9.4.18

Socorro, democracia!



«Há poucas semanas Xico Sá escrevia, no El País/Brasil, uma coluna que tinha um título arrepiante: "Me chamo Democracia e peço socorro no Brasil". O texto era um postal ilustrado de um país onde a liberdade do samba tinha chegado a um morro e só encontrava um abismo de intolerância. Com urubus a dançar. Não há no Brasil mais garotas de Ipanema, observadas pelos poetas e músicos boémios, nem o mundo maravilhoso da Amazónia, nem as praias sedosas cercadas de coqueiros e cobiçadas pelas tartarugas. Não há aqui mais tempo para um país divino, onde há de tudo, mas que sempre ficou separado, com arame farpado, entre os muito ricos e os muito pobres. O mundo das telenovelas da Globo só serviu para democratizar sentimentos e ambições e para embalar os brasileiros sem futuro num sonho americano em que era possível saltar a vala da diferença social. Hoje, depois de anos de ditadura militar, de sonhos democráticos, da paz de Fernando Henrique Cardoso, da euforia de Lula da Silva, o Brasil deixou de ter tempo para o cafuné de Gabriela. Está dividido ao meio, entre os que apoiam Lula e os que o detestam. Porque, corrupção à parte, o que estilhaça o Brasil é esse fosso que ninguém consegue atravessar. Não há pontes. Há favelas e condomínios privados.

O destino de Lula, seja ele qual for, não trava este desnorte que atravessa o Brasil, como se o ritmo do samba tivesse sido contaminado por uma banda de heavy metal. Se tivesse sobrevivido ao Lava Jato, Lula talvez ganhasse as próximas eleições. Mas o problema é que quase toda a classe política brasileira está contaminada pelo vírus da corrupção. E isso vê-se no Governo de Michel Temer, amarrado aos madeireiros que desflorestam a Amazónia e às seitas religiosas que ganham terreno político. Lula não deveria estar só. Com Lula preso, o Brasil não vai voltar a ser inocente. As rugas da corrupção estão em muitos rostos. Pior, a sociedade cindiu-se. E é nesse mundo que os militares começam a mostrar as garras. Como se dsentissem nostalgia de outros tempos. Socorro, democracia!»

Fernando Sobral
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