialidade que não os vemos como culposos.

Significa isso que os portugueses não são honrados? Não, significa que são pobres, ou ainda que têm uma memória viva da pobreza, não sentem a coisa pública como sendo de todos, e sabem que, para empregar um filho, obter um papel na câmara, evitar pagar o IVA, passar à frente de uma fila, há um sistema de favores implantado que vive da complacência de quem se aproveita e da inveja de quem ficou de fora. E isto é de uma ponta à outra da sociedade. Desde os offshores “legais” ao planeamento fiscal, às compras para as cantinas, das empresas que fazem brindes para as campanhas eleitorais, até aos amigos e as empresas que arranjam sempre ser contratados sem concurso público, até ao autarca que “rouba mas faz” e a quem os mesmos que exorcizam a corrupção em cada palavra que dizem, afinal, votam.

Isto é corrupção, mas não só. É o retrato de uma sociedade disfuncional, muito desigual, onde quem tem acesso ao poder de gerir, ou de comprar, ou de vender, o faz quase sempre numa rede de amizades e cumplicidades, com proveito mútuo, e tão habitual que não merece condenação social. Até um dia, em que a complacência se substitui pela inveja. Nesse dia entra em cena aquilo a que chamei “a sopa envenenada”. Antes era a mesa de café onde quem estava à mesa era de uma honestidade férrea (até ao momento em que saia da mesa) e à volta, a começar pela mesa vizinha, era tudo ladrões, corruptos e desonestos. Agora a mesa de café é planetária e é nas sarjetas das redes sociais, onde o mesmo insuportável espírito domina os comentários e as entradas no Facebook. E é para esse público que hoje está o caso das “raríssimas”, agora investigado já não pelas regras jornalísticas, mas pelas da exploração demagógica e populista, pela exibição do pior que há nos seres humanos, da inveja social, da calúnia, do ressentimento, do bater nos que estão em baixo, e mesmo outro tipo de comportamentos pouco recomendáveis.

E o assunto está hoje assim nos media formais e informais: desequilibrado, com um overkill desproporcionado à gravidade dos factos e com violações sérias da privacidade das pessoas. Se é relevante que a pessoa A tivesse uma relação íntima com a pessoa B, isso pode ser dito com a obrigação da proporcionalidade e do respeito pela privacidade. Para se dar uma informação relevante não é preciso ter um exibicionismo voyeurista, que é uma coisa de outra natureza. Já para não falar de alguma elegância — tão bizarra palavra nos nossos dias —, mas também a noção de que humilhar e amesquinhar as pessoas coloca quem o faz no mesmo plano da senhora culpada destes abusos.

Acresce que o facto de a principal culpada dos desmandos ser uma mulher não é irrelevante. Pior ainda é uma mulher “insuportável”, arrogante, atractiva e muito senhora de si para parecer um perigo para os homens e para as mulheres que no fundo temem as mulheres deste tipo, ou pura e simplesmente temem as mulheres como se fossem amazonas. O sexismo facilitou e muito o incêndio dos comentários e há uma espécie de exorcismo contra a sedução implícita. Se não querem ouvir as sereias, coloquem cera nos ouvidos e não fiquem babados a ver a televisão e a vociferar de inveja, de todas as invejas.

É por isto que quase tudo para além do caso das “raríssimas” é muito mais triste do que as gambas e o BMW, quer pelo que está antes e a gente faz de conta que não vê, quer pelo que está depois em que a gente faz de conta que vê demais.»
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15.12.17

O PSD no seu labirinto



Público, 15.12.2017

Aprecie-se a transcendência das questões com que andam entretidos os candidatos a presidente do PSD.
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O padre Felicidade morreu há 19 anos



Com um dia de atraso, faço questão de recordar que José da Felicidade Alves morreu em 14 de Dezembro de 1998, com 73 anos. 

Com uma vida atribuladíssima, foi certamente uma das figuras centrais da oposição dos católicos à ditadura, sobretudo a partir de meados da década de 60. Não se estranhe que continue a chamar-lhe «padre Felicidade»: faço-o unicamente porque foi como ele sempre desejou ser tratado – até ao fim. 

Prior da paróquia de Santa Maria de Belém, em Lisboa, desde 1956, foi sobretudo a partir de 1967 que as suas intervenções começaram a causar incómodo tanto ao poder político como ao eclesiástico (embora já em 1965 tivesse sido enviado por Cerejeira para Paris). 

No início de 68, ausentou­‑se de novo para aquela cidade (continuando, no entanto, como prior titular de Belém) para prosseguir estudos de Teologia Ecuménica. De visita a Lisboa por ocasião da Páscoa, resolveu fazer uma comunicação ao Conselho Paroquial, na presença de oitenta pessoas, comunicação essa que desencadeou um longo e atribulado processo que iria culminar no seu afastamento da paróquia, na suspensão das funções sacerdotais e, já em 1970, na excomunhão (ou seja exclusão da própria comunidade eclesial). A comunicação de 19 de Abril tinha duas partes: Perspectivas de transformação nas estruturas da Igreja e Sentido da responsabilidade pessoal na vida pública do meu país, sendo abordados, nesta última, problemas que iam da necessidade da abolição da censura, ao direito à informação e à discussão da guerra colonial. 

