28.2.18

«Stop this madness!»



«Portugal está em vias de se transformar num inferno legislativo. Há uma espécie de obsessão pela feitura desenfreada de leis e regulamentos, como se o princípio da Física do horror ao vazio se devesse aplicar a tudo quanto mexe livremente na sociedade.

Não é um fenómeno novo e, por não o ser, a confusão existente no nosso universo legal agrava-se dia após dia. Como nos armazéns dos velhos colectores, a tralha jurídica amontoa-se desordenadamente sem quaisquer preocupações de limpeza. É urgente a criação de um Ministério da Higiene Legislativa. Ou, para se evitarem novos imbróglios orgânicos, de uma simples direcção-geral com amplos poderes de corte e costura.

São muitas as razões para a avalancha legislativa. Desde logo, a raiz romano-germânica do nosso sistema jurídico - por oposição à common law dos anglo-saxões -, propensa à multiplicação de diplomas legais, com os seus preceitos detalhados de funcionamento normativo da sociedade, reduzindo a discricionariedade no julgamento de causas. É o sistema que nos rege há séculos e do qual dificilmente nos poderemos libertar. Não surpreende, assim, que a crescente complexidade das relações sociais e económicas conduza a um correspondente acréscimo de produção jurídica.

Depois, a União Europeia e a sua veia normalizadora. Só as injunções no sistema jurídico português ditadas por Bruxelas representam, desde a nossa adesão, toneladas de páginas do Diário da República. Propensos como somos ao seguidismo acrítico, à divisão minuciosa dos pêlos púbicos e às redondilhas literárias, conseguimos multiplicar o texto de qualquer directiva por dois ou por três no momento da transposição. Acatamos como meninos a proibição dos galheteiros e só um raro assomo de têmpera beirã impediu, in extremis, que a flor do cardo fosse proibida de entrar na composição do queijo da serra. Noutros temas, mais pesados, como o regime de contratação pública, cometemos a proeza de transformar o rigor num absurdo. É que em Bruxelas tudo é possível, tanto um regulamento idiota de protecção de dados, como a saudável intenção de tributar os gigantes do mundo digital ou de introduzir bloqueadores de velocidade nos automóveis.

Entretanto, por cá prossegue a fúria regulamentar. Ora é o alojamento local, ora os incentivos estabelecidos pela banca aos seus funcionários, numa demonstração de total ausência de sentido da realidade. E cresce, cresce o volume de tralha inútil, impraticável, obsoleta e redundante. Numa recente peça no DN, Pedro Tadeu ilustrava com a-propósito o modo como um bom decreto - o da limpeza florestal - se pode transformar numa charada: "O anexo ao DL 124/2006, de 28 de Junho, alterado pelos DL 15/2009, de 14 de Janeiro, 17/2009, de 14 de Janeiro, 114/2011, de 30 de Novembro, e 83/2014, de 23 de Maio, e pela lei 76/2017, de 17 de Agosto, passa a ter a redacção do anexo ao presente decreto-lei [onde não constam as partes inalteradas]." Seria muito difícil produzir um texto novo, completo e escorreito? Falta formação em Word ao "legislador"?»

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