O cardeal Cerejeira avançou com uma tentativa de o retirar da paróquia logo em Maio, mas seguiu-se todo um processo, recheado de peripécias, que terminou com a referida suspensão das funções sacerdotais.

Houve então inúmeras reacções de paroquianos e de centenas de padres e de leigos. A páginas tantas, não me recordo exactamente quando, um grande grupo de pessoas, solidário com o padre Felicidade, dirigiu­‑se de Belém para o Patriarcado, onde se acantonou no átrio e numa pequena área do passeio, protegida por um gradeamento e por isso a salvo da intervenção policial. Foi pedida uma audiência a Cerejeira que não apareceu mas enviou um secretário para dispersar os presentes. Ficará na memória de todos «Esta casa é nossa!», um grito repetidamente lançado nessa tarde, no seu jeito bem peculiar, por Francisco de Sousa Tavares. O cardeal não nos recebeu, mas estava reunido, a essa mesma hora, com alguns paroquianos de Belém muito activos contra o padre Felicidade. Quando esta reunião terminou e os participantes desceram a escada do paço patriarcal, deu­­­‑se uma cena patética: uma dessas pessoas, salazarista ferrenho, viu no meio da multidão que se encontrava no átrio a mulher acompanhada pela filha. Ele gritou mandando­‑as para casa, elas choraram abraçadas, silenciosamente. Inesquecível. 

Uma das principais iniciativas do padre Felicidade depois do afastamento da paróquia de Belém, em Novembro de 1968, foi a publicação de onze números dos Cadernos GEDOC, em 1969 e 1970, dos quais foi o grande impulsionador (juntamente com Nuno Teotónio Pereira e Abílio Tavares Cardoso). Publicação que começou por ser legal, embora à revelia e prontamente condenada pelo cardeal Cerejeira, passou à clandestinidade quando os seus principais responsáveis, incluindo o padre Felicidade, foram presos pela PIDE.

Depois do 25 de Abril, Felicidade Alves aderiu ao PCP, onde se manteve até morrer, embora sem actividade de militância nos últimos anos. Até neste aspecto a sua vida foi atípica, já que foram poucos os chamados «católicos progressistas» que escolheram tal percurso.

Mas verdadeiramente decisiva foi a sua grande influência nos meios católicos, a frontalidade das atitudes e do discurso. Como muito bem definiu Abílio Tavares Cardoso, um dos seus principais compagons de route, os textos do padre Felicidade «não traduzem só um novo paradigma de estar e de lutar na Igreja, mas vão ficar na história como páginas antológicas para uma literatura de indignação».

Tinha-se casado civilmente em 1970, mas só em 10 de Junho de 1998, seis meses antes de morrer, trinta anos após o início de um longo processo dramático com a Igreja e quando, finalmente, foram resolvidos os problemas a nível do Vaticano, é que o cardeal José Policarpo celebrou o seu casamento canónico – tal como o padre Felicidade sempre desejara. 



P.S. – Este texto resulta, em parte, de transcrição e adaptação de algumas páginas de um livro que publiquei em 2007: Entre as brumas da memória. Os católicos portugueses contra a ditadura, Âmbar, 248 pág.
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Time after time



«A personalidade do ano da Time em 2017 são as pessoas que denunciaram casos de assédio sexual. De uma forma ou de outra, Donald Trump tinha de ser capa. Segundo ouvi dizer, o Presidente dos Estados Unidos, assim que soube desta notícia, foi abrir a Time nas páginas centrais, na vertical, na esperança que uma delas aparecesse seminua. Se eu pudesse escolher a palavra do ano, escolhia "assédio", seguido de "alegado".

No último ano, "descobrimos" que Hollywood é um enorme metro cheio na estação do Chiado. Tudo a apalpar o que pode. É triste descobrir que a meca dos sonhos é povoada pela mesma malta que buzina em Lisboa quando passa por uma jeitosa. São pessoas com síndrome de Tourette nas mãos, que me desculpem os que o têm. Ser capa da Time não é para todos mas, infelizmente, neste caso, é para quase todas.

Se eu fosse o Trump, podia dizer - "eh, eh, o assédio é capa da Time, devem ter dormido com poucos para conseguir isto!" Ou melhor, "se não fosse eu, o assédio nunca tinha sido capa da Time. Ainda dizem que tenho mão pequeninas." Para nós, todas estas revelações são chocantes. Apesar de termos um Presidente dos afectos - e beijoqueiro, é verdade -, não temos um Presidente dos apalpões.

Todos tivemos desgostos quando soubemos que o nosso actor preferido, ou realizador favorito, era, na verdade, um tipo todo nu com uma gabardina. Não sou dos que acha que a obra seja apagada. Não podemos confundir o artista com a obra. O importante é que se um dia dermos de caras com esse artista que nos desiludiu, em vez de lhe pedirmos um autógrafo, é optar por um pontapé nos testículos. Seguido de um - "Gosto muito do seu trabalho".

A esta hora, a caixa de comentários está cheia de garbosos machos a dizer que o Quadros é feminista. Não sou, tenho defeito de fabrico. Dou por mim a olhar para as fotos das assediadas e a dizer - fazia, não fazia, fazia, fazia, arrrrrrrgggghhh! Quem é que pôs aqui uma fotografia da Teodora Cardoso?! Vocês têm cá uma piada!

O facto de o assédio ser capa da Time é um momento importante. Sinceramente, eu estava à espera que fosse o Centeno. É uma grande vitória e um tema intemporal, pode a revista ficar esquecida num consultório de dentista que continua a ser sempre actual, infelizmente. Relembro que, há vinte e tal anos, a capa da Time foi a fome em África.»

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14.12.17

Dica (682)




«Developers are working on tools that can help spot suspect stories and call them out, but it may be the beginning of an automated arms race.»
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Aves raríssimas



Ricardo Araújo Pereira na Visão de hoje:



Na íntegra AQUI.
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A César o que é de César

Nuno Brederode Santos: seriam 73




O Nuno nasceu em 14.12.1944 e deixou-nos este ano. Os amigos não esquecem, ainda dói. Para o manter connosco, divulgo mais uma das suas magníficas crónicas.

Um dia para gente afável

«Escrevo num hoje que será o ontem dos incautos que me lerem. Um hoje negregado pelo que já trouxe e inquietante por aquilo que trará. Não sei se ao mundo, ao país, à cidade ou à minha rua. Basta-me saber que a mim.

. Subi à vertical com a luz do sol. Também ela vinha em amarelo, mas esmaecido pelas pequenas hesitações do dealbar. Entreguei-me às abluções da doutrina e foi tudo quanto fiz para aguçar as capacidades mentais que já vão rombas. Nem o café redentor tomara ainda, quando saí para pôr marcos mentais no latifúndio lisboeta que guardo nas traseiras (os tais imponentes sessenta e sete metros quadrados que mais tonificam estes meus pulmões cansados do que qualquer catálogo turístico sobre a Amazónia). Mas poucos segundos de exposição ao libérrimo esplendor da natureza bastaram para reparar que vinha luz a mais do topo sudeste e logo compreender que me tinham arrancado e surripiado as glicínias (uns seres encantadores de pacífica modéstia que ali faziam uma pequena zona de sombra, no azul-lilás que o olhar aguado de Herr Fritzl acaba de tornar mal afamado).

. Há anos – já muitos, concedo – o sangue trazido às guelras ter-me-ia lançado nas aventuras de uma guerra pessoal. Teria ido várias vezes à esquadra (uma para participar; outra para depor, à hora em que o agente adequado para o efeito lá estivesse; e uma terceira para assinar o depoimento, caso não quisesse esperar pela dolorosa dactilografia monodigital do esforçado amanuense, que mais não era do que um polícia de giro sob castigo disciplinar). Anos depois, quando naquele recanto sucessivas e diferentes flores me tivessem sido roubadas e eu já nem guardasse memória das glicínias, seria chamado a depor na fase de instrução, perante gente que, vergada ao senso comum e ao excesso de trabalho, me faria perceber - e bem – como o meu zelo cidadão estava a prejudicar a justiça dos outros. Muito mais tarde, receberia enfim a explicação de que o processo contra incertos fora arquivado a guardar melhor prova.

. Hoje, já sou mais poltrão. Ou fiz recuar a fronteira do brio e da coragem. Foram-se as glicínias? Seja. Amanhã as hortênsias? Vá que não vá. Sou um país invadido que já só defende a capital: o limoeiro e as buganvílias. Aí serei uma fera, porque há sementes deles que já entraram em mim e cá ficaram. Tirarei licença de porte de arma, comprarei uma caçadeira, mandar-lhe-ei serrar os canos na rotunda do Relógio e sobretudo soltarei no jardim a fúria meridional do mini-mastim andaluz que enfrenta pardais em campo aberto. Em suma, exercerei, como cidadão, a legítima defesa da propriedade. Porque, ao contrário do que nos querem convencer, o crime contra a propriedade – não a contabilística, que preocupa os neoliberais, mas a de raiz, a da terra úbere, que comove os conservadores – é mil vezes pior e mais cobarde do que o crime contra a vida ou a integridade física. Neste, a vítima defende-se. Ou pelo menos tenta. E, se não consegue, ainda pode escolher como morrer: se na pedinchice do martírio, se na bravata do herói. No crime contra o património, não. Na propriedade, sobretudo fundiária, jaz um estar que é, todo ele, um enlevo de presença, silêncio e paz. A propriedade não se sabe defender. Não aguenta um golpe de lei, nem um golpe à margem dela. Os que a não possuem não imaginam o calvário a que estão poupados.

Assim explicado o desencanto com que parti para a extraordinária aventura que o resto do dia devia propiciar, devo então explicar o que ele ainda trará de inquietante. É o apagão cívico. Uma hora mundial e ao que parece muito fraterna, em que se empenham sete municípios portugueses (fora os que agora se propõem voluntariamente seguir-lhes o exemplo) e o entusiasmo de alguns ambientalistas – tudo sob o entusiástico patrocínio de quatro multinacionais e a comovida vigilância da EDP e da REN. Por isso, das 20h30m às 21h30m, apagaremos as luzes: nas casas, nos escritórios, nos monumentos. Para irmanar ricos e pobres, aqueles juntam-se a estes durante sessenta minutos, no jovial sacrifício de uma auto-imposta Idade Média (o que é mais exequível e barato - mas sobretudo prudente - do que conceder uma hora de iluminação dos que a não têm).

Diluídos no sofá, de telemóvel na mão esquerda, copo na mesa de apoio e comando na mão direita, até se pode ver (à luz de vela que o petróleo não haja poluído) um Portugal-Suécia - que Ban Kimoon e Madaíl terão certamente combinado estar subtraído às obrigações um tanto juvenis do prometido mundo verde.»

Diário de Notícias, 29.03.2009
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13.12.17

Dica (681)



Reflections on Anti-Communism (Marcel Liebman e Ralph Miliband)

«Anti-communism, it seems, is losing some of its currency.
None of the familiar red-baiting tricks doomed Bernie Sanders’s run for the presidency. And among young people, whose memory of the Soviet Union is hazy at best, anti-communism appears a fusty old doctrine, a historical artifact with no real relevance.»
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Muito melhor do que as fake news de Trump




«A história conta-se rapidamente. Oobah Butler é o tal jornalista freelance, que vive num (agora famoso) barracão em Dulwich. Tinha já, como ele próprio admitiu depois, escrito várias críticas falsas sobre restaurantes, mas desta vez pensou que seria interessante criar um – fictício, claro. Chamou-se The Shed at Dulwich por causa do barracão onde vive.

A primeira coisa que fez foi inscrevê-lo na plataforma de avaliações TripAdvisor que, curiosamente, aceitou integrar um local sem confirmar a sua existência. The Shed entrou para o 18.149 lugar da lista, conta o The Washington Post. Mas não ficaria aí muito tempo.

Oobah arranjou um número de telefone para atender eventuais clientes e criou uma página de Internet para explicar o conceito do restaurante. E fê-lo jogando com vários dos tiques instalados no mundo da restauração: começou por dizer que The Shed só aceitava marcações por reserva (deu o nome da rua, mas nunca o número da porta) e isso foi o primeiro passo para o tornar apetecível para todos os que querem ser os primeiros a poder dizer que já lá estiveram.

Depois, criou uma carta explicando que o espaço não tinha um “menu tradicional” e que servia “estados de espírito” – os clientes só tinham que dizer como se sentiam e o chef interpretava num prato. Um exemplo: Lust (Luxúria) eram rins de coelho em tosta temperados com açafrão, com bisque de ostra, acompanhado por um soufflé de romã. E acompanhou as descrições com imagens de pratos feitos por ele, um dos quais incluía uma pastilha de detergente e espuma de barbear.

A partir do momento em que foi aceite no TripAdvisor, foi fácil pôr a família e todos os amigos a escrever falsas críticas, elogiando o restaurante, contando como tinha sido difícil conseguir um lugar, mas como tinha valido a pena. O buzz começou a nascer. E o telefone de Oobah começou a tocar.

Quando tornou a sua história pública, num artigo na revista Vice, Oobah mostrou também muitos dos vídeos que fez dele próprio a atender telefonemas de pessoas que queriam marcar mesa no The Shed. Ele respondia sistematicamente que estava “completamente esgotado”, mas nalguns casos levava a brincadeira um pouco mais longe e perguntava, por exemplo, quantos seguidores é que a pessoa tinha no Instagram e se se considerava “um influenciador”.

Enquanto o telefone tocava sem parar, o The Shed continuava a subir, a bom ritmo, na lista dos lugares mais desejados de Londres. A certa altura, os telefonemas não eram apenas para reservar mesa, mas de pessoas a candidatar-se a um emprego. E um deles foi mesmo da junta de freguesia local a propor-lhe mudar o restaurante para um novo empreendimento.

O TripAdvisor contactou Oobah um dia para lhe comunicar que mais de 89 mil pessoas tinham espreitado informação sobre o The Shed em apenas 24 horas. Por isso, apesar de tudo, não foi uma surpresa total que o restaurante tivesse chegado ao topo. No início de Novembro, The Shed at Dulwich instalou-se no primeiro lugar da lista de restaurantes recomendados em Londres. E nunca ninguém lá tinha comido.

Para além de ser hilariante, a história vem revelar como sistemas como o TripAdvisor podem facilmente ser manipulados. O sistema de controlo do site, explica o The Washington Post, é feito em grande parte por algoritmos e fiscalização automatizada. O TripAdvisor recusou-se, no entanto, a comentar o caso específico do The Shed.»
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Valha-me Deus, a Justiça é discutida



«Os casos sucedem-se: primeiro foi o juiz Neto de Moura e os seus pergaminhos que condenam à morte a mulher adúltera, agora vem um juiz de Viseu absolver um acusado porque a mulher agredida seria “moderna” e “autónoma” e portanto que se safasse. Há nisto várias coincidências, todas preocupantes. Mesmo que se admita que a comunicação social está mais atenta à repetição do folclore machista do que ao direito administrativo, estes acórdãos em si mesmos já são suficientes para demonstrar casos sucessivos de argumentos baseados no simplismo reacionário e de falta de senso ao exibi-lo. Mas há outra coincidência, essa porventura mais profunda, que é a resposta do próprio sistema judicial ao facto de ser criticado.

Começo pela primeira, para se poder medir o significado da segunda. Conta o PÚBLICO que, no tribunal uma testemunha do acusado afirmou que “Ângelo admitiu que dava pontapés em Susana, mas ‘de raspão’, e que a esmurrava, mas não era ‘a sério’, e que ela também lhe dava beliscões. E a outra contou que Ângelo admitiu que lhe batia, mas que ‘não era do nada’”. As testemunhas da ofendida não mudaram a decisão do juiz, absolvição, a mulher que tivesse saído de casa. Não se invocou uma doutrina religiosa castigadora, em todo o caso. Ora, se a mulher tivesse saído de casa e o julgamento chegasse ao outro juiz que cita a Bíblia, talvez fosse por isso condenada, ela. Não é boa notícia, que a decisão do tribunal possa desviar-se da lei para navegar ao sabor das alergias de cada juiz.

A mediatização destes dois processos prova então o quê? Que há uma agenda na comunicação social contra os juízes, aliás erguidos em pedestal noutros casos, ou simplesmente que estas sentenças suscitam choque e pavor? Ora, que se discutam as decisões dos tribunais é simplesmente o novo normal de uma sociedade em que toda a vida pública é mediatizada e mesmo espectacularizada, tantas vezes com empenho e agrado dos seus protagonistas (já viu juízes a darem entrevistas suculentas ou até desembargadores com programas de televisão, não viu?). A justiça será mediática mesmo que não o queira, embora aconteça até que o quer, desde que fale e decida mas não tenha que ouvir.

Assim, esta mediatização suscita outra coincidência ou convergência: a dos magistrados que vêm a público queixar-se das pressões que sofrem por via da exposição mediática. Deixo de lado os casos em que os agentes judiciais, magistrados ou outros, violam o segredo de justiça para manipular a comunicação social com notícias bombásticas, verdadeiras ou falsas, ou para conseguirem condenações antecipadas na opinião pública. Isso tornou-se um sistema tão enraizado que tem sido sugerido que a única solução seria acabar de todo com o segredo (e como se investigaria então o crime complexo?). Mas cinjo-me aqui à mediatização legítima, ao conhecimento do que o tribunal decidiu mesmo.

Ora, cai o Carmo e a Trindade quando isso acontece, porque é uma pressão. “Se agora vai existir uma sindicância sobre todas as decisões dos juízes, qualquer dia não julgam. Têm medo de toda a gente“, avisa Manuela Paupério, dirigente sindical dos juízes.

Acerca de um misterioso texto assinado por seis misteriosas figuras de topo da justiça – não se conhece nem o texto completo nem a lista dos seis – um dos misteriosos autores esclarece o Expresso que “ao proferir uma decisão o juiz não tem de ser politicamente correto ou conformar-se com as ‘modas’ das maiorias” mas, ainda assim, sugere que o juiz “tem de usar particulares cautelas nas suas formas de expressão não exorbitando os princípios constitucionais e legais a que está vinculado”. Que o juiz “não exorbite” a lei parece razoável, só se estranhando que tenha de ser repetido. Mas o que é a tal “moda” e o tal “politicamente correcto” com que o juiz não se deve “conformar”? E se não se conforma como se disforma?

“Há demasiada gente a pronunciar-se”, explica outro misterioso signatário. Demasiada gente? Pois, toda a gente pode discutir dado que a sentença é pública, o que aliás é um princípio fundamental da justiça. A justiça, por isso, produz informação: quer que se saiba. Mas não pode haver uma “sindicância sobre todas as decisões dos juízes”, isso nunca. A justiça pretende assim ser Estado e portanto decidir de modo a mostrar a lei e o exemplo, mas quer que não se veja ou, se se vir, que não se discuta? Quer obediência mas não opinião? Quer lei mas não democracia? Espero que alguém perceba que isto cava uma sepultura.

A justiça é pública e vive numa sociedade de informação líquida, mesmo que poluída. O seu problema não pode ser a atenção crítica, só pode ser a sua consistência. É melhor mesmo que os juízes apliquem a lei.»

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12.12.17

Brincadeiras de Francisco Assis



«Afirma Assis: as declarações de Catarina Martins são “lamentáveis”, “inadmissíveis” e “um ataque ao carácter” do PS, pelo que Costa deve dar-lhe “uma resposta clara e incisiva”. Tinha dito Catarina que, ao negociar, estabelecer e aprovar e depois rejeitar uma taxa sobre as rendas energéticas, o PS se mostrou “permeável” aos grandes interesses económicos. Assis acha isto “lamentável” e inadmissível”.

Há pouco tempo, Assis foi o mais destacado apoiante de um candidato a secretário-geral do PS que fez a sua campanha a afirmar que lutava contra “o PS associado aos negócios e interesses” (António José Seguro, Sábado, 31-07-2014) e que “há um partido invisível de poderes fáticos [e] as pessoas que estão associadas a esses interesses apoiam António Costa” (António José Seguro, RTP, 23-09-2014), tendo mesmo indicado o nome de um empresário, Nuno Godinho de Matos, como exemplo de que “existe uma parte do PS mais associada aos interesses” (Expresso, 23-09-2014).

Será que Assis achava então “admissível” o ataque dirigido a Costa, e não achava “lamentável” que o seu candidato falasse do “PS associado aos negócios e interesses”? Ou será que então se esqueceu de pedir a Costa que desse “uma resposta clara e incisiva” ao seu candidato que acusava Costa? Ou será que achava certa a acusação sobre o “partido invisível” dos interesses económicos, mas agora acha escandalosa a constatação factual de que, no recuo da taxa que aprovou primeiro e recusou depois, o PS se mostrou “permeável”?»

Brincadeiras de Assis.»

Francisco Louçã no Facebook
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Bloco central, o cemitério dos partidos socialistas



Daniel Oliveira no Expresso diário de 12.12.2017:

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Martinez 2.0?



Ver esta imagem e ler que o director da Faculdade de Direito de Lisboa, que está na origem do que a provocou, tem por apelido Martinez e é filho do sinistro chefe da mesma casa até ao 25 de Abril, faz muita impressão e um certo arrepio.

Daqui.
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Abençoado turismo



Jornal de Negócios, 12.12.2017.
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Marcelo: como gastar o poder apenas falando



«Marcelo e a geringonça: "Penso que todos ganharíamos se o ano de 2018 fosse de acalmia eleitoral. Portanto, que o OE 2019 não fosse um campo de luta pré-eleitoral."

Marcelo e o jantar da Web Summit no Panteão: "Nem que seja o jantar mais importante de Estado."

Marcelo e a legionela: "É preciso apurar o que se passou."

Marcelo e a legionela e Tancos: "O Presidente da República não vai imiscuir-se no que é a tramitação das investigações para que não se diga que está a criar qualquer empecilho ou limite. Simplesmente não se esquece. O Presidente tem uma memória de elefante, não se esquece."

Marcelo e a polémica entre o PS e o BE sobre as renováveis: "Continuo a pensar que a legislatura vai até ao fim [??????]."

Marcelo e a celebração pelo governo dos seus dois anos: "Que aqueles que intervêm na vida política estejam identificados com as pessoas concretas de carne e osso, que estejam atentos ao que se pensa, ao que se sente, se sofre e é preciso resolver, dos vários lados."

Marcelo e Centeno no Eurogrupo: "Não se deve esquecer que começou por ser ministro das Finanças."

Marcelo e Belmiro de Azevedo: "Uma figura marcante da economia e da sociedade portuguesa ao longo das quatro décadas da democracia portuguesa."

Marcelo e o guitarrista dos Xutos & Pontapés, Zé Pedro: "Um guerreiro da alegria, da vontade de viver, de superar dificuldades, de nunca desistir."

Marcelo e as Raríssimas: "Para já, o que importa é apurar o que se passa."

Enfim: não há nada que o Presidente não comente - do mais relevante ao maior fait divers. Há umas semanas, neste mesmo espaço, elogiei-o pela intervenção que fez em Oliveira do Hospital sobre os fogos de outubro: criou empatia com o país (e as vítimas em particular), tudo o que tinha faltado à intervenção do primeiro-ministro. Mas depois disso Marcelo passou de hiperativo a hipermega ativo, parecendo gerir toda a sua agenda numa lógica de cobertura a par e passo da agenda de António Costa (por antecipação ou reação). Marcelo, que é constitucionalista, sabe qual é o maior poder do Presidente da República em Portugal:é o poder de falar. Se continuar a gastar palavras com tanta intensidade, tanto para fait divers como para factos importantes, estará pura e simplesmente a desperdiçar o poder que os portugueses lhe deram. Não foi para isso que foi eleito nem é para isso que é pago.» 

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11.12.17

Trump: mais alternativas


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Dica (680)




«The increasingly mainstream UBI debate is important. It is therefore vital that the debate should be rational. Rationality requires attention to definitions and details. So, definitions and details matter.»
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Galeano - Da novilíngua



El lenguaje 3


En la época victoriana, no se podían mencionar los pantalones en presencia de una señorita. Hoy por hoy, no queda bien decir ciertas cosas en presencia de la opinión pública:

el capitalismo luce el nombre artístico de economía de mercado;

el imperialismo se llama globalización;
las víctimas del imperialismo se llaman países en vías de desarrollo, que es como llamar niños a los enanos;

el oportunismo se llama pragmatismo;

la traición se llama realismo;

los pobres se llaman carentes, o carenciados, o personas de escasos recursos;

la expulsión de los niños pobres por el sistema educativo se conoce bajo el nombre de deserción escolar;

el derecho del patrón a despedir al obrero sin indemnización ni explicación se llama flexibilización del mercado laboral;

el lenguaje oficial reconoce los derechos de las mujeres, entre los derechos de las minorías, como si la mitad masculina de la humanidad fuera la mayoría;

en lugar de dictadura militar, se dice proceso;

las torturas se llaman apremios ilegales, o también presiones físicas y psicológicas;

cuando los ladrones son de buena familia, no son ladrones, sino cleptómanos;

el saqueo de los fondos públicos por los políticos corruptos responde al nombre de enriquecimiento ilícito;

se llaman accidentes los crímenes que cometen los automóviles;

para decir ciegos, se dice no videntes;

un negro es un hombre de color;

donde dice larga y penosa enfermedad, debe leerse cáncer o sida;

repentina dolencia significa infarto;

nunca se dice muerto, sino desaparición física;

tampoco son muertos los seres humanos aniquilados en las operaciones militares:

los muertos en batalla son bajas, y los civiles que se la ligan sin comerla ni beberla, son daños colaterales;

en 1995, cuando las explosiones nucleares de Francia en el Pacífico sur, el embajador francés en Nueva Zelanda declaró:

«No me gusta esa palabra bomba. No son bombas. Son artefactos que explotan»;

se llaman Convivir algunas de las bandas que asesinan gente en Colombia, a la sombra de la protección militar;

Dignidad era el nombre de unos de los campos de concentración de la dictadura chilena y Libertad la mayor cárcel de la dictadura uruguaya;

se llama Paz y Justicia el grupo paramilitar que, en 1997, acribilló por la espalda a cuarenta y cinco campesinos, casi todos mujeres y niños, mientras rezaban en una iglesia del pueblo de Acteal, en Chiapas.


Eduardo Galeano,  Patas arriba. La escuela del mundo al revés
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Não somos apenas bons, somos os melhores




Depois de Ronaldo, Euro da bola, Guterres, Eurovisão, Centeno… Só nos faz falta um novo Infante D. Henrique para irmos outra vez por esse mundo fora. Talvez numa caravela «made in China», mas who cares!
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De Dijsselbloem a Centeno



«1. Há um problema de fundo na política portuguesa: não tem futuro. Aliás quando se olha com atenção para o nosso debate político percebe-se que ele anda à roda de trivialidades e, se retirarmos do prato comunicacional essas trivialidades, não sobra nada. Ou melhor, sobra: um grande silêncio, uma grande autocensura, um grande indizível, para não dizer tabu, que é palavra que se gastou demais. E esse vazio cheio de sentido é o modelo económico e social imposto pelas "regras europeias", assente em défices quase zero, numa dívida que consome uma parte gigantesca da riqueza nacional, com a deslocalização de múltiplos poderes para instâncias exteriores – com a castração do parlamento nacional dos principais poderes que o justificam, ou seja, o poder de decidir as políticas económicas e orçamentais mais adequadas para o País –, e com votos de primeira (os que podem definir políticas, ou seja, que podem aceitar as políticas "aceitáveis") e os que não servem para nada, ou seja, os que não podem ser traduzidos em políticas sem profunda perturbação do establishment.

2. O País está, assim, condenado a um futuro de mediocridade, mediania na melhor hipótese, pelos séculos dos séculos. Pior ainda, está condenado a surtos de crescimento em condições muito favoráveis – como as que hoje vivemos com o turismo e algumas exportações –, mas sem capacidade de sustentabilidade. Ou seja, passado o surto benfazejo, voltaremos a ter de apertar o cinto, ou pelo menos a viver com uma pobreza mais estabilizada na melhor das hipóteses. É o que nos dizem o PSD e o CDS e chamam a essa viragem, que no fundo é o retorno à normalidade do que nos permite o modelo "europeu", a vinda do Diabo. Mas, pior ainda, é o que o PS também nos diz, mesmo não o dizendo. Deste ponto de vista não há muitas diferenças e é por isso que Centeno está bem no Eurogrupo, o intérprete do Tratado Orçamental e o ponta-de-lança das "regras europeias" que na verdade não são regras (porque nem todos as aplicam, como é o caso de França), nem são europeias visto que abrangem apenas uma parte dos países da União, que tem a moeda única.

3. O que nos dizem PSD e CDS (e o PS não pode dizer, mas faz), e que Cavaco Silva expressou de viva voz, é que o País está condenado a ter a mesma política durante décadas para que ela possa ter resultados, em particular dando prioridade ao pagamento da dívida, por meio de uma austeridade assente na contenção de salários e pensões, diminuição das funções do Estado, pobreza assistida e desregulação e baixa de impostos para as empresas, na esperança de que talvez isso possa significar algum incremento económico. Até lá, não há esperança de se poder mudar a política sem nos cair a "Europa" em cima, como aconteceu com a Grécia. Na verdade, nada prova que esta política possa dar resultados, nem em décadas, a não ser manter Portugal na cauda da Europa, com uma política de protectorado e de assistência pelo bom comportamento, mas sem sairmos, na expressão popular, da cepa torta. A aliança "europeia" que nos governa chama a isto a "realidade" e não adianta tentar pensar e muito menos actuar fora da caixa. A caixa é de betão e de ferro. Claro que assim não admira que não haja futuro.

4. A esquizofrenia da nossa vida pública é que muitos dos defensores desta política "europeia" não acreditam de todo nela. Afirmam em pequeno comité que a dívida é impagável e que terá de haver uma reestruturação, e que a política de défices zero impede qualquer crescimento do País e é completamente desadequada das necessidades de Portugal. E depois acrescentam que não é possível fazer nada. Esta sensação de impotência tem um efeito devastador de os levar a uma enorme preguiça política, a acomodar-se às "regras" e a nem sequer usar as oportunidades que existem e podem existir de as mudar, ou sequer de ter uma permanente pulsão e pressão para que sejam mudadas. Tendem logo a argumentar com argumentos ad terrorem e a queimar qualquer terreno que possa existir, e acantonar quem levanta estas questões no campo do radicalismo. Não é assim e não precisa de ser assim.

5. A Europa está um caos, e parte desse caos vem também destas políticas com que se respondeu à crise financeira. O crescimento do populismo acompanhou as políticas de austeridade e gerou bloqueamentos em questões tão cruciais como a dos refugiados. Como pano de fundo, a União Europeia e em particular o Eurogrupo "sugaram" para políticas não votadas a escassa democracia que já existia em matérias europeias. A conjugação de todos estes processos bloqueou a política e travou o futuro. Para países como Portugal é ainda mais grave esse bloqueamento, e é de uma ironia quase trágica, que Centeno, socialista, vá substituir Dijsselbloem, socialista, na ponta de lança dessas políticas.»

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10.12.17

Sondagens: mais uma


88,7% dão nota positiva aos 2 anos de Governo.

«À Esquerda, nenhum eleitor de PS, BE e PCP classifica a atuação do governo com nota negativa. À direita, quase 30% dos inquiridos que normalmente votam PSD aplaudem o desempenho de António Costa. Já no CDS, essa percentagem baixa para 16%.

É no Porto que se encontram os mais satisfeitos, com mais de 64% dos inquiridos a atribuírem as melhores notas ao Governo. Já no Sul e ilhas, essa percentagem baixa para 48,8% - são os menos convencidos.

Mas o Governo só completou dois anos com o apoio de PCP e BE. O partido de Catarina Martins é visto como aquele que mais contribuiu para o Orçamento do Estado: 69,4% destacam o contributo do BE contra 54,3% que elogiam o PCP.»

Alguma dúvida?
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Time: personalidade do ano 2017



Ainda não tinha visto esta explicação:

«This woman was partially cropped out of the cover to symbolize "all those who could not speak out”. (…) The woman (…) is a young hospital worker from Texas who told her story anonymously to protect her family's livelihood.»
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Trump: até os bichos o odeiam



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Trump farto de história(s)



«“Os presidentes que me precederam fizeram [da mudança da embaixada dos EUA de Telavive para Jerusalém] uma das suas principais promessas eleitorais, e não a cumpriram. Hoje, eu estou a cumprir a minha.” É assim, com lógica puramente eleiçoeira, que Donald Trump justificou outro dos seus gestos incendiários em política externa. Esta era uma velha e repetida promessa eleitoral e uma decisão do Congresso que nenhum dos presidentes, desde 1995, tinha concretizado, e Trump, o conseguidor, deu o passo "corajoso" que ninguém tinha dado. “Vocês sabem que este é um governo único. Que toma medidas ousadas", terá dito Trump ao governo israelita (The Guardian, 8.12.2017). Que o fogo se propague pelo Médio Oriente e que, dentro de meses, se contem provavelmente por milhares os palestinianos mortos, tudo isso é secundário. Estamos habituados. E tanto melhor se, já agora, a decisão ajuda um aliado, Netanyahu, outro encenador de testosterona, a conseguir ser o primeiro dirigente israelita a dispor desta consagração do aliado americano e a desviar as atenções das acusações de corrupção que impendem sobre ele e vários membros do seu staff. Mais do que verificarmos o fracasso de negociações de paz israelo-palestinianas, o que vemos é não haver sequer processo algum desde há anos - não por responsabilidade das duas partes, como se gosta de salomonicamente dizer, mas porque Israel, tratado com toda a condescendência pelo Ocidente e pela Rússia, nem precisa de fingir querer negociação alguma.

PUB Duas parecem-me ser as motivações de Trump. Ambas decorrem de extraordinárias leituras históricas. A primeira de natureza religiosa, com objetivos políticos: agradar aos 81% de evangélicos norte-americanos que votaram Trump em 2016 e que acreditam que a sua decisão relativamente a Jerusalém ajudará ao desencadeamento da "Batalha do Armagedão", na qual "Cristo regressará à Terra e vencerá os inimigos de Deus", antes de mais os infiéis palestinianos que povoam a cidade há séculos. "Para alguns evangélicos", lembra a Diana Butler Bass, historiadora das religiões, "este será o clímax da história. E Trump está a conduzi-los até ele. Ao Juízo Final, à vitória certa." A quem parecer desolador que semelhante retórica religiosa possa ter peso na formação de opinião política de muita gente, Bass faz notar que "milhões de cristãos americanos acreditam nisto e nisto basearam a sua fé e a sua identidade.” (Haaretz, 8.12.2017) Os que estão ainda convencidos que o islamismo político é a fonte de todos os perigos, não se esqueça de acrescentar à lista os delírios políticos que se reclamam do cristianismo e do judaísmo.

Augúrios bíblicos destes podem parecer alheios a um empresário com a ética de predador sexual. Seguramente mais associável à sua mundivisão é aquela que me parece ser a segunda motivação: a da "adoção da política da vitória de Israel" como base, não mais implícita, mas absolutamente explícita, da posição dos EUA no Médio Oriente. Essa é a batalha há muito do lobista pró-israelita Daniel Pipes, cujo "objetivo é convencer Washington a deixar Israel vencer" e deixar os israelitas "decidir livremente como atingir este objetivo". Pipes sabe bem que "quebrar a vontade palestiniana de ir à luta não será nem fácil, nem agradável" - como, aliás, já se está a comprovar. Mas se ela não for "quebrada", a "única alternativa é o desaparecimento de Israel", retórica que há muito se tornou hegemónica entre os israelitas e que se traduz na determinação em não aceitar qualquer Estado palestiniano. Que lição tira Pipes da história? A de que "o compromisso e 'concessões dolorosas' não acabam conflitos; pelo contrário, a história mostra que tal só se consegue com a desistência de um dos lados" (Pipes, Israel National News, 14.5.2017).

De "lições" destas se fez a história do belicismo. De resto, e como o genro de Trump, Jared Kushner, foi apanhado há meses a dizer sobre a Palestina, "não queremos mais lições de história. Já lemos livros suficientes. É altura de perceber como resolver a situação” (The Guardian, 8.12.2017). Pois aí está. Cem anos depois do arranque da aventura sionista na Palestina, os outros que desistam dos seus direitos, da sua terra, da sua vida. E que Trump, armado em árbitro, julgue poder proclamar o vencedor.»

